COMPORTAMENTO: NOVO “INSTINTO PATERNAL” GANHA ESPAÇO NA JUSTIÇA E RECONFIGURA FAMÍLIAS

Até bem pouco tempo quando um casal se separava os filhos ficavam com a mãe, o pai pagava a pensão e fazia visitas nos fins de semana, a cada oito ou quinze dias, daí surgir a expressão “pai de fim de semana”, pois era só nesse período que os pais tinha contato com seus filhos. As coisas foram mudando. Não só as mulheres alcançaram outras posições e foram para o mercado de trabalho, como os homens passaram a assumir a paternidade de forma mais ativa e participativa.

O que antes poderia parecer estranho, hoje é de fato mais comum, como os pais que participam do parto de seus filhos, seja na sala de cirurgia ou fazendo força junto com a mãe no parto humanizado. Levar ao pediatra, à escola, fazer compras e trocar figurinhas sobre educação com outros pais é tão comum aos homens hoje, quanto sempre foi às mulheres.

Vem caindo em desuso a expressão “instinto maternal” que, segundo alguns especialistas em psicologia e áreas afins, é dotada de preconceitos e funciona como uma forma de manter a mãe dentro de casa. Segundo Luiz Cushinir, autor de livros como “Os bastidores do Amor”, ninguém assume o papel de ninguém, pai é pai e mãe é mãe, “Cada um deve exercer  seu papel a partir de seu próprio referencial de gênero. Não é porque um pai cuida de um filho, mesmo que pequeno, que ele deve ser chamado de maternal. Ele pode fazê-lo da perspectiva de um homem, portanto como pai. Acompanhar estudos, cuidar da higiene, ensinar bons hábitos devem ser realizados dessa maneira.”

Do ponto de vista legal o artigo 1.584 do NCC (A GUARDA DOS FILHOS EM CASO DE SEPARAÇÃO) diz que a guarda do filho ficará com o cônjuge que reunir melhores condições de exercê-la. Dessa forma, não há mais a predileção pela mãe, o novo código ressalta a isonomia entre os cônjuges. Outra modalidade de guarda que vem aumentando no Brasil é a chamada Guarda Compartilhada, onde pais e mães dividem as responsabilidades, obrigações e direitos na educação do filho.

Conversamos com Ana Paula Almeida, Juíza de Direito do Estado de Pernambuco que atua na vara de Família. Para a juíza, as mudanças na organização familiar já vinham exigindo a alteração da legislação, já que a dinâmica da família há muito vem demonstrando a maior participação do homem na criação dos filhos. Por outro lado, ainda somos culturalmente condicionados a acreditar que a mãe é a pessoa mais apta a ficar com os filhos após a separação de um casal. Ainda é difícil o pai procurar a justiça para pedir a guarda, mas já há muitos casos.

No momento da decisão da guarda o que se leva em consideração é o equilíbrio emocional, a maturidade, o vínculo afetivo entre pai/mãe e filho, a sabedoria em evitar a alienação parental, que é o doloso afastamento do genitor que não tem a guarda pelo guardião da vida do menor. O melhor no caso, deve ser o interesse do filho, cuja proteção deve ser o objetivo da justiça em decisões de guarda e que envolvam crianças e adolescentes em geral. A decisão conta com o apoio também de uma equipe multiprofissional, formada por psicólogos, pedagogos e assistentes sociais que realizam estudos e pareceres sobre a dinâmica familiar e subsidiam a decisão sobre a guarda. Como ainda soa “estranho” um pai que optou por ter a guarda do filho, conversamos com alguns deles para entendermos melhor essa dinâmica familiar e como se deu a opção da guarda.

Carlos Machado, 43, administrador de empresa, tem a guarda de seus dois filhos adolescentes fruto do primeiro casamento que durou sete anos. A proposta da guarda paterna foi da própria mãe e o Carlos aceitou sem pensar. Nesses 9 anos que está com os filhos, a maior dificuldade sempre foi suprir a ausência materna, mas todos os momentos memoráveis acabam por ser maiores que as dificuldades. A primeira namorada, o ingresso na faculdade e as vitórias alcançadas ao longo do tempo fazem dessa relação algo engrandecedor para todos. O apoio da família e dos amigos só reforçam o carinho e a cumplicidade entre Carlos e seus filhos, tanto que eles recebem bem as namoradas do pai, entendendo que elas vêm pra somar à vida deles, e são os meninos os maiores incentivadores para o pai encontrar uma “boadastra” pra eles.

Como nem tudo são flores, algumas separações são mais difíceis e dolorosas e a decisão da guarda acaba parando na justiça de forma não amigável. Foi o caso de Rodrigo de Melo e Dutra, empresário de 31 anos. O relacionamento de Rodrigo durou 2 anos e 8 meses, e desde o nascimento ele sempre foi muito presente no cotidiano da filha, tanto que, quando o casal começou a se desentender e falar em separação Rodrigo já deixava claro que gostaria de ficar com a guarda da criança. Quando deu entrada na separação, Rodrigo já pediu antecipação de tutela, que foi negado a princípio e depois resolvido com um acordo verbal, entre ele e a mãe, de guarda compartilhada. Sentindo que não estava dando certo e percebendo indícios de alienação parental por parte da mãe, um ano após a separação, ele solicitou alteração de guarda. O processo não foi fácil e Rodrigo precisou se munir de documentos e provas para comprovar que a guarda unilateral era o melhor para a criança.

Com a decisão do juiz favorável a Rodrigo, os tempos são de calmaria, os medos durante o processo de guarda deram lugar a alegria de criar a filha. Como trabalha em sistema de home office Rodrigo é bastante presente e nas conversas com a filha há espaço para se falar de namoradas, o que a menina aceita bem e até pede por um irmãozinho. Os fins de semana são para viagens e muita cumplicidade.

Alexandre Cruz Souza Leão, 37 anos, coordenador de suprimentos, tem a guarda da filha há um ano, depois dela passar 3 anos com a mãe na cidade de Natal, após a separação de um casamento que durou 5 anos. Sem babá, ele conta com a ajuda da mãe no horário da tarde, pela manhã ele acorda, faz café e arruma a filha pra escola. Para Alexandre, a maior dificuldade é a ausência da mãe, uma vez que é pai de uma menina e acha importante referências femininas pra ela. A mãe, irmã e namorada acabam dando um bom reforço nesse sentido. Falando em namorada, no começou rolou um ciúme natural, mas depois uma foi conquistando a outra e Alexandre se orgulha do amor que existe entre as duas.

E para quem está buscando ter a guarda de seu filho ou filha, a Juíza Ana Paula afirma que a escolha se dá pelo homem responsável, maduro, que deseja o melhor para o filho ou filha, que conta com uma estrutura familiar (avós, tios) na retaguarda, lhe auxiliando no processo, e, principalmente, que ame o menor.

Para nos aprofundar um pouco mais sobre o assunto, a MENSCH foi conversar com a advogada Gisele Martorelli, sócia-diretora da Martorelli Advogados. Especializada em Direito de Família, Gisele já foi premiada pelo trabalho inovador desenvolvido na área, em especial em casos que envolvem separações de casal, disputa pela guarda dos filhos, pensões e temas similares. Gisele atua com o apoio permanente de um psicanalista, para ajudar na mediação dos conflitos familiares. Com uma proposta de atendimento multidisciplinar, Gisele tem trabalhado para chegar à melhor solução jurídica para os casos.

O que mudou na família para que hoje seja mais comum pais ficarem com a guarda dos filhos? Por longos anos, em nosso país, a guarda unilateral era conferida em favor das mães. Todavia, com as mudanças culturais e sociais, a família sofreu profundas mudanças de função, composição, concepção e até de expressão. A mulher deixou de assumir, exclusivamente, seu papel de mãe e o espaço doméstico não é mais seu único habitat, pois tomou para si espaços públicos de trabalho, da política e tantos mais.

Paralelamente, os homens vêm lutando para o exercício pleno de sua paternidade, inserindo nele a condição de cuidador dos filhos. Nesse movimento, surgiu o instituto da guarda compartilhada que prestigia a participação conjunta do pai e da mãe na educação e desenvolvimento dos filhos, após a separação ou mesmo quando os pais nunca viveram em comunhão. Com o advento da guarda compartilhada (Lei nº13.058/2014), a figura paterna, que antes era relegada a segundo plano, retira das mães o peso da dupla jornada.  Os genitores passaram a se co-responsabilizar pelo cuidado com os filhos.  A guarda compartilhada passou a ser uma imposição legal.
Nesse sentido, a guarda não é mais atribuída a um dos pais, e, sim, a ambos, sendo concedida a forma unilateral apenas se um deles declarar judicialmente que não a deseja, ou em situações extremadas de condutas ilícitas. Portanto, a guarda pode ser atribuída tanto ao pai ou a mãe.

Como tem sido essa conquista dos pais? Eu diria que essa mudança vem ocorrendo há algum tempo. Contribuiu pra isso as exigências do mundo moderno, com a necessidade das famílias melhor se prepararem para enfrentar as dificuldades do cotidiano, não apenas em relação à subsistência (o que já seria muito), mas também para buscar o desenvolvimento da potencialidade plena de cada um dos membros da família. Os pais se inseriram nesse processo. A sociedade mudou. Novos conceitos e valores passaram a ser estabelecidos. A parceria, a dedicação, o companheirismo e a responsabilidade compartilhada em relação aos deveres domésticos passaram a ser atributos valorizados nas relações afetivas. O exercício da paternidade responsável, com dedicação, passou a ser um valor muito cultivado. O homem moderno assimilou esse novo momento. Ainda há muito a ser conquistado. Mas, sem dúvida, as relações afetivas mudaram de padrão, o que foi muito positivo.

Que dicas daria e que cuidados os homens devem ter ao dar início ao processo de guarda? A primeira “dica” que daria, não somente aos pais, mas ao casal ou ex-casal, é que se busque estabelecer um canal de diálogo construtivo em favor dos filhos. Mesmo não sendo possível a manutenção de uma amizade entre ambos, situação que se verifica com frequência, é necessário uma relação minimamente respeitosa. A guarda compartilhada exige diálogo para decisões importantes a serem tomadas no cotidiano de filhos, tais como a vida escolar, definição de período de férias, viagens e convivência com as famílias de cada um dos pais.

