ENTREVISTA: Sílvio Meira, o homem do futuro

“Eu vivo o tempo todo olhando o futuro, esse é meu universo… Tenho presente e futuro, isso é o relevante.” (Silvio Meira, 2013)  

É com estas palavras que Silvio Romero de Lemos Meira inicia nosso encontro. A equipe MENSCH foi recebida com um largo sorriso e energia radiante. Por 2 horas ele no melhor estilo Silvio Meira de apresentar ideias, nos conduziu na reflexão sobre o futuro e toda a cadeia envolvida neste processo, da criação a distribuição, em todas as áreas do conhecimento humano. Sua história confunde-se com a da própria história de sucesso da internet, em especial no Brasil. Revolucionário do saber encanta com suas desconstruções e novos desenhos sobre construção do conhecimento. Sua expertise de mais de 30 anos de conexão, lhe confere um status de respeitabilidade no campo da tecnologia e inovação pelo mundo.

De forma simples se apresenta como Professor titular de engenharia de software do Centro de Informática – CIN na UFPE, Doutor em Ciência da Computação, Animador de auditório e Cientista chefe do C.E.S.A.R, Presidente do conselho do Porto Digital e Co-fundador da IKEWAI (palavra de origem havaiana que significa conhecimento), recentemente Fellow do Berkman Center for Internet and Society da Universidade de Harvard; um provocador por natureza que vive intensamente seu universo e está sempre aberto a ouvir e apoiar projetos do bem. De forma diferenciada apresentaremos o homem por trás do mito, suas histórias, seu estilo, seus sonhos, sua relação com Recife, com o carnaval, com a tecnologia e muito mais.

O menino de Taperoá, na Paraíba, nasceu em 02 fevereiro de 1955 e se orgulha do fato de ter nascido no mês do carnaval, de tal forma que fez questão de ressaltar que teve um ano que comemorou seu aniversário em pleno desfile do galo da Madrugada (maior bloco de carnaval de rua do mundo, segundo Guinness book) junto a uma multidão de mais de 1.500,000 de pessoas. Na ocasião, o bloco saiu na data exata, no início do facebook no Brasil, onde postou o convite.  Sua relação com o carnaval é tão intensa quanto com a tecnologia, ambas alimentam e energizam seu espírito criativo “Me envolvi com o Recife através do carnaval, eu vejo o carnaval o tempo todo aqui, nas ruas, vejo maracatus, eu vejo todo dia o carnaval, i have a visions”, diz.

Inquieto e múltiplo, conta que lê textos científicos ao ritmo de dez por semana, só para saber o que está acontecendo na maioria das coisas em que atua. Em outubro lançou seu mais novo livro, tendo como tema Inovação e Empreendedorismo, fruto do período de pesquisas em Harvard. O lançamento contou com uma programação intensa de eventos em diversos pontos no Brasil, a MENSCH, claro, esteve lá. É por este ponto que começaremos a nossa viagem ao universo de Silvio Meira.

Como foi o processo de seleção e produção dos conteúdos do livro? Escrever um livro é um processo árduo e complicado, o livro deve ter utilidade e relevância para a vida das pessoas. O livro é processo de download, neste processo passei o último ano concentrado trabalhando 10h por dia, durante 100 dias blocados. Talvez a etapa mais difícil que enfrentei foi me deparar com situações de adaptações de conteúdos, ora cortando algumas coisas, ora tendo que inserir outras, visando sempre dar uma forma didática ao conteúdo. Mas, valeu a pena o livro foi feito com muito carinho e ficou muito bacana.

É correto afirmar que uma das questões mais difíceis para o empreendedor, é encontrar qual o seu modelo de negócio? A maioria das pessoas que está empreendendo não sabe o que é um modelo de negócio, esse é o problema. Modelo de negócio é um conjunto de respostas, a um conjunto de perguntas simples, porém, extremamente difíceis de serem respondidas e é composto de: quem paga o que, para quem, quanto, como, onde e quando; Para quem, fazer o que, para outro alguém, como, onde e quando. Essa reflexão forma a essência dos empreendimentos e deve centrar os modelos de negócios. É preciso ter respostas para tudo isso, mesmo que no futuro seja necessário adequar às informações, esta sistematização que deve ser dinâmica e flexível. Porém, precisa ser exercitada e explicitada desde o começo da formação dos times que farão parte do projeto e esses times por sua vez devem possuir sempre interdisciplinaridade entre áreas do conhecimento para que as respostas possam ser as mais próximas possíveis do mercado. Este conjunto de elementos é tão importante que reservei um capítulo inteiro do livro só para tratar desta questão.

Para entendermos um pouco mais sobre a história de formação de Silvio Meira, qual o seu sonho de criança? Qual o “day one” do menino Silvio para este universo paralelo da tecnologia? Quando criança já sonhava em ser engenheiro. Lembro que minha avó dizia a todo mundo que seu “filho”, como ela me chamava, seria engenheiro, isso em 1958. Meu dia “1” de paixão com a tecnologia foi quando vi o Brasil ser campeão do mundo de futebol no México, ao vivo pela TV em 1970. Deste dia em diante tive a certeza que tinha que projetar uma estação de televisão. Quando aprendi todos os segredos, descobri programação de software, mudei minha vida para sempre. O universo em que fui criado me permitia esta certeza, venho de uma família de aprendizes, todos de alguma forma são ligados às pesquisas.

Fale sobre sua relação com Recife, por que escolheu a cidade para amar e aportar? Minha relação de amor com o Recife começou em 1971, pois disseram a meu pai que filho mais velho quando vai para a Universidade tem que ir para a melhor, na época era aqui a melhor opção. Em minha opinião, aqui ainda é o melhor lugar para um jovem de 15 a 17 anos estudar. Na ocasião, passei um ano e meio estudando na UFPE de lá fui estudar no ITA, voltei em 1977, passei mais dois anos trabalhando aqui e em seguida fui fazer doutorado na Inglaterra, só retornei definitivamente para morar em 1985. Nestas idas e vindas me aproximei do Recife através do carnaval, do Galo da Madrugada, do bairro de São José, de Olinda. Cheguei à conclusão que há magnificação da saudade pela via da distância, no período que morei fora, confesso que ao ouvir Vassourinhas chorava, e ainda choro ao ouvir, então, o cara que chora quando ouve vassourinhas não pode morar em nenhum outro lugar do mundo.

E como é sua relação com o maracatu e o carnaval? Conheci o maracatu em 1992, foi quando minha relação com o carnaval mudou e eu comecei a interpretar de forma diferenciada a vivência no evento, hoje isso é fundamental para reorganizar meu corpo e espírito.

Quem são as pessoas importantes em sua vida pessoal e profissional? Todas as pessoas que tem como profissão aprender, como exercício aprender. São todos com quem convivo e me relaciono todos os dias, da minha família ao papa, das pessoas que fazem projetos junto comigo ao pipoqueiro da praça, todos são importantes e igualmente sábios.

Qual o estilo de Silvio Meira? Meu estilo preferencialmente são peças confortáveis, funcionais e utilitárias: camisetas, jeans e sandálias são meus preferidos. Porém, não dispenso uma bermuda e adoro o modelo de calça-bermuda, é tão difícil de achar, é perfeita para as convenções sociais dos prédios de Recife que não permitem uso de bermuda em elevadores por exemplo. Tenho uma coleção de chapéus de palha e chapéus argentinos, feitos nos pampas. Curto andar de paletó, principalmente se estiver em Lisboa, cidade que também tenho profunda admiração. Adoro nas noites de primavera e outono andar de paletó, gravata e sapato pelas ruas de Lisboa, a temperatura e a umidade de lá nestas épocas são perfeitas e maravilhosas. Tenho até smoking inglês completo em meu guarda-roupa. Não tenho problemas em cumprir regras e convenções sociais de moda, me adapto muito bem.

Quais suas marcas preferidas de tecnologia, moda e bugigangas? Não possuo marcas preferidas de nada, escolho meus objetos de consumo pelas características da durabilidade, adoro o aconchego de uma boa roupa surrada. Gosto de coisas velhas, personificadas ao meu corpo e estilo de vida, desde que sejam também reutilizáveis e redimensionáveis.

Comidas e bebidas preferidas? As do sertão do nordeste. Pode ser: bode, carne de charque, farinha de rosca, farinha amarela, manteiga de garrafa. Bebida preferida qualquer uma que contenha álcool, desde que seja bem destilada e fermentada.

Quais os seus lugares preferidos? Meu lugar preferido é qualquer um onde as pessoas queiram conversar sobre futuro, não importa onde, no trânsito, no meio da rua, num café, literalmente qualquer lugar. Sou um homem do campo, da altitude, das montanhas, fato que me surpreende ainda mais em relação ao meu amor por Recife, pois a cidade é totalmente o inverso do que gosto.

Você prefere o campo ou a praia, a noite ou dia? Sou do dia e da noite literalmente. Confesso que queria arranjar um jeito de dormir só um dia na semana para poder viver mais intensamente. Dormir é perda de tempo, durmo 4h por noite, para mim está ótimo, menos que isso não consigo produzir.

Como cuida da saúde? Frequento academia, ando de bicicleta, procuro estar sempre fazendo exercícios funcionais nos ambientes profissionais, tento não comer muita porcaria, o problema é que comer porcaria é muito bom, e faço check-up anual.

Para Silvio Meira ser conectado é? Prestar atenção a todos os fluxos de informações ao seu redor inclusive os desconectados. Ser conectado não significa estar online, significa desenhar, dedicar uma atenção parcial e contínua as coisas que estão acontecendo ao seu redor, ser conectado é saber também desconectar-se. É dar relevância ao que de fato tem importância no aqui e agora, nas redes que se formam a todo instante a nossa volta.

