Lucio Fernandes, ator carioca radicado há oito anos na cidade de Curitiba, atualmente vive seu melhor momento. No ar como Natan, amigo e conselheiro do Rei Davi, na série “Reis” (TV Record), Lucio tem dividido seu tempo entre o Rio de Janeiro e Curitiba, onde, ao lado da mulher, administra uma grife de chocolates premium. O retorno à TV, depois de um hiato de oito anos, se deu aos poucos. Primeiro, recebeu um convite para participar da novela global “Vai na Fé”, como o juiz Giulianni, e, logo em seguida, foi escalado para a oitava temporada de “Reis” onde vive um profeta. Casado com Madelon, uma chef chocolatier curitibana, com quem criou, em 2017, a Poëzie, uma grife de chocolates premium, Lucio hoje também é responsável pelo desenvolvimento das artes gráficas e pela área comercial da marca. O esforço do casal foi tão grande que decidiram ampliar as ações da empresa e criaram, em 2019, o Atelier Madelon Xavier que, hoje, também atende uma demanda por doces diferenciados em grandes eventos sociais e corporativos.
Você vem de uma trajetória grande na TV, passando por várias produções da Globo, Record, Fox… O que te motiva a dizer sim para um trabalho e/ou personagem? Tesão! O prazer do fazer artístico talvez ultrapasse o entendimento de profissionais de outras áreas. Trabalhar com arte no Brasil, um país hostil com a própria cultura, não é fácil. Falo do prazer da criação, da dor que é passar pela incerteza na composição de um personagem até o gozo, quando começamos a navegar em terrenos mais agradáveis. Não gosto da glamourização do trabalho do ator. É apenas mais um trabalho, mas é o lugar em que vejo colegas fazendo planos para trabalharem até o limite de suas capacidades físicas e mentais, e não torcendo para a aposentadoria chegar logo. É desse tesão que estou falando!
Atualmente você está no ar em Reis, como o profeta Natan. Nesse caso específico, qual foi a sua motivação? Quais foram os principais desafios? Encaro toda possibilidade de um novo projeto como motivadora. Já passei por duas novelas na emissora: “Luz do Sol”, fazendo o personagem Paulo, e “Poder Paralelo”, interpretando o Wagner. Sempre fui muito bem recebido por aqui e estou feliz com este retorno, fazendo o profeta Natan. Nesse caso, o maior desafio foi me adaptar com a linguagem de uma obra bíblica, que retrata um outro momento, cultura e costumes muito distantes do nosso.
“Vai na Fé” foi um grande sucesso. Como foi fazer parte desse fenômeno, mesmo que tenha sido através de uma participação? Você fez alguma preparação para viver o juiz Giulianni? Foi breve, mas é sempre bom fazer parte de uma boa obra, ainda mais a explosão que foi “Vai na Fé”. É muito mais acolhedor quando iniciamos uma obra com o todo. Contexto, apresentação, reuniões de núcleo com direção, preparação de elenco e produção. Tudo isso nos pega pelas mãos e nos direciona para contarmos aquela história. Eu vejo a participação como uma grande engrenagem, onde tudo está funcionando perfeitamente bem, lubrificado, e precisamos nos jogar nessa engrenagem sem que ninguém perceba o tranco, sem emperrar, da maneira mais fluida possível. Isso já é, por si só, um grande desafio. Eu já havia feito um juiz em Malhação – Toda Forma de Amar, quando me chamaram para substituir o personagem do Milton Gonçalves, que precisou se afastar para cuidar da saúde. Essa sim, foi uma grande responsabilidade. (risos) Também já fiz muitos personagens ligados ao mundo policial, então já tinha pesquisado e trabalhado muito nessa atmosfera.
Depois de um pequeno hiato na carreira, você voltou em dois trabalhos seguidos. Como foi esse processo de “Vai na Fé” até “Reis”? Foi coincidentemente cronometrado. A Patrícia Rache, produtora de elenco, me convidou pra fazer o Juiz Giulianni exatamente no mesmo dia em que o Fábio Rios me ligou para avisar que a Record estava me sondando para fazer o Natan. Quando o convite para a série chegou, eu já havia terminado o trabalho na Globo.
