CAPA: TONY RAMOS, MUITO ALÉM DE UM ATOR BRILHANTE

Por Nadezhda Bezerra

Um de nossos maiores e queridos atores, Tony Ramos é uma referência não só de talento e competência, mas de caráter e simplicidade. Com uma trajetória brilhante na TV, cinema e teatro, Tony é “pai” de personagens inesquecíveis e reconhecido pelo seu ofício com os diversos prêmios que já recebeu. Atualmente interpretando magistralmente um dos maiores vilões de sua carreira, o Antônio La Selva na novela Terra e Paixão (Globo). Desejo nosso de muito tempo tê-lo aqui conosco, finalmente temos a honra de ter um papo sobre personagens marcantes, casamento, filhos e seus quase 60 anos de carreira.

Vamos começar com Riobaldo, um dos personagens mais incríveis da literatura que você deu vida nas telas. “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Me fala dessa coragem e como ela se manifesta em você. Esse texto explica a coragem e a vida. Coragem, para mim, é manter sua personalidade. Não ser escravo de modismos, respeitar o próximo e lutar por uma democracia plena: sem dogmas, preconceitos e intolerância.

Uma de suas marcas nesses 75 anos de vida e quase 60 de carreira é a discrição. O que nos leva a crer que é possível ser uma figura pública sem ter sua intimidade exposta. Como consegue manter essa discrição e como enxerga as superexposições hoje em dia? Uma opção de vida, dentre tantas que se apresentam. Superexposição, para mim, claro, para mim, chega a ser melancólico, triste. Mas… A vida é de cada um.

Qual seria o limite entre notícia, fofoca e invasão em relação a uma figura artística pública? O limite é o: não faça com outros aquilo que não gostaria que fizessem com você. Simples assim.

Em tempos de cliques e engajamento, para alguns, vale tudo para ganhar seguidores e viralizar. O que acha desse modelo de comportamento, ainda mais entre os jovens? Não entendo. Triste. Repito: cada um vive como quer. Mas, é chato.

Podemos dizer que dar vida a um personagem é arte, talento e técnica? Se nasce ator ou se transforma em ator? O dom da interpretação pode vir no DNA de todos. Vocação, disciplina e perseverança nem todos têm. Interpretar é observar a vida é repetir na ficção com técnica e muita técnica. Você nunca é um personagem. Você o interpreta.

Qual a sua relação com a internet de modo geral, como faz uso dos meios digitais? Algumas produções têm usado a popularidade do ator/atriz nas redes sociais. Quanto mais seguidores, mais chances de ganhar o papel. O que pensa disso? Melancólico. Uso a Internet para documentários, principalmente no YouTube. Jornais e algumas revistas ainda leio e gosto que sejam físicos. Isso vai de encontro aos livros. O LER através do papel é um prazer para mim. Popularidade é algo efêmero. Continuidade em minha profissão é outra coisa: leituras, pesquisas dentro das personagens, vivência, etc., etc.. Meu ofício é lindo.

Há atores e atrizes formados pelo teatro, outros pela televisão e alguns que surgem pela fama na internet ou em realities gerando alguns preconceitos dentro do próprio meio e, às vezes, até uma sensação de injustiça. O que poderia dizer sobre isso, qual sua visão? Sem preconceitos. Todos são bem-vindos. O mercado, como um todo, é que regulará isso. Sem vocação e talento, não resiste. Preconceito, jamais.

Em 75 anos de vida há muitas histórias para contar, incluindo os bastidores dos seus personagens, qual você escolhe para nos contar? A pergunta responde a si mesma. Tantas. Escolho a vida. O público tem suas memórias, ainda mais em sessenta anos de trabalho.

Outro dia você recebeu homenagem dos seus dois filhos na TV. Aliás, foi quando muitos dos seus milhares de fãs, conheceram a Andréa e o Rodrigo. Como é a relação deles com a sua fama? E como foi criá-los em meio a vida artísticas e seus compromissos muitas vezes longe de casa ou em horários pouco convencionais? Amor. Um enorme amor. Andréa minha amada filha e meu amado filho Rodrigo, são frutos de um lindo amor e união de fato com Lidiane. Ela foi determinante, sempre. Explicou e vivenciou com eles a atípica profissão do pai. À noite, quando voltava do trabalho, eu de tudo queria saber e os levei desde tenra idade a conhecer os bastidores de meus trabalhos. Nada foi mistério. O amor e afeto nos unem para todo o sempre.

