Sem dúvida Aline Wirley é uma supermulher! Uma heroína daquelas que adoramos admirar. Seu super poder é a voz. A potência, o timbre e as ideias que ela expressa à fizeram voar longe e conquistar cada pedacinho da sua trajetória de sucesso. Foi com sua voz que ela chegou no grupo “Rouge”, chegou aos palcos e TV. E é com sua voz que ela conquistou respeito diante do preconceito que sempre teve que enfrentar. Seja por ser negra, ser ex-empregada doméstica, seja por ser casada com um galã de TV (Igor Rickli). Desculpem aí, mas Aline é feliz, muito bem casada, muito bem resolvida e plenamente realizada com suas conquistas e a família que tem. Segura de si, Aline segue em um projeto ousado atualmente, seu primeiro disco solo autoral. Com mil e uma habilidades, Aline sempre firme sua trajetória sem medo e com garra.
Aline, vamos confessar uma coisa… difícil pensar por onde começar já que você é uma mulher tão dinâmica, com tantas vertentes e expressões. Você parece que vive na ativa sempre. Então como é estar de quarentena, nesse isolamento social? Como tem lidado com isso e o que tem ocupado seu tempo? Primeiro confesso que fico feliz com a maneira com que vocês me veem. Sou uma mulher como tantas outras, que se inventam e reinventam o tempo todo. Até porque, existe uma necessidade, já que a vida não é algo estável e como mulher preta, estamos sempre à procura de expandir e procurar espaços onde nossas vozes possam ser ouvidas. Existe uma inquietação orgânica em mim. Zona de conforto não é uma coisa que me agrada. Estou sempre querendo aprender coisas novas e ousar. Mas em alguns momentos sinto que é preciso parar, respirar, aquietar a mente e silenciar. A vida diária nos cobra muito o tempo todo, e acabamos entrando no automático. Aos poucos entendi o quanto isso é nocivo pra nossa saúde mental, emocional e física.
Durante a quarentena muitos desafios têm se apresentado. Ficar em casa por conta de uma pandemia em que ainda não sabemos o que irá acontecer, às vezes, se torna algo assustador. Mas todos nós precisamos encontrar o nosso centro diante de tudo isso para não sucumbirmos no meio do caos em que estamos vivendo. O meu centro encontro na minha família, e na fé e esperança que tenho em dias melhores. Aqui em casa estamos eu, Igor, minha mãe, minha irmã, e nosso pequeno Antônio. Então sempre tem muita coisa pra fazer. Casa pra arrumar, louça pra lavar, o Antônio para ensinar, já que nossas crianças estão sem aula, brincadeiras pra inventar. Enfim … todas as coisas que precisamos dar conta. Graças à Deus o Igor é um marido muito consciente e chega junto pra tudo. E junto com ele, minha mãe e irmã me dão suporte para que eu possa no meio de tudo isso, finalizar meu primeiro disco solo autoral, que é algo muito importante pra mim. Tenho avaliado as minhas prioridades e o que, de fato, é necessário para meu crescimento como indivíduo. Tenho priorizado muito minha família, e pensado muito em como contribuir na prática, para que o nosso mundo seja um lugar melhor para nós e para os nossos filhos.
Falando nesse disco solo… O álbum “Indômita”, que será o seu primeiro trabalho totalmente autoral. O podemos esperar? Que importância tem para você? Esse projeto é uma ousadia, algo completamente diferente de tudo que já fiz. É a superação dos meus medos e insegurança e a certeza de que sou capaz de realizar meus desejos. Esse projeto foi feito com muito cuidado, pensando em cada detalhe e sem pressa. Estou há 3 anos trabalhando nele. O “Indômita” é o reflexo da minha história, de quem me tornei. Da minha força como mulher, que foi adquirida ao longo da minha vida com minhas vitórias e derrotas. É um álbum muito poderoso, pela força feminina que ele representa.
Pois é, atriz, cantora, apresentadora, compositora… Alguma outra faceta que ainda não conhecemos ou que você ainda deseja desenvolver? Aos 38 anos, me descobri como uma caixa de surpresa. Estou sempre aberta para novos desafios. O que faz com que eu me surpreenda comigo mesma. Gosto de aprender tudo o tempo inteiro e abrir a cabeça para novas descobertas. Atualmente, entre uma tarefa e outra, minha válvula de escape em tempos de quarentena, tem sido diversos cursos online. Entre eles, o de Reiki. Estou encantada com o poder dessa medicina alternativa. Nela, usamos energia universal, que é canalizada pelas mãos para todo tipo de cura. É algo muito poderoso. Quem sabe não é algo em que eu me aprofunde? Estou aberta ao que o universo me oferecer.
O grande público conheceu você graças ao grupo Rouge. Como foi que o grupo surgiu o grupo e a Aline cantora? O grupo surgiu em 2002, no reality Popstars, exibido pelo SBT, com mais de 30 mil meninas em busca do sonho de mostrarem seu talento para o Brasil inteiro. Nessa época, eu tinha 18 anos, e já cantava desde os 15 profissionalmente. Aliás, não lembro da minha existência sem a música. Nunca tive dúvidas com relação ao que queria para minha vida. Ser parte desse grupo, com certeza foi um dos momentos mais importantes da minha vida. Eu saí do interior de São Paulo, em que trabalhava como empregada doméstica, e o “Rouge” me deu asas. Fez com que eu chegasse em lugares que eu jamais esperaria estar. Mudou minha vida completamente e, por isso, sou muito grata. O “Rouge” foi um grande aprendizado. A banda contribuiu muito para a profissional que me tornei hoje. Uma trajetória linda, que para sempre estará em meu coração.
Depois de um hiato de alguns anos, em 2017 o grupo voltou e encerrou novamente ano passado. Como foi essa “2ª temporada” da banda? Agora é uma fase que encerrou de vez? Na verdade, decidimos fazer esse encontro porque nossos fãs fizeram uma campanha linda para que comemorássemos os 15 anos do grupo. Confesso que estar novamente com nossos fãs foi algo surreal, que não consigo nem explicar. Nossa intenção era fazer somente dois shows, mas a receptividade deles foi tão especial, que decidimos estender a turnê pelo Brasil. E, no fim, decidimos juntas trabalhar no nosso quinto álbum, o “Les 5inq”, como forma de presentear nosso público que sempre nos abraçou e amou, independente das nossas escolhas individuais. Mas pode ser que aconteça novamente uma vontade de comemorar 20, 25, 40 anos. Quem sabe? Mas, no momento, não é o foco de nenhuma de nós.
Esse final também veio por conta da sua nova função como jurada do “The Four Brasil”, apresentado por Xuxa? E como foi essa experiência? Não, já sabíamos que esse encontro teria data marcada para acabar. Quanto ao “The Four Brasil”, foi uma das experiências mais incríveis na minha carreira. Essa foi a minha segunda temporada. Já estive no lugar daquelas pessoas. Por isso, me conectava com cada participante de uma maneira muito intensa por saber como é estar ali. Enquanto estava no lugar de jurada assistindo e avaliando o talento daqueles artistas, que, por muitas vezes, foram prejudicados pelo nervosismo, sofria junto com eles por ver a chance de mudar suas vidas indo embora. Lembrava da minha história, do meu passado, de estar saindo do interior de São Paulo, sem ter dinheiro para voltar para casa, para ir para uma audição. Eu me reconheço em cada um deles.
Já nos palcos musicais como “Hair”, “Tim Maia: Vale Tudo” e “Hairspray” fazem parte da sua trajetória no teatro. Como foi viver tudo isso? Uma loucura! Apesar de já ter feitos diversos shows, musical é outra vibe. Energia completamente diferente. Num show você acaba tendo um pouco mais de liberdade em ser você mesma. Um espetáculo musical exige muita disciplina. São muitas horas de ensaio e você faz parte de uma engrenagem em que envolve muitas pessoas. Conheci muita gente talentosa e ouso dizer que os espetáculos musicais no Brasil são um dos melhores do mundo. Em especial, quero lembrar que, em um desses musicais, eu conheci o Igor. Os musicais, além de ser uma oportunidade de me explorar como artista, me apresentou o grande amor da minha vida.
Atuar e cantar é tudo que você precisa? Cantar, para mim, é algo vital. Eu sou uma cantora que foi ampliando suas habilidades na arte como um todo, mas a música sempre foi que me conduziu até aqui. A arte me dá a oportunidade de expressar aquilo que é subjetivo, imperceptível, profundo. Através dela, me curo, sou feliz, me questiono e me conecto com o mundo. Sou apaixonada pela minha profissão e reconheço o quanto sou privilegiada por poder trabalhar com o que amo. Não caibo mais em uma caixinha. Tudo que envolve a arte, me faz mais viva e potente.
Com a banda, na TV e nos palcos a música está sempre presente. Digamos que ela te move? Como surgiu na sua vida? Sou muito musical. Sou o tipo de pessoa que faz tudo ouvindo música. Sou movida a trilhas sonoras desde que me conheço por gente (risos…). Mas essa paixão é herança de família. Lembro que, antigamente, a minha família se reunia no fim de semana para ouvir música no fundo do quintal, e até caixinha de fósforo virava instrumento de percussão. Acho que a minha conexão com a música e com o poder na minha voz, sempre foi algo consciente pra mim.