Qual a importância da felicidade e do equilíbrio na vida? Devemos todos ser patologicamente positivos e essencialmente revolucionários para que de fato haja mudança? A importância da felicidade é que ela é essencial, que temos que aprender e viver equilibradamente diante de tanta tensão, que chama nossa atenção. Por exemplo, conseguir manter o equilíbrio no trânsito do Recife é um exercício de reequilíbrio em busca da felicidade. Ser feliz é um estar, exigir das pessoas a felicidade é uma coisa extremamente difícil. Ser feliz é uma demanda infinita. Em minha opinião, o que transforma o mundo é o equilíbrio, porém não é nada fácil se equilibrar.

O que é ser criativo, qual o segredo da criatividade e como isto pode beneficiar os negócios? A criatividade ajuda a equilibrar as coisas. Porém, ser criativo apenas também não basta para equilibrar as boas ideias e negócios quando aplicado em sistemas reais. É necessário conhecer muito bem seu modelo de negócio. O segredo da criatividade é nunca estar satisfeito, se não for capaz de perguntar por que não, de ter um nível de insatisfação do estado corpus, sem isso ninguém pode ser criativo.

Você acredita em acaso ou destino para traçar um futuro? Acredito completamente que o acaso existe. Não acredito no destino como determinante de um caminho, acredito em caminhos e em acasos, eu provoco os acasos. Cada pessoa desenha sonhos e projetos, o mundo vai se redesenhando ao redor de cada um, com cada um redesenhando o seu tempo o tempo todo, esta dinâmica define o que vai acontecer.

Você afirmou em entrevista recente que passamos pela “dessincronização” e “deslocalização” do tempo, da geografia e da sociedade, como acontece essa relação?  Isso não é algo novo, está acontecendo nos últimos 15 anos. O fato é que, no passado, tínhamos um sistema de transmissão de informações onde um editor, um programador que era o emissor central espalhava a informação para todo mundo ao mesmo tempo, em um espaço limitado, em um tempo limitado. As coisas aconteciam num determinado espaço-tempo, o papel de editor era filtrar o mundo, ele localizava as informações e selecionava o que queria que a sociedade visse. Esse mecanismo de comunicação para disseminação de informação naturalmente sincronizada é restrito ao espaço limitado por conta do meio que usa, os broadcasts. Talvez a mágica maior da internet seja acabar com os broadcasts, ao mesmo tempo em que promovem bilhões de broadcasts, fortalecendo esse espaço que deixa de ser geográfico, pois podemos ver conteúdos ao vivo direto da Estônia e vice-versa e se atemporaliza podemos consumir os conteúdos quando e como queremos. Na hora que você traz a internet e conecta as pessoas, você transforma todos os usuários em conectores, dai acontecem outras 2 mágicas: 1 – eu sou editor, emissor e programador, com o mesmo poder do emissor central; 2 – eu não preciso mais ter o meio específico para captação e emissão de conteúdos, pelo custo fixo e baixo da minha internet local transformo a forma de leitura de mundo e interfiro diretamente. Neste espaço a transição é comunicação para interagir, agora através dos nossos relacionamentos criamos significados em comum.

Como esses fenômenos interferem nas novas estruturas de comportamento da sociedade? Pesquisas mostram que 78% das pessoas que foram as reivindicações nas ruas na mobilização de junho foram ativadas e orientadas pelas redes, o poder do emissor programador central foi direcionado para conectividade para interação. Não estamos falando de disseminação de informações autoritárias ou com autoridade, há diferença entre os dois. Nos conectamos para interagir e colaborar. Grupos que nunca se viram se comunicaram para decidir para onde ir, como se vestir, o que reivindicar, o que iriam fazer, enfim.

Há uma mudança clara na organização da comunicação, diferente do movimento “fora Collor” alguns anos atrás onde foi dito que as ruas derrubaram Collor, sim de fato isso aconteceu, porém aconteceu autorizado pelo programador central. Neste novo cenário que se forma o emissor não fazia menor ideia do que estava acontecendo, muito menos o que iria acontecer, para saber eles tiveram que ir ao novo sistema de conectividade, acessar a rede para interagir, esta mudança é definitiva.

Quais seriam então os caminhos para formação de uma cultura de comunicação de qualidade neste novo cenário que se forma? Os problemas de qualidade continuarão, de curadoria também. Nelson Mota tinha uma tese muito interessante ele dizia, ao invés de grandes estrelas, constelação e galáxias; ao invés de grandes estrelas, estrelinhas, constelações e galáxias. Hoje as estrelinhas formam grandes galáxias, a edição central que ultra selecionava o que passava e eventualmente se corrompia de várias formas não é mais a única a cobrir os fatos, não temos mais que ter um crivo cultural determinista para nos dizer o que é bom ou ruim. Hoje eu escolho o que é bom dentre milhões de fontes de informação para escolher. Ao maximizar as ferramentas, liberou geral. Agora sou eu que terei que me educar para o que é bom, isso tornou tudo muito melhor para todo mundo.

Mensagem para o futuro de Silvio Meira? Don’t worry, be happy!

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