Tem o costume de olhar para trás de tempos em tempos e fazer um balanço da vida? O que fica desses momentos? Meu relógio da vida me mostra HOJE. Os momentos do passado vêm acompanhados de “flashes” para o futuro. A vida está no agora. Passado é consulta. Futuro é o que se poderá ter, ou ser. Respeito ao próximo, nada de soberba, sem ódio dentro de si, sem rancor, com ternura, isso tudo é para sempre.

Consegue lembrar e descrever a sua sensação de primeira vez atuando? Boca seca, dúvidas, medo. Mas, não pavor. O medo do medo. Olhei e ouvi grandes atores e atrizes. Nunca acreditei em tapinhas nas costas. Muita aplicação, leituras e uma eterna observação da vida. Nunca acreditei em “glamour”. Isso é pequeno demais para as almas que têm as inúmeras personagens. Seja no drama ou na comédia.

E Antônio La Selva, hein? Não vamos deixar ele de fora dessa conversa.  Como você definiria esse personagem e mais essa dobradinha com Glória Pires?  Um déspota. Portador de uma ganância desmedida, psicotica. Contraditoriamente , preocupado com uma família que ele ajudou a desestruturar. O contraditório nele é que dá o humanismo quase impalpável dele. Grande personagem. Um prazer interpretá-lo. Glorinha é uma admirável e verdadeira atriz. Temos um tempo dramático, já vistos no cinema e teatro. Um prazer trabalhar com ela.

Tem como defender esses personagens?! Como é dar vida a um personagem que vai totalmente de encontro ao que você espera do ser humano? Nunca defendi personagens. Eu interpreto e mostro o que grandes autores e autoras escreveram e imaginaram. Não sou essas personagens. Exerço um ofício, onde a disciplina e observação de vida são fundamentais. A alma de cada personagem é que propõe reflexões a quem assiste.

Assistir você, em qualquer papel, é emocionante. Pessoalmente eu considero um privilégio viver no mesmo tempo que você e poder te assistir. Já bati palmas diante da TV em algumas cenas suas, encantada com tanta perfeição. Você sabe que é muito bom, não sabe? (risos) Que conselhos daria para quem quer ser ator ou atriz? Agradeço o carinho de suas observações. Massageia nosso ego. Mas, neste trabalho, sempre será um dia após o outro. Conselho: não se deslumbrem. Sucesso é primo-irmão do fracasso. Trabalhem.

Eu queria não perguntar sobre seu casamento (todo mundo pergunta, né?), só que em tempos de relações tão fluídas, tão frágeis, com tantas traições e deslealdade fica difícil não querer saber sobre relações duradouras onde ambos parecem estar felizes e querendo cada vez mais estarem juntos. Talvez tenham passado por altos e baixos, se questionado algumas vezes, mas pelo visto, se mantém escolhendo um ao outro. Alguma dica? Porque se eu perguntar o segredo você não vai contar justamente por ser segredo (risos). Não há segredos ou dicas. Há amor. AMOR maiúsculo. Não PARECEMOS felizes um com o outro. SOMOS felizes por estarmos juntos, querermos nos abraçar, assim ficarmos; nosso calor das peles, o passar dos anos juntos, observar nossa família como um todo e, finalmente, muito respeito. Tem-se ou não se tem. Respeito e afeto andam juntos. Não há uma receita. Demos certo. Quem não consegue uma, duas, dez vezes, poderá encontrar uma parceria na décima primeira e ser muito feliz.

Para terminar comente esse trecho de O Primo Basílio, outra grande obra da literatura que você também levou às telas como Jorge, o marido traído. “É que o amor é essencialmente perecível, e na hora em que nasce começa a morrer. Só os começos são bons. Há então um delírio, um entusiasmo, um bocadinho do céu. Mas depois! Seria, pois, necessário estar sempre a começar, para poder sempre sentir?” O começar está em não recomeçar e sim no persistir se o amor for maior que a mera e fugaz paixão. O calor da pele, o olhar sem cobranças, o amor que se manifesta pelos poros, isso não se escreve. Sente-se. E aí , perdura. Amor e carinho. Um toque de mãos que se entrelaçam, um arrepio ao encontro de um abraço. É estar vivo.

Texto @nad_escreve

Fotos @marciofariasfoto 

Beleza @daianneemartins 

Concepção @eufernandachavez  

Assessoria @martinellithais

Vídeo @euandreivo 

Locação @hortodasacacias

Assista os bastidores: