Quando a gente é criança, as mães agem como uma espécie de caminhão de lixo que não tem horário de trabalho, nos seguindo por todo lado, recolhendo as nossas porcarias infantis, arrumando nossa bagunça e ainda distribuindo amor materno a cada parada (ou tabefes, no meu caso). Quando a adolescência chega, as genitoras, já exaustas de tanto descer o cacete em um marmanjo mais alto do que elas, apelam para outra tática: o olhar magoado. Essa arma faz o mais perverso dos filhos sentir uma pontada no peito, transformando estagiários de Satanás em meninos dóceis e moralmente derrotados. Não forrou a cama imediatamente? O olhar. Comeu e não lavou os pratos? O maldito olhar novamente. Promoveu uma festa regada a Rum Montilla e Batatuxa, com a presença da vizinha de fama mais suspeita do bairro, vomitou na papoula favorita da sua mãe, entupiu a privada com camisinhas usadas e ainda foi descoberto na manhã seguinte enrolado no tapete de entrada do apartamento do síndico militar? Pois é. Mas chega de falar de mim. O que quero dizer é que conheço homens que, depois de um olhar particularmente sentido de suas mães, largaram tudo e viraram monges em alguma montanha esquecida, fazendo votos eternos de limpeza constante e imediata.
Quando o macho cresce um pouco mais e decide morar só, a coisa muda de figura. Sem a vigilância materna, a tendência é que a casa vire uma filial do lixão mais próximo. Vejam bem, não é falta de higiene pessoal. Eu mesmo tomo banho todo dia. Mais ou menos. No verão. Enfim, fica difícil interromper o campeonato de Fifa 2013 (versão vazada, Messi na capa) por ninharias como colocar o lixo para fora. E daí que a disputa já se arrasta há três semanas? A Guerra Fria durou muito mais e todos temos prioridades diferentes. Na verdade, é tudo uma questão de otimizar a limpeza, transformando seu cotidiano em pequenos atos de faxina. Escovar os dentes e cuspir na pia? Para quê? Emporcalha a louça e toda aquela saudável mistura de sabão azulado e baba se perde. Em vez disso, use a privada e dê uma levíssima descarga, apenas para espalhar a sopa e dar aquela aparência de asseio. Também não é preciso lavar o box, basta manter uma boa vassoura de piaçava dentro dele e jogar para o ralo o excesso de sujeira que, provavelmente, já virou uma pasta marrom composta de cabelo, pele morta, insetos variados e o bom e velho grude corporal. É interessante não permitir que a lama alcance o meio das canelas, mas caso isso aconteça, também não é preciso entrar em pânico. Que homem, afinal de contas, se lava dos joelhos para baixo?
Já nem lembro mais a cor do meu assoalho, apenas tenho o extremo cuidado de não deixar cair nada nele. Absolutamente nada. Qualquer coisa que entre em contato com o piso do meu apartamento sem um EPI pode, automática e imediatamente, ser considerada morta/decomposta/grávida/amaldiçoada pelo cão. Tudo ao mesmo tempo. Dentro de casa, circulo de botas e vou dormir do mesmo jeito, com medo de, sonolento, colocar os pés no chão de manhã e ter que recorrer a uma amputação de emergência. Às vezes me pergunto o que vou fazer quando os vizinhos descobrirem que o mau-cheiro da rua não se origina da fossa aberta na esquina.
Sei que já tive um gato de estimação, mas o bicho sumiu faz uns três meses e, francamente, não tenho coragem de tirar o sofá do lugar para procurar. Há coisas ali que nenhum ser humano deveria ver. No lugar do felino, agora crio lagartixas. Três delas, cada uma com o nome de uma ex. São simpáticas, independentes e caçam as baratas que teimam em passear pela minha louça. As lagartixas, não as ex. Essas não aparecem por aqui. Não sei bem o porquê, mas algumas delas resmungaram algo sobre “desilusão”, “insalubridade” e coisas semelhantes. Aliás, a única presença feminina no meu apartamento é a da minha mãe, a cada seis meses. Semana que vem é dia de visita da velhinha, que passa metade do ano praticando o olhar da decepção. Hora de virar um homem de verdade, assumir minhas responsabilidades, colocar a mão na massa e dar um jeito nessa birosca que virou a minha casa.
Amanhã mesmo eu entro em contato com uma faxineira.
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