A estreia de Rafael Queiroz, 35 anos, no horário nobre da Globo não poderia ser em um papel melhor, forte, dramático e desafiador. Ele interpreta o pistoleiro Rael, que vive seus dramas e dilemas na trama “A Dona do Pedaço”. De voz calma, quase sussurrando, seu personagem vai navegando pela trama com uma arma na cintura e uma camiseta surrada seduzindo a personagem de Débora Evelyn e quem está assistindo. Olhando a atuação de Rafael percebemos que o cara tem futuro, muito futuro. Natural de Campinas, pai de dois filhos, solteiro no Rio de Janeiro onde mora há 10 anos, Rafael segue centrado no atual trabalho e não tem que o desvie dos seus objetivos. “Quero manter o foco total neste trabalho, e desempenhar da melhor maneira possível. Quando tiver tempo, junto com minha maturidade vou conseguir viver a solteirice de uma forma boa e saudável”, conclui ele.
Depois de novelas na Record e participações em tramas da Globo, você agora tem um personagem de destaque em “A Dona do Pedaço”. Como você avalia sua trajetória até essa oportunidade? O aprendizado está sendo maravilhoso. Quando cheguei no Rio de Janeiro fui estudar Teatro. Passei por muitas dificuldades com um filho recém-nascido, trabalhando como sacoleiro durante o dia e ensaiando peças a noite. O Teatro e as pessoas que nele convivi me ensinaram o valor do oficio, O SER ATOR. Me formei Bacharel em Artes Cênicas. Depois vieram comerciais, séries e novelas. Tive sorte de trabalhar com pessoas especiais, sou observador, e assim vou aprendendo. Tudo isso me fez crescer como ser humano e consequentemente como ator. O que fica é o caminho. É importante valorizar as conquistas, mas sem esquecer de onde viemos e aonde queremos chegar.
Acha que Rael é um divisor de águas da sua carreira? Fazer uma novela da Globo no horário nobre possibilita que o Brasil inteiro veja e conheça seu trabalho. A visibilidade é imensa. O Rael é especial pois me desafia todos os dias. Ele carrega uma ferida exposta que foi criada quando menino, e por isso muitas vezes é guiado pelo ódio. Mas vemos que também tem espaço para o amor e relações verdadeiras. Agradeço ao Walcyr e a Amora por me confiar um personagem tão complexo. Sem falar na equipe e no nosso elenco. Formamos um time com muita vontade e qualidade. Sem dúvida por todo esse aprendizado está sendo um divisor de águas na minha carreira.
Como tem sido viver esse pistoleiro? É muito bom poder dar vida a um personagem tão distante de mim. Ao mesmo tempo muito difícil. Pessoalmente sou muito comunicativo, ao contrário do Rael que tem dificuldade de se comunicar e se expressar. Por isso fui levado através da escrita do Walcyr a ter uma interpretação muito contida e com um tempo muito diferente da maioria das pessoas da cidade grande. Acredito que fica impresso o quão é difícil a comunicação dele em meio ao agito das pessoas que vivem na metrópole. Rael é refém do seu meio, da sua educação. Nascido e criado em meio aos pistoleiros, se viu obrigado a ser um deles. Com o trauma que sofreu vive neste ciclo de vingança devastador.
E onde tem buscado inspiração? Procuro me espelhar no cinema, nas séries, pois são veículos que trabalham com essa interpretação mais contida. Para citar uma referência: Cillian Murphy interpretando Tommy Shelby em “Peaky Blinders”.
Antes de ser ator você trabalhava nas empresas de automóveis da família em Campinas. Como era esse trabalho? E quando descobriu que queria ser ator? Comecei a trabalhar muito cedo. Com 14 anos já lavava carros. Meu pai sempre foi um grande vendedor, o melhor. E ali diariamente fui aprendendo. Aos 16, passei a ser um vendedor de carros. Vendia bem e consegui ter minha independência financeira muito cedo. Com 19, abri minha própria loja. Com boas ideias colhidas da cabeça do meu pai rapidamente ganhamos espaço no mercado de automóveis em Campinas. Com esse crescimento rápido decidimos investir em um programa de TV. Compramos um horário na televisão local e buscamos fazer diferente do que era feito até o momento. Resolvemos que eu apresentaria o programa, foi sucesso. Vinham pessoas de várias cidades porque acreditavam no que estava sendo falado. Minha empresa durou sete anos, até sermos atingidos pela crise que afetou principalmente o nosso ramo em 2008. Então, minha irmã Francisca Queiroz, que já era atriz, me incentivou a começar uma nova carreira.
Ainda curte carros? Era um bom vendedor? Eu não gostava de carros. Gosto da venda, do contato com pessoas diferentes, dos desafios diferentes para se fechar um negócio, seja ele qual for. Um bom vendedor sempre será um bom vendedor. Aprendi com o melhor: meu pai.
