Pouco mais de 30 anos atrás Isabel Fillardis estreava na TV com uma personagem que iria marcar sua trajetória para sempre, a Ritinha na novela Renascer (Globo). Daí em diante o Brasil ficou conhecendo esse talento tão múltiplo que foi se revelando ao longo dos anos. E a própria Isabel foi se descobrindo uma artista com várias possibilidades de tocar o público e evoluir. Uma das atrizes negras pioneira da sua geração, hoje Isabel, aos 49 anos, está de volta a TV que a revelou para o mundo com uma personagem leve e encantadora como ela própria, a Aparecida em ‘Amor Perfeito’. Entre novos desafios no cinema, na música e agora na TV, Isabel bateu um gostoso papo com a MENSCH.
Como foi voltar para a TV que revelou você para o Brasil 12 anos depois? No caso voltar para a Globo né? Porque eu não deixei de fazer televisão. Fiz alguns trabalhos na TV Record durante este período, fiz teatro, voltei a cantar, gravei um MP… fiz bastante coisa. Mas voltar pra Globo sim é muito gratificante, foi onde a Isabel Fillards nasceu. Ainda mais com esse trabalho tão rico, tão divisor de águas, tão diferente de tudo aquilo que a gente já viu. Diferente daquilo que já fiz. Mas uma personagem encantadora.
Isabel, e como está a expectativa para sua personagem Aparecida Madureira? Que desafios ela te traz? A Aparecida Madureira apesar de ser encontrar comigo uma mãe afetuosa, feliz, ela tem os seus desafios. A própria prosódia, uma mulher do interior de Minas Gerais de 1940, tem todo um comportamento e um jeito de falar diferente. Ser uma outra atmosfera. Tem a questão dela com a filha, e alguns outros conflitos… Isso já faz com que a gente precise estudar e ficar atento 24h por dia para mantê-la. Uma mulher esfuziante, Uma mulher feliz com a vida, mas também com uma personalidade muito forte. Gosta muito de música, adora um rádio. Então ela se torna desafiadora, por mais que ela tenha algumas nuances comigo, o desafio é fazer essa mulher ser totalmente diferente de mim.
Indo para o início, sua estreia na TV com a personagem Ritinha em Renascer. Podemos dizer que foi um marco na sua carreira? Como foi esse início? Podemos dizer que sim. A Ritinha é uma personagem que segue até hoje como uma referência para lembrar de mim aqui no Brasil e até fora também. É aquele ditado, “a primeira impressão é a que fica”. (risos) Ritinha era só uma participação que ficou até o fim da novela para minha felicidade. Eu tive boas oportunidades de papéis diferentes. Alguns que exigiram mais como a Luzia de A Força de Um Desejo, a Inês de A Indomada… O mais legal é poder estar aqui hoje com uma carreira de até então quase 30 anos e como referência para várias meninas pretas que hoje são mulheres, e sendo pioneiras nessa diversidade de papéis. Eu pude abrir caminhos para outras, inclusive como apresentadora também.
Falando nisso, como você percebia na época que era uma referência para os atores negros? O racismo não era um assunto de dentro de casa. Pelo menos dentro da minha casa, meio social… Não era. Era um tabu falar. Eu não tinha essa noção de que eu era referência, de estar na maior empresa de comunicação do país… E seguia trabalhando. Com o tempo fui tomando pé da coisa. Sendo orientada por Grande Otelo, por Chica Xavier por exemplo… a ser a melhor que eu poderia ser dali em diante. Eu era muito menina, de 17 pra 18 anos. Não tinha consciência. Ou letramento né? Como a gente diz nos dias de hoje pra saber a minha importância e meu lugar.
Podemos dizer que o meio audiovisual está evoluindo nessa área de diversidade? Essa é uma pergunta que requer uma resposta tão ampla… eu diria que estamos avançando, mas a revolução é algo mais profundo. Estamos no estágio de nos autodeclarar racistas. Eu chamo de avanço. Agora a evolução é que será um trabalho árduo, de resistência, mas sobretudo de cooperação de todo mundo na sociedade. Porque precisamos falar de diversidade. Para evoluirmos enquanto indivíduos, sociedade, precisamos ter um lugar empático. Sobretudo do que achamos serem diferentes de nós. Incluindo público LGBTGIA+, pessoas negras diversas, ou deficientes, atípicos e tantos outros.
