CARREIRA: RODRIGO TERNEVOY ENTRE A IRLANDA E O BRASIL

O ator Rodrigo Ternevoy, natural de São Caetano do Sul, São Paulo, nunca imaginou que ao decidir (isso em 2008) ir para um intercâmbio para a Irlanda iria mudar totalmente a sua vida. Falando inglês fluentemente e se sentindo cada vez mais capaz em se comunicar, resolveu apostar no sonho de ser ator. Esse desejo era antigo, mas por vir de uma família sem ninguém nessa área e sem ter o apoio necessário, acabou deixando o sonho de lado e foi trabalhar para ganhar dinheiro e pagar as contas. 

Veio ao Brasil de férias e na volta pediu demissão. Logo começou a trabalhar como figurante em uma grande empresa que atendia o mercado audiovisual da Irlanda. Em seguida, Rodrigo se inscreveu para uma vaga na Bow Street Academy, uma das mais renomadas escola para atuação em TV e cinema da Europa, onde  estudou em período integral até se formar em 2015. Ate que em 2016 surgiu a oportunidade de fazer um teste para a novela Fair City. E para sua surpresa deu certo, por cinco anos ele permaneceu nessa novela. O resto dessa história contamos logo abaixo.

Rodrigo conta pra gente como foi essa aventura de atuar por cinco anos em uma novela irlandesa? Quais os maiores desafios nisso tudo? Se alguém me perguntasse em 2008 o que eu estava indo fazer na Irlanda eu certamente não diria novela (risos). Depois de alguns anos aprendendo o inglês eu decidi seguir meu sonho e estudar dramaturgia. O teste para a novela Fair City surgiu em 2016 depois de alguns meses de formado. Parecia um sonho, um brasileiro entrar para o elenco principal de um programa ícone da TV do país. E logo eu percebi a grandeza de sua audiência. Comecei a ser parado na rua, receber mensagens dos fãs. Foi sem dúvida uma aventura e tanto. Tudo era novidade, eu não estava acostumado com aquilo mas meu personagem, o Cristiano, era querido por todos, tinha um coração de ouro e isso trazia o público para perto de uma forma carinhosa e gentil.

Ao todo foram por volta de 400 episódios e eu curti cada um deles. Tive a oportunidade de trabalhar com grandes nomes da indústria do audiovisual da Irlanda ao longo desses 5 anos.  Mas nem tudo são flores e tive sim algumas dificuldades, como por exemplo a rapidez com que as cenas são gravadas, cheguei a fazer 23 cenas em um só dia, quando em um filme de grande orçamento por exemplo grava-se uma ou duas nesse período. Outra dificuldade que vale mencionar foi a língua, embora eu na época já fosse fluente em inglês, tudo acontecia muito rápido, as vezes você recebe uma cena nova no seu camarim minutos antes de gravá-la e isso gera uma pressão grande, eu me vi no início da carreira sofrendo um pouco de ansiedade, que com o tempo passou.

Já conhecia a Irlanda? Como foi sua preparação até de fato começar a gravar? Quando eu decidi fazer intercâmbio na Irlanda eu não conhecia o país. Um amigo na época tinha acabado de ir para Dublin e falou muito bem de lá e daí eu iniciei as minhas pesquisas sobre o país. Ví que os irlandeses não eram tão diferentes dos brasileiros. Eles gostam de festas, de cerveja e de socializar. Depois que cheguei eu me apaixonei por Dublin e consequentemente pela Irlanda. Me senti em casa.

Por dois anos eu me dediquei apenas a aprender inglês. Fui para a escola todos os dias e evitava muito contato com os brasileiros por conta da língua, eu estava lá para aprender inglês e não português (risos). Me inseri o máximo que pude na cultura irlandesa e foi aí que conheci o meu atual marido David em junho de 2008 e estamos juntos até hoje. Ele é irlandês e sem dúvida isso acelerou o meu aprendizado pois ele não falava uma palavra de português (risos). Antes de ter a coragem de trabalhar com dramaturgia eu fiz uma pós-graduação em contabilidade internacional em Dublin e trabalhei na Deloitte de lá por alguns anos. Foi aí que eu senti que realmente minha alma não estava na área corporativa e sim naquele meu sonho guardado a sete chaves. Tive uma conversa franca com o David e juntos decidimos que eu deveria seguir meu sonho e me tornar ator. Depois disso eu me desliguei da empresa e me dediquei 200% à carreira de ator. Fui figurante inclusive na novela Fair City antes de entrar para o elenco. Me formei em 2015 e em 2016 fiz o teste para a novela. Uma data que eu jamais irei esquecer. Na época eu recebi a biografia mais detalhada do personagem e tive por volta de quatro meses para criar o Cristiano San Martin, meu personagem, antes do início das gravações. Tive muitas reuniões com os diretores executivos do programa durante esse período que sem dúvida me auxiliaram nessa criação.

Você passou 14 anos fora do Brasil. Resumindo… por onde passou e o que guardou de especial? O problema aqui é ‘resumir’ (risos). Eu nunca tinha saído do Brasil até decidir ir para a Irlanda. De lá para cá eu tive a oportunidade de visitar diversos países, como por exemplo Portugal, Espanha, Holanda, Itália, Finlândia, Estônia, Rússia, Suécia, EUA, Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte, Turquia, Grécia, Tunísia, Áustria, França, Bulgária e por aí vai. Para mim todos esses lugares representam momentos especiais na minha vida, por exemplo a minha lua de mel foi em Santorini na Grécia, um verdadeiro paraíso com o pôr do sol mais lindo que eu já vi na vida. Foi lá inclusive que eu recebi a ligação da minha agente dizendo que eu tinha sido aprovado no teste para a novela. Sem dúvida um momento marcante na minha vida e na vida do David.

Como ator conhecer tantas culturas e lugares diferentes é um belo laboratório. O que aprendeu nessa sua jornada mundo afora? Com certeza ter tido a oportunidade de viajar o mundo me trouxe não apenas vivência e experiência, mas também um ótimo laboratório. Por exemplo, eu gravei um curta-metragem em Dublin onde vivi um italiano que trabalhava para a ONU, me lembro dos trejeitos dos homens italianos até hoje. O que chega até ser engraçado foi eu ter vivido um personagem chileno na novela por 5 anos e nunca ter pisado no Chile (risos).

E soubemos que você mal chegou no Brasil e já foi direto gravar dois longas. Saudades de atuar falando português? Sim! Assim que eu cheguei no Brasil fiz alguns testes e tive a sorte de ter sido escolhido para duas  produções brasileiras. Na realidade eu nunca havia atuado em português antes, pois me formei como ator lá fora. No início foi bem diferente, estranho, mas ao mesmo tempo gratificante. Aos poucos fui aprendendo os termos, os jargões da indústria brasileira e tudo fluiu muito bem.

E o que podemos esperar desses longas, “O Turista Aprendiz” e “O Velho Fusca”? “O Turista Aprendiz” é um longa metragem baseado no diário das viagens feitas por Mário de Andrade entre 1927 e 1929 pela Amazônia e por alguns estados do Nordeste. O filme foi dirigido pelo cineasta Murilo Salles. O longa “O Velho Fusca”, escrito por Bill Labonia antes mesmo de ser lançado já garantiu diversos prêmios em festivais de cinema/roteiro pelo mundo. Quando eu li o roteiro me apaixonei de cara. O filme é uma comédia romântica dirigida por Emiliano Ruschel, com estreia prevista para o primeiro semestre de 2023. Na trama, Junior (Caio Manhente) filho de Elaine (Cléo Pires), depois de descobrir um velho fusca abandonado na garagem do seu avô (Tonico Pereira), bola um plano para conseguir ficar com o carro – mas, para isso, ele vai ter que remendar uma antiga briga que fraturou a família há anos. Meu personagem, o Tio Beto e o irmão Maurício (Danton Mello), ambos filhos do personagem do Tonico Pereira são o pivô dessa separação na família. No processo, Junior descobre um velho amargurado, sozinho, isolado de toda a família e que perdeu a vontade de viver. O avô concorda em dar o carro para o jovem, mas Junior terá que fazer por merecer. Enquanto restaura o carro, Junior começa a cuidar da casa e do avô e os dois iniciam uma amizade, trocam experiências onde os dois se transformam. “O Velho Fusca” é um filme para toda a família, e eu não vejo a hora de poder assistir nos cinemas.

Paralelo a isso você escreveu seu primeiro curta-metragem The Weight of Time ou O Peso do Tempo, em português. Como foi o processo de criação? Durante a pandemia todos nós nos encontramos com muito mais tempo em nossas mãos e eu decidi escrever meu primeiro curta-metragem, “O Peso do Tempo” em inglês “The Weight of Time”. Eu sempre tive vontade de escrever e produzir algo meu e ligado ao universo LGBTQIA+. Escrevi, produzi, financiei e protagonizei o curta, só não tive coragem de dirigir, preferi deixar para o diretor irlandês Noel Brady com quem eu já havia trabalhado anteriormente e tido uma ótima experiência. Eu sou pisciano, então ideias é o que não me faltam. Eu queria que o telespectador tivesse uma experiência diferente ao assistir o filme. Embora a história fosse sobre um casal gay, eu me preocupei muito em não focar nisso mas sim na história em si, que poderia ter ocorrido com qualquer pessoa independente de sexo, dois homens, duas mulheres, um homem e uma mulher. Eu quis fugir um pouco dos estereótipos gays que vemos em abundância na TV e cinema hoje em dia. O Peso do Tempo é um filme de amor e perdão que conta a história de um casal gay formado por Felipe, brasileiro (interpretado por mim), que espera ansioso seu parceiro Jason, irlandês (interpretado por Cormac Ó Broin) voltar para casa depois de passar dois anos preso por um crime que tudo indica ter ocorrido em autodefesa. Ao sair da prisão, no entanto, Jason não vai ver Felipe, mas acaba indo para a casa de seus pais (interpretados por Ally Ní Chiaráin e Pat Nolan). Nesse meio tempo, novas informações começam a ser desvendadas e uma virada na história acontece. 

Sua carreira internacional terminou surgindo de um intercâmbio para a Irlanda em 2008 para aprender inglês. E quase não voltava mais! (risos). Como foi que tudo foi acontecendo? Eu acredito que certas coisas em nossas vidas estão previamente traçadas e que se nos dermos a chance de explorá-las o universo nos retribui de alguma forma. Comigo foi assim, a necessidade do idioma abriu a primeira porta, a primeira possibilidade. Depois, conheci o David, meu parceiro para a vida. Estamos juntos há 14 anos e casados há pouco mais de 6 anos. Logo que cheguei na Irlanda ainda fui trabalhar na área corporativa pois com a minha experiência no Brasil abriram-se muitas portas e nessa época queríamos comprar uma casa juntos, então ter um trabalho período integral foi o ideal. Depois de alguns anos eu tomei coragem e desisti de tudo para ingressar na Bow Street Academy, uma das mais renomadas escolas para atores de TV e cinema. Essa escola foi inaugurada pelo diretor irlandês de cinema Jim Sheridan, nomeado seis vezes ao Oscar. Quando eu ainda estava estudando tive a oportunidade de participar de diversos comerciais de TV, longas-metragens, curtas-metragens e sem dúvida meu maior trabalho depois de formado se deu na novela Fair City onde vivi o chileno Cristiano por pouco mais de 5 anos.

No início de carreira você trabalhou em banco e quase enveredou pelo mercado financeiro. Quando e como percebeu que atuar era o que você queria para você? Na época eu já trabalhava há cinco anos para o banco americano Citibank em São Paulo quando eu me vi com a oportunidade de estudar fora e aprender o inglês. A minha diretora no Citibank na época foi quem me incentivou bastante. Me lembro dela falando “vai sim Rô, se jogue e não aprenda somente o inglês, faça coisas que nunca fez antes, cursos novos, aproveite essa oportunidade para ampliar seus horizontes, etc…” parece que ali já estava sendo plantada uma semente que depois de alguns anos me tornaria um ator profissional. Eu adorava trabalhar na área corporativa, mas era tudo muito novo,  comecei a ganhar minha independência financeira, a dirigir, a sair com os amigos, me divertir. Mas nessa época eu já reconhecia que minha criatividade não estava sendo 100% aproveitada. Eu sempre tive uma imaginação muito fértil, eu me via atuando em novelas, em filmes, dando entrevistas em talk-shows mas tudo na minha cabeça (risos) lá eu já tinha uma carreira de sucesso mas infelizmente eu vinha de uma família modesta e não podia largar tudo para seguir esse tão longínquo “sonho”. Foi mesmo na Irlanda que essa vontade louca pela arte veio a tona, talvez pelo fato da Irlanda consumir muita arte, literatura ou talvez a idade me fez valorizar coisas que são de extrema importância nas nossas vidas além do dinheiro e carreira. Temos que ser felizes no final das contas. Hoje em dia me sinto feliz, me sinto pleno. 

Quais os próximos passos e paradas? Umas das coisas que eu mais gosto nessa carreira de ator é o fato de não sabermos onde a coisa vai dar (risos). Hoje estou aqui, amanhã posso estar lá. Por exemplo depois de chegar no Brasil e participar de dois filmes, fiz um teste para um longa metragem da Netflix a ser gravado na Irlanda e cá estou. Fiz o teste via self-tape (onde você recebe uma ou duas cenas via e-mail, memoriza suas falas, cria aquele personagem da maneira que acredita ser o ideal, grava a mesma usando uma câmera ou um celular e envia o arquivo para o produtor de elenco que então analisa/avalia a sua performance). Recebi a confirmação que o papel era meu e voltei para a Irlanda para gravar uma participação no longa “Irish Wish” ou em português “Desejo Irlandês” protagonizado por ninguém menos que a atriz americana Lindsay Lohan. O filme segue a protagonista Maddie (Lindsay Lohan). Quando seu amor fica noivo de sua melhor amiga, ela deixa seus sentimentos de lado para ser dama de honra em seu casamento na Irlanda. Dias antes do casal se casar, Maddie faz um desejo espontâneo de amor verdadeiro, e acaba acordando como a noiva. Com seu sonho parecendo se tornar realidade, Maddie logo percebe que sua verdadeira alma gêmea é outra pessoa. Meus planos para assim que eu retornar ao Brasil é seguir fazendo testes e aumentando o meu network por onde eu passar e para isso eu conto com a ajuda da minha empresária no Brasil, a Cláudia Wildberger da CW Marketing.

Fotos Nanda Araujo, Hazel Coonagh e Lucio Luna