Texto / Fotos Bruno Dubeux
Depois de partir de Rishikesh, próximo à nascente do Rio Ganges, com suas águas límpidas e cristalinas, chegamos em Varanasi, vulgarmente conhecida como a cidade dos mortos. Nela, o Rio Ganges parece outro, turvo, marrom, poluído, mas não menos sagrado para os Indianos, que trazem os corpos de seus familiares de toda parte da Índia, para que sejam cremados às suas margens e depositados no rio.
A chegada em Varanasi foi mais uma aventura, à noite. Após horas no carro, trânsito caótico, mais vacas, poeira, calor, vidros fechados, sem ar condicionado, chegamos, sob neblina, até o ponto em que na pista não era mais permitida a entrada de carros, apenas de pedestres e rickshaws (foto). Já dava pra sentir uma energia diferente no ar da cidade, mais densa, carregada e sóbria. O perrengue piorou, pois tínhamos que desse ponto em diante, seguir a pé, carregando todas as malas e equipamentos, até o hotel. Surgiram (como sempre) vários indianos para ajudar e aceitamos, era a única opção. E seguimos a pé no meio de um carnaval de buzinas, vacas, multidão de pedestres e rickshaws, até entrar pelas ruelas e labirintos da cidade, sem saber se estávamos realmente sendo guiados pro caminho certo. Mas, por fim… chegamos no hotel.
No dia seguinte, acordamos ainda no escuro, pra pegar o barco às cinco horas da manhã e fazer o tradicional percurso pelo Rio Ganges, passando em frente ao centro da cidade e pelos sete quilômetros de margem do rio cheios de escadarias e crematórios. Paralelo à bela imagem do nascer do Sol visto do rio, pudemos observar os inúmeros indianos mergulhando de cabeça no Ganges, tomando banho e a fazendo os rituais sagrados. Vi vários raspando a cabeça antes de entrar nas águas, e achei tudo muito forte, principalmente as imagens das mulheres tendo seus longos cabelos negros, raspados. Descobri que é comum o filho raspar a cabeça quando o pai falece, ou a mulher, quando fica viúva. Mas de uma forma geral significa purificação e oferecimento do cabelo aos deuses. As crianças também participam. Os indianos ficam orgulhosos em mostrar sua devoção aos deuses e de se purificarem dos pecados. A fé deles é tão forte que nem a alta poluição desse trecho do rio que corta a cidade (com índices de 150 milhões de coliformes fecais por 100 ml de água, quando numa água segura pro banho, esse número não deve passar de 500) impede os hindus de mergulharem com total entrega e resignação.
As imagens fortes não pararam por aí. Mais tarde visitamos, a uma certa distância permitida, alguns crematórios. Corpos de toda parte do país são levados pelos familiares para Varanasi pra que sejam cremados e jogados no Ganges, já que é considerado um elo espiritual e de salvação das almas. Não vi um choro sequer, os hindus têm uma outra relação com a morte diferente de nós, ocidentais. Um fato que me chamou à atenção foi que na cremação, quanto melhor a madeira usada (no caso a âmbar) mais cara é. Demora mais a queimar e exala odor de âmbar. Isso significa que os hindus de castas mais baixas não têm condições financeiras e pagam a madeira que podem. Então nem sempre os corpos são totalmente transformados em cinzas mas, independente disso, os resquícios são todos jogados no rio. Vi vários pedaços humanos boiando nas águas…
Entretanto, colorido, louvores e outros tipos de beleza também existem em Varanasi. A cada pôr-do-Sol, um lindo puja (adoração) acontece às margens do Ganges no centro da cidade, com muitas flores, cantos, fogo sagrado, incensos e vários, digamos, sacerdotes hindus. É um lindo ritual, barcos chegam de todos os lados da cidade e todos cantam com muito fervor.
Enfim, nessa cidade não tive dúvidas de que a Índia é mesmo uma experiência de aprendizado que nos permite entrar em contato com a relatividade das referências de tudo o que aprendemos e acreditamos para, a partir de então, consolidar e/ou adequar aquilo que somos.
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