Como foi a mudança para o Rio para estudar interpretação? A família apoiou? Foi um momento muito difícil na minha vida. Tinha acabado de ser pai, estava casado e vimos tudo que tínhamos construído desabar. Vim para o Rio para recomeçar. Mas agora com mulher e filho. Gabi (minha ex-mulher) sempre me apoiou e esteve ao meu lado. Por isso conseguimos os dois recomeçar em uma cidade nova. Estudar quando se é pai, sem estrutura e família por perto não é fácil. Muitas vezes levava o Davi para meus ensaios na UFRJ. Ele neném já estava nas coxias. Mas não posso reclamar, só agradeço foi uma trajetória de amor e superação.
São 10 anos morando no Rio de Janeiro. O que tem de carioca e o que não deixou de ter de Campinas? De carioca eu tenho o amor pelo Rio de Janeiro. Amo profundamente esta cidade. Fico triste com o abandono, a violência, a falta de educação, de saúde, de oportunidades para quem mais precisa. Não deixei nunca de ser caipira. Amo o mato, meu silêncio. As relações nas cidades do interior são mais intensas, o contato é maior. Sinto falta da família e dos amigos que por lá ficaram, mas carrego todos no coração.
Você tem dois filhos. Como é o Rafael pai? Quais as dificuldades de ser um pai em 2019? Sou um pai participativo. Amo e ensino a amar. Gosto de colocar limites por acreditar que também façam parte do amor. Tento mostrar para os meus filhos que se deve plantar, cuidar e colher. Que o respeito pelo próximo tem que existir independente das diferenças. As dificuldades de ser pai hoje são imensas. Custa caro educar, e ter uma estrutura de vida para que nossos filhos usufruam do básico. Mesmo assim vivemos com medo pela falta de estrutura que o estado mesmo recebendo fortunas nos proporciona.
Você tem um casal (Davi de 10 e Rosa de 3), como é educar um menino e uma menina num momento do mundo em que se discute cada vez mais o machismo e o feminismo? Fico feliz por meus filhos estarem tendo está oportunidade de transformar, o que já está inserido na nossa geração. O machismo, preconceito, homofobia… Não temos mais espaço para a desigualdade de gênero. Discuto muito com o Davi sobre isso, principalmente em atitudes no relacionamento com a Rosa. Vou mostrando o quanto ele pode contribuir para que sua irmã seja libertada dessas amarras que a sociedade coloca nas mulheres. Espero que na era da comunicação eles sejam impactados por esses movimentos do feminismo, da liberdade de escolhas, e consigam contribuir para que vivamos em uma sociedade melhor e mais igualitária.
Você está solteiro. Como tem aproveitado a vida nesse momento? Nesse momento minha vida está resumida a trabalho e filhos. Quero manter o foco total neste trabalho, e desempenhar da melhor maneira possível. Quando tiver tempo, junto com minha maturidade vou conseguir viver a solteirice de uma forma boa e saudável.
Você fez um ensaio fashion pra MENSCH. Como é sua relação com a moda? O que não falta no seu guarda-roupa? Fui mudando ao longo do tempo a minha definição de como me vestir. Hoje procuro ter minha identidade. Gosto particularmente do conforto, do casual moderno. O básico com um tênis bacana um acessório que se destaque no look. Mas meu estilo sertanejo está enraizado, quando tenho a oportunidade coloco pra jogo.
E o que faria em relação à arte se fosse governante? Hoje temos leis que permitem a captação de recursos, mas existe dificuldade dos produtores dessa captação do dinheiro por parte das empresas privadas. Quem não tem contatos dificilmente consegue tirar do papel projetos que necessitam de dinheiro. Alguns poucos projetos são comtemplados em editais. Eu criaria um fundo obrigatório por parte das empresas onde o dinheiro seria automaticamente destinado à cultura. O que já existe hoje. O que seria diferente é a maneira que essa grande bolsa de investimentos funcionaria. Todos os projetos seriam inscritos no mesmo lugar, separados apenas por regiões. Hoje você inscreve em várias plataformas diferentes, leis e editais, parando muitas vezes na burocracia. Aí sim a curadoria destinaria o projeto para aérea correta, possibilitando assim qualquer tipo de produção. Ao mesmo tempo, é difícil pensar em algo assim hoje. Temos, neste momento, censura. Cultura não pode ser censurada jamais.
Como se vê daqui 10 anos? Se ainda tiver cabelo, grisalho! (risos) A idade me faz muito bem. Gosto de perceber como a maturidade me ajuda a levar uma vida melhor, mais equilibrada. Daqui 10 anos espero estar mais evoluído em todos os sentidos. Que eu consiga cada vez mais ser um ser humano melhor.