As séries e novelas bíblicas têm sido um fenômeno entre o público que as assiste. Como você vê esse segmento dentro de uma narrativa tão específica? Fez parte do desafio para você compor seu personagem? Acho necessário porque existe um público enorme para este tipo de produto e, ao mesmo tempo, faz a engrenagem audiovisual girar. Temos um material humano riquíssimo e ávido por novos projetos. O crescimento do streaming também chega para escoar um pouco essa demanda reprimida e que, por muito tempo, viveu refém de produções pontuais. Falo dos artistas e de toda a parte de técnica que faz o show acontecer. Todos ganham. É triste ver um cinema ou um teatro fechado. Quantos profissionais estão deixando de ganhar? O pessoal da limpeza, bilheteria, bar, segurança, pipoqueiro, enfim, quando isso acontece, temos toda uma cadeia quebrada e um nicho com a economia emperrada.
Além da profissão de ator, você também é empresário no ramo da gastronomia junto com sua mulher, uma chocolatier. Como surgiu a ideia de fundar as duas empresas que vocês administram hoje? Surgiu quando decidimos juntar as nossas habilidades. Em 2017, criamos a Poëzie, uma grife de chocolate premium, personalizada com mensagens e artes. Começamos com embalagens diferenciadas, com laços simbolizando presentes e sustentável, com tags de papel semente para serem plantadas. Em 2019, entendemos a demanda por doces gourmets em grandes eventos, sociais e corporativos e abrimos o Atelier Madelon Xavier, em Curitiba. Em 2023, estamos ampliando a operação com uma base no Rio de Janeiro e já atendemos eventos Brasil afora.
Você é carioca, mas radicado em Curitiba há oito anos, onde administra os negócios da família. Qual a sua relação com a capital paranaense? Sente falta do Rio quando está lá? Curitiba me deu uma família maravilhosa. Tenho mulher e filha curitibanas, empresa, além de um time de profissionais que me enche de orgulho. Tocamos o nosso negócio familiar e a nossa missão é que todos trabalhem bem, com profissionalismo, respeito e amor. Não é clichê, mas formamos uma grande equipe e batemos na tecla do amor. Queremos que os nossos colaboradores saiam de suas casas e tenham prazer em vir trabalhar com a gente. O Rio de Janeiro é o meu lugar, não tem jeito! Há 8 anos em Curitiba, sempre que me refiro a “voltar pra casa”, em qualquer viagem, falo do Rio primeiro, mas sou logo corrigido na sequência. (risos) Quando saí do Rio, botei uma lente de aumento em todas as nossas mazelas. Acredito que tenha sido um processo de autoconvencimento: muito perigoso, muito quente, muito caro, muito cheio… Até ir embora e morrer de saudade, me emocionando com qualquer cartão postal da paradoxal cidade, caótica e maravilhosa que é o Rio.
Você é pai da pequena Madelon Flor. Como é ser pai de uma menina em uma sociedade tão machista e patriarcal? Viver em uma sociedade desigual, já é triste. Ser pai nesse lugar é assustador porque, além da meta hercúlea de tentar formar uma boa pessoa, com ideias e valores que nos identificamos, precisamos protegê-los dessas heranças malditas. Não consigo pensar no lugar de “pai de menina”, somente. Penso como pai. Penso em todos os filhos que vão precisar sobreviver em um lugar machista, racista, homofóbico, classista e segregador.
Quais são seus futuros projetos como artista e empresário? Estou contratado e empenhado na série, mas sigo me exercitando com a câmera, para continuar disponível aos próximos projetos. Esta semana comecei a fazer testes para o streaming, para produções que iniciarão depois de Réis. Como empresário, estamos abrindo um braço da empresa no Rio para atendimento e produção local.
O que diria para os jovens atores e atrizes que estão começando em um mercado tão competitivo, onde, muitas vezes, o número de seguidores vale mais do que o talento? O que vai fazer vocês trabalharem como atores e atrizes será a maneira como vocês vão encarar a profissão. Estudem, unam forças e se produzam. Encarem o exercício diário como trabalho. Estejam em preparação para quando uma oportunidade chegar. Não esperem convites, conquistem os convites e divirtam-se!
Fotos Marcio Farias