BALADA: Bar do Cachorro, uma Noronha em versão bacante

Na Roma Antiga, em periodicidade cíclica, eram promovidos rituais religiosos em homenagem ao deus do vinho, Baco (também conhecido como Dionísio), invadindo as ruas do império com danças, gritos e festejos. A ideia era promover espaço ao delírio dos romanos bacantes, cujo mais alto nível de perfeição báquica significava não considerar absolutamente nada como algo vedado pelo moralismo. O resultado disso se deu por meio de desaparecimentos, orgias, envenenamentos e confusões das mais graves e mais diversas, levando à proibição dos bacanais pelo senado romano.

Sendo assim, o que os bacanais têm em comum com o paraíso de Fernando de Noronha? Além da influência sobre as mais diversas festividades do ocidente moderno, também presentes na ilha, o fato é que os bacanais servem até hoje como referência do poder das celebrações. São, antes de tudo, uma prova de que qualquer povo, em qualquer época e sob os domínios de quaisquer impérios, tem necessidade de extravasar. Essa necessidade é tamanha e tão poderosa, que nem mesmo as águas translúcidas e o espetáculo diurno da natureza são capazes de conter. É uma força inerente à condição humana, e esconde um dos desejos mais secretos da existência civilizada: se no mais perfeito dos paraísos não houvesse sequer uma festa, então habitá-lo se tornaria uma condenação.

Fernando de Noronha, evidentemente, não foge à regra dos cenários paradisíacos que, apesar de estonteantemente lindos, necessitam de uma dose de delírio bacante. E para quem procura por diversão noturna na ilha, a resposta automática é semelhante a uma bússola já quase viciada: aponta sempre para o Bar do Cachorro.

Aberto de segunda a sábado, o local é a alternativa de turistas e moradores que, em meio à calmaria típica do arquipélago, vão em busca de algumas horas de badalação. Por lá, é possível dançar forró até às 3h da madrugada, com direito a cerveja gelada e paisagem de cartão postal. Às segundas-feiras, inclusive, há maracatu se apresentando no espaço, para fascínio dos turistas e ufanismo dos locais. Uma programação aparentemente comum na capital pernambucana – como curtir o som de uma sanfona ou incorporar o ritmo do batuque – foge ao clima bucólico perene em Noronha e, por isso mesmo, acaba por se tornar tão especial. Qualquer roteiro de viagem planejado sob os moldes do Turismo de Lazer deve incluir obrigatoriamente o point. Quem já conhece o endereço, vai além: obrigatório mesmo é chegar antes do horário da badalação propriamente dita e, assim, apreciar o sol se pondo na Praia do Cachorro. Praia, aliás, que justifica o nome do bar.

ONTEM E HOJE

Fundado há mais de vinte anos pelo empresário Sidney Costa, o espaço antes abrigava um lava-jato. Quem o frequenta atualmente, porém, sequer consegue imaginar a diferença de contexto. É que o lugar foi tão remodelado, tão aperfeiçoado em prol de sua clientela, que hoje conta até com lojinha de souvenires. Fez uso da receita ecologicamente correta do sucesso: combinou modernidade ao uso consciente de seus privilégios ambientais.

No menu, o Bar do Cachorro serve pratos calculados para deixar satisfeitas uma ou duas pessoas: dos petiscos às lagostas grelhadas, além de bobó e até mesmo picanha, para variar o clima e cardápio praieiros. Com a chefa francesa Ana Jabue no comando da cozinha, o bar vem aprimorando sua gastronomia, investindo na área a fim de fidelizar a clientela que já o frequenta – não bastassem a vista e a cerveja famosíssima pela temperatura estupidamente baixa.

De tanto ser exceção aos atrativos diurnos da ilha, o lugar virou regra na vida de quem conhece Noronha. Os turistas estreantes não são devidamente batizados se não desbravarem o point, e os que já frequentam o arquipélago não resistem à tentação de retornar. De Santa Catarina, a turista Anayra Apelini (30), Oficial de Justiça, garante: “Tudo no Cachorro é maravilhoso, a noite é muito animada e a paisagem é linda.” Aline Menegaro (27), colega de profissão e amiga de Anayra, reforça: “Esse é um bar muito alto astral, gostamos muito da música e o visual, claro, é maravilhoso!”

Bruna Caroline Georgi (30), também catarinense, sintetiza a impressão compartilhada pelos fãs da badalação: “O forró no Cachorro é uma delícia! Estou de frente para o mar, na Praia do Cachorro, escutando forró com a galera, então está tudo certo.” Além do intenso fluxo de turistas brasileiros e mesmo estrangeiros, famosos que costumam desfrutar dos prazeres de Noronha também são frequentadores assíduos do “Cachorro”, como chamam os íntimos. E suas presenças, evidentemente, conferem um charme a mais ao ponto. Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank, além do sanfoneiro Cezinha e de ex-BBs como Maria Melilo e Daniel Rolim, já foram registrados no endereço e são retorno certo tão logo voltem à ilha.

A explicação para tamanhos níveis de satisfação e fidelidade da clientela? Uma resposta óbvia: “Aqui é o paraíso com lua cheia e vista para o mar”, arrematou o turista André Georgi (32), vindo de Blumenau (SC). É que o lugar oferece uma versão de Noronha que não se restringe às paisagens tão propagadas mundo afora em cliques diurnos que ostentam um verdadeiro presente geográfico da natureza. O Bar do Cachorro guarda uma Noronha noturna, envolvente, sedutora. Em resumo, promove horas de delírios e prazeres – dos musicais aos gastronômicos – para deus Baco nenhum colocar defeito.