Rishikesh, cidade localizada no Norte da Índia, portão de entrada para os Himalaias, é considerada uma cidade sagrada pelos Hindus e ao pé-da-letra significa “senhor dos sentidos”, em alusão ao Senhor Vishnu, um dos deuses locais. Mundialmente conhecida como a capital da Yoga e apesar de muito pequena, é ponto de destino não só de peregrinos indianos de todo o país, mas também de uma infinidade de europeus que costumam ir à cidade para fazer retiros espirituais, muitas vezes prolongados. Sagrado também é o famoso Rio Ganges, carinhosamente chamado pelos hindus de Ganga e visto como um Deus muito respeitado, considerado “A Mãe”, pois, na Índia, ele exalta a energia sagrada feminina. O Ganga corta a cidade logo após sair de sua nascente, com inúmeros templos às suas margens na cidade de Rishikesh e oferece um lindo visual com suas águas verdes cristalinas, bem diferentes de seu leito poluído próximo às terras mais ocidentais, como em Varansi, a cidade dos mortos.
Bom, a Índia por si só já é uma experiência e chegar em Nova Delhi, sair direto do aeroporto de carro para Rishikesh, num percurso de quatro horas foi no mínimo, um choque de realidade. Éramos um grupo de cinco, divididos em dois carros pequenos, sem ar condicionado, mas ao menos com motoristas. Isso porque além dos carros circularem à moda inglesa, com o motorista à direita, um ocidental turista como a gente dirigindo por lá seria suicídio na certa. No nosso trajeto não existia faixa, mão, contra-mão, calçadas. Somente as buzinas para guiar os motoristas e avisar “eu to passando”. Sem exageros, não passei mais que cinco segundos sem ouvir uma buzina! As vacas, consideradas sagradas, parecem que sabem que são senhoras do pedaço e atravessam e andam na pista tranquilamente quando bem entendem. Os motoqueiros, muitas vezes com uma criança na frente, outra atrás e a mulher por último, sentada de lado vestida no seu sári, andam por todos os lados e atravessam onde querem. Para completar o circo no tráfego, os Rickshaws, aqueles minicarrinhos típicos que têm um motorista que dirige com um guidom e carrega duas pessoas sentadas atrás, também circulam e buzinam à torta e à direita. Agora o mais impressionante é que no meio desse caos todo, não vi um acidente sequer e nenhuma discussão ou chingamento! Os indianos metem a mão na buzina, o trânsito estanca e todos permanecem com a cara mais plácida do mundo, sem nenhuma exaltação. Realmente meu limiar de paciência no trânsito brasileiro mudou muito depois dessa referência indiana. (risos)
Por fim, depois de muita emoção, adrenalina e de ver a morte umas três vezes na minha frente na estrada – brincadeira, (risos) – chegamos na pacata e realmente energizada Rishikesh. Todos, todos sem exceção com uma serenidade e um sorriso largo no rosto. A cidade é dividida pelo lindo Rio Ganges e unida por uma ponte muito comprida e estreita, com suspensões de aço. Às vezes é um verdadeiro tumulto atravessar. Logo de cara tive que me encostar na sua lateral pra deixar uma vaca marrom enorme passar. É, as vacas na Índia também atravessam pontes por vontade própria e algumas vezes se estiram no meio delas e ninguém tange, a gente tem que passar por cima! Reinavam na ponte também os diversos macacos que moram em Rishikesh. Morri de rir, ficam todos em pontos estratégicos nas pontes olhando pras sacolas das pessoas, prontos pra dar o bote. Vi uma indiana danada da vida porque estava voltando com compras de frutas nas mãos e três deles deram um bote certeiro e roubaram tudo. Foi gritaria geral!
Já no segundo dia na cidade, conheci o Ashish, de casta social Brâmane, que trabalha com pedras preciosas indianas numa tradicional joalheria da família, passada de geração a geração. Ele nos levou pra conhecer sua simpática família. Sua esposa, Shima, preparou um verdadeiro banquete indiano para nos receber, mas antes, sempre o tradicional tchai (chá com leite) para dar as boas vindas. A comida foi uma fartura, vegetariana como de costume, mas como ela já recebeu outros ocidentais, disse ter maneirado no tempero e na pimenta, apenas pra gente. Na tradicional família indiana Brâmane, as mulheres não trabalham, ficam em casa cuidando dos filhos e cozinhando. Os homens nunca participam da cozinha, a mulher geralmente se muda pra casa do marido e vive com o sogro e a sogra, com a qualidade une e ajudam-se mutuamente nos afazeres e os bebês (eles tinha um) têm seus olhos pintados com cajal preto para trazer proteção e aumentar de tamanho. Na cultura, quanto maior os olhos, maior o padrão de beleza.
Depois o Ashish me levou para acompanhá-lo em um de seus hobbies: passear de moto pelas florestas às margens do Ganges e ir parando nos templos espalhados pela mata. O Ashish, assim como a grande maioria dos indianos, é muito religioso e no outro dia me levou a um templo hindu para participar de um Puja, o tradicional culto e veneração aos deuses hindus, que nesse dia, foi para o deus Shiva, o deus da inteligência, do discernimento e o que destrói tudo que não está bom. Shiva é pai de Ganesh, aquele Deus que tem rosto de elefante e é muito querido pelos indianos. Traz abundância e remove obstáculos. O “padre” reza o tempo inteiro em vedan, a língua dos ancestrais Vedas que existiram por lá há dois mil anos antes de Cristo. E varias oferendas são feitas com água, mel, leite, coalhada, manteiga, produtos da natureza para agradecer à fertilidade e à abundância materna representada ali também pelas vacas. No final, o padre pinta o tradicional terceiro olho indiano na nossa testa, entre as sobrancelhas, chamando pela nossa intuição e bom discernimento, além de proteção.
No pôr-do-Sol, fomos à beira do rio Ganges para participar de um puja maior, diariamente oferecido ao Ganga e também ao deus Shiva. Essa era uma cerimônia grande, com cantos hindus, muitas pessoas, oferendas com fogo sagrado e às margens do lindo visual do rio e da cidade do outro lado. Todos os peregrinos indianos vão a Rishikesh para tomar banho e se purificar nas águas do Ganges. Essa tradição persiste há milênios.
Essa foi a primeira vez que estive num país politeísta, que acredita em vários deuses ao mesmo tempo. A devoção, fé e respeito mútuo presente entre os indianos é bem tocante. Uma lição de vida também perceber um povo que não acredita em um único Deus, mas que TUDO é Deus. A tolerância, o respeito e o sorriso mútuo no rosto deles, provavelmente tem base nesse ponto de vista.
Enfim, saí de Rishikesh com uma sensação de bem estar e tranqüilidade muito grande. Entendi a disputada busca dos europeus por esse lugar e levei comigo um mantra que aprendi e que me acompanha até hoje. É mais ou menos assim: “Isso é perfeito, aquilo é perfeito. Do perfeito surge o perfeito. Pegue o perfeito, retire o perfeito e ainda assim o que sobrar será perfeito.” Namastê!!