Um ponto fundamental é que os pais não se alienem quanto à vida de seus filhos. O contato com a escola, o acompanhamento do desenvolvimento da aprendizagem, o conhecimento dos amigos do filho, a busca de momentos lúdicos juntos, especialmente atividades recreativas. São movimentos imprescindíveis para fortalecer os afetos e estimular o desejo da convivência de parte a parte. Como dizia o poeta espanhol Antônio Machado, “é caminhando que se faz o caminho”. Dedicação, cuidado, atenção, respeito, atitude e proteção se constroem no dia a dia. Esse esforço pode ser visto como uma poupança afetiva. Os frutos serão resgatados por pais e filhos, constituindo inesgotável fonte de prazer.

O que mudou nas mulheres, ou na vida delas, para que esse tipo de situação esteve ocorrendo? As mulheres chegaram a um estágio de evolução e de conquistas que, atualmente, buscam uma maior liberdade para se dedicarem às suas atividades pessoais, de modo que participação paterna, de forma igualitária, é benéfica e permite à mulher conseguir emprego e competir no mercado de trabalho, atividades que muitas vezes foram deixadas de lado para poder se dedicar aos cuidados da família.

A alienação parental tem sido algo muito utilizado por mulheres para atingir os ex-maridos. E por conseqüência, atinge também os filhos. Tem como evitar ou atenuar isso? Antes de mais nada, é necessário deixar claro que a alienação parental não é uma ação a ser atribuída unicamente ao universo feminino, pois há inúmeros casos em que o alienante é o genitor. Mas, como historicamente a figura paterna era considerada de “genitor de segunda categoria ou genitor visitante”, o pai ficou mais exposto à alienação parental. Trata-se de implantação de falsas memórias, “que é quando a criança ou adolescente passa a acreditar numa verdade que não viveu. Um exemplo disso é a falsa acusação de abuso sexual, que infelizmente é muito comum em processos de separação litigiosa”. Essa prática, além de atingir o genitor desmoralizado, atinge os filhos que sofrem os efeitos maléficos da alienação.

Uma forma de atenuar ou evitar a pratica de alienação é através da guarda compartilhada.  O convívio igualitário entre pai e mãe minimiza a primeira disputa que aparece no divórcio: a guarda pelos filhos. O compartilhamento da guarda desestimula os genitores a eternizar o litígio, e, consequentemente, atenua as ações tendentes à alienação. A outra forma coibir a alienação, é a aplicação da Lei 12.318/2010, que permite a adoção de uma série de medidas judiciais contra o alienador, tendo como destaque: alteração da guarda compartilhada ou sua inversão e suspensão da autoridade parental do alienante. Ambos são ferramentas para o combate aos atos de alienação praticados.

Perante a justiça, esse tipo de atitude das mulheres tem impulsionado a preferência da guarda dos filhos? A prática de alienação parental, por qualquer dos genitores, pode ensejar a inversão da guarda ou a sua concessão de forma unilateral. A mudança de domicilio imotivada, por exemplo, por decisão de um dos genitores, com intenção de prejudicar a convivência com o outro genitor e o filho, pode ser motivo de inversão da guarda.

Algum caso curioso que você tenha enfrentado onde o pai tenha conseguido a guarda do filho? Participei de histórias belíssimas. Pais que lutaram bravamente pela guarda de seus filhos, alguns em situações de risco muito claras, em companhia das mães. Casos de violação física, abuso sexual e exposição a danos morais irreversíveis, que foram debeladas graças à tenacidade de pais que não desistiram de seus filhos e por eles foram à luta.

Casos outros em que os pais foram vítimas de alienação parental, sendo, como dito antes, injustamente acusados de abusos que ao final de um processo judicial tiveram reconhecida sua inocência e restituída a convivência com seus filhos. Histórias de pais que assumiram a paternidade como missão, especialmente nos casos de omissão materna, mais frequente do que se possa imaginar, e que criaram seus filhos de forma muita sadia. Infelizmente, são casos que estão sob o manto do segredo de Justiça, que não podem ser publicados. Mas lidamos com emoções muito fortes, e, apesar de todas as dificuldades, saímos dessas situações cada vez mais enriquecidos como pessoas.

Percebe-se uma mudança positiva do perfil do homem hoje em dia em relação aos filhos de maior proximidade. Como você avalia isso? O que mudou para isso ser mais comum hoje em dia? Para a psicanálise, pai e mãe estão aptos a desempenhar a função paterna e materna. A nova geração de pais tem se mostrado hábil nesse desempenho paterno, exercendo com louvor as atividades do cotidiano dos filhos, atividades essas antes apenas praticadas pelas mães. Seguramente, os homens estão assumindo com dedicação e eficiência novas responsabilidades em relação aos filhos, contribuindo assim de forma decisiva para a constituição de uma sociedade mais equilibrada no futuro, formada por seres humanos mais afetivos, tolerantes, seguros e bem resolvidos emocionalmente.