Como você enxerga o empoderamento feminino hoje que tanto se fala? Empoderar uma mulher é dar a ela todas as ferramentas para que ela possa fazer as próprias escolhas. Para que ela possa sonhar. Respeitar a vontade de se querer ter filhos ou não. E se tendo, ter empatia quando ela precisar voltar para o mercado de trabalho, precisar ter jornadas duplas extremamente cansativas. Respeitar a sua escolha sexual. Enfim, ela ter a liberdade de fazer as próprias escolhas e não ser julgada por isso.
O que você busca como mulher e como artista? Como artista, a minha eterna busca é! Porque eu estou aqui, estou viva, atuante, atuando. A minha eterna busca é melhorar como ser humano. Porque através do meu ser humano melhor eu consigo ter um olhar mais empático para mim artista, para que essa minha artista tenha uma voz plural possível. Então a busca pela diversidade de personagens, busca por afetar as pessoas, ajudar a transformar através da minha arte. Seja cantando, atuando, representando, apresentando, escrevendo. Onde quer que eu esteja atuando como artista para tocar, afetar e transformar as pessoas. Fazê-las pensar.
Quando descobriu como artista? Cara, não sei te dizer. Eu acho que vem aí de outras vidas. Porque nessa vida aqui não tem ninguém que tenha feito teatro na minha família, pelo menos nas gerações que eu sei. Eu me descobri artista, com a palavra artista né?! Porque antes eu fragmentava, atriz, cantora… e de 40 anos pra cá, eu estou com 49, eu me coloco como artista. Por que eu atuo em todas essas frentes, então vamos dizer que a palavra artista com a palavra artista foi dos meus 40 anos pra cá.
E como está seu envolvimento com o cinema? Sabemos que tem novidades vindo por aí. Ah, eu tenho paixão pelo cinema. Eu fiz até então três filmes só. Então eu acabei de voltar para o cinema, agora na pandemia eu fiz dois filmes. Acabei de rodar mais uma. Tem outros vindo na minha direção.O cinema no Brasil só cresce, os conteúdos, as narrativas. Eu espero que possamos ter mais narrativas pretas. O trabalho que mais me marcou até então foi a Mira de Orfeu, de Cacá Diegues. Até então (risos).
Outro desafio seu recentemente foi participar do The Masked Singer Brasil como a Abacaxi. Como foi isso pra você? Fazer a Abacaxi foi fascinante. A construção da personagem, desde a criação, da personalidade, do corpo, a fantasia, como usar aquela fantasia, esse desafio de esconder a voz e ao mesmo tempo cantar bem para conquistar as pessoas e passar de fase. Foi maravilhoso. Foi muito gratificante pra eu estar neste projeto. Um projeto que visa desafiar o artista, né? Pra nós, por exemplo, é muito recompensador.
E quando você se descobriu cantora? Na verdade, eu comecei como cantora antes de artista. Quando explodiu a Ritinha em 1992 com a novela Renascer, eu já vinha com um ano, um ano e meio, com as Sublimes né?! Foi um trabalho que a gente concebeu, gravou, fez CD, fez videoclipe e foi lançado no mesmo ano da Ritinha. Então o trabalho como cantora veio antes. Começou dentro de casa, cantando no banheiro, cantando com microssystem… Então foi desse jeito que me descobri cantora. (risos)
E mais recentemente você lançou o EP ‘Bel Muito Prazer’… ‘Bel Muito Prazer’ nasceu um pouco antes da pandemia. Eu diria que um pouco depois de ter passado pelo câncer e ter me curado. Na verdade ele veio daí, veio desse choacolhamento que a vida me deu de que de repente não estar usando a minha voz para tocar as pessoas. Daí começou uma peregrinação atrás de pessoas, compositores, até então eu não compunha, então passei a compor. Então hoje estou compositora também. É um trabalho que eu quero ir logo. Quero ir aonde a minha voz tiver que ir. Cantar em festivais, de repente se trilha sonora de personagens na televisão, no cinema… Cantar o que vem na alma e poder arrebatar milhões de corações. (risos)
Quando tem uma folga o que gosta de fazer? Na hora de relaxar eu gosto de sair com os amigos, de tomar uma taça de vinho, ler um livro, caminhar na natureza, namorar… São coisas que me relaxam, que me fazem sair um pouco do circuito e desestressar.
E o que ainda vem por aí? Bem, o que vem por aí é uma biografia, onde o público vai chegar mais perto da Isabel Cristina, vai saber um pouco mais da Isabel Fillardis, claro, mas vai conhecer um pouco mais da Isabel Cristina. Tem mais cinema. Tem projetos pessoais para o cinema, videoclipe, vem um novo EP e mais o que tiver de vir pra mim que a vida me proporcionar. Estou aberta para o que a vida tem para me oferecer.
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