O que te inspira musicalmente? O que costuma ouvir? Quando ouço uma música, fico atenta a que tipo de sensação e emoção ela vai me causar. Depois presto atenção nas letras. Gosto dos textos que cada música apresenta. Pra mim é uma maneira de entender um pouco a perspectiva do mundo de cada um. Acredito que tudo seja fonte de inspiração. Alegrias, tristezas, a conexão com a natureza. Minha relação com o mundo, com o Igor, a maternidade. A inspiração vem de momentos inesperados. Eu sempre gostei de escrever, sempre foi como uma espécie de terapia, mas nunca tinha me arriscado compor até o processo do “Indômita” acontecer. Por isso, esse trabalho é tão importante para mim. Nele exponho das mais latentes às mais adormecidas emoções. Como referência musical ouço de tudo! Vou das infinitas canções infantis, que ouço diariamente com Antônio ao samba, MPB, rock, pop, funk, sertanejo, … Ouço tudo mesmo!
E o que mais te completa, cantar, atuar ou apresentar? Consegue definir?! Impossível (risos). Sinto que em mim, está tudo conectado, uma arte complementa a outra.
Seu marido parece te apoiar e incentivar em tudo? Chega a trocar ideias com ele? Como essa cumplicidade acontece? O Igor é um homem incrível. Ele me potencializa diariamente. Me apoia em tudo. Às vezes, quando eu começo a duvidar sobre meus potenciais, é ele quem me motiva a não parar e não desistir. Nossa relação é baseada no diálogo e no respeito. Amamos a companhia um do outro. Ficamos horas trocando e falando sobre os mais diversos assuntos. Nem sempre concordamos, mas aí é que está a magia. Nossas diferenças nos complementa como ser humano. Jogamos aberto. Às vezes, a sinceridade até gera um ruído, mas faz parte. Lidar com a transparência facilita muito a vida. Não estou dizendo que somos perfeitos, longe disso. Temos nossos momentos de estranhamento, mas detestamos climão. Nos conhecemos muito e quanto tem algo esquisito, percebemos só no olhar um do outro e aí é o momento em que sentamos e conversamos. Sempre foi assim. Temos o objetivo de ficarmos juntos e felizes. E essa clareza do que queremos juntos nos ajuda a superar muitos momentos difíceis.
Talvez essa afinidade e essa sinergia dos dois tenha incomodado as pessoas no início do relacionamento de vocês ao ponto de sofrer algum preconceito. Acredita nisso? Como lida e lidou com esse tipo de situação? Acredito super! Ainda sinto o preconceito. Quando começamos a namorar há 10 anos, era ainda mais evidente. Muitos viam com estranhamento uma negra com um branco. Não era aceito pela “sociedade”. É como se eu, uma mulher preta, não pudesse me relacionar com um homem branco de olhos azuis. Ouvi muitas barbaridades, que me magoaram. A gente passou e ainda passa por muita coisa. Mas esse preconceito nos fortaleceu. Nos amamos e queremos ficar juntos independente da cor da nossa pele. Talvez essa seja a nossa missão como indivíduos de provar que o amor vence qualquer batalha. Sempre!
Vivemos num momento delicado com crimes raciais acontecendo no Brasil o EUA. Como combater isso? Como cada um, independente de cor, pode aplicar o antirracismo no seu dia-a-dia? É inaceitável! Estamos exaustos de lutar e lutar e, ainda assim, vivermos em uma sociedade em que morre um jovem negro a cada 23 minutos no Brasil e isso ser normalizado como se não fizesse diferença. Todos os dias temos provas de quanto o preconceito está inserido nas pessoas, porque é estrutural, mas ainda assim, existem pessoas que dizem que o racismo não existe. Precisamos estar consciente de que sim, o povo preto é desumanizado e inferiorizado dia após dia. Precisamos que nossas vozes sejam ouvidas e que as pessoas tentem ao menos se colocarem uma vez na vida no lugar de uma pessoa negra. Isso é empatia. Precisamos de ações efetivas para que haja uma mudança nas estruturas. Não acho que a tarefa é fácil. Muito precisa ser feito. A maneira brutal e desumana como George Floyd foi assassinado, a luz do dia, aos olhos de todo o mundo, se apresenta como um estopim para um povo que tem seus irmãos aos montes caindo todos os dias. Estamos nas ruas porque não aguentamos mais sermos invisibilizados. Há muito tempo estamos lutando por nossos direitos, por igualdade, por justiça. Será que essa será uma luta eterna?! Eu, sinceramente, luto para que os filhos negros desse país sejam pessoas livres de qualquer tipo de preconceito. Mas, por agora, a sociedade precisa se movimentar e ter consciência de que o racismo mata e esse sangue está nas mãos de cada cidadão que não se movimenta contra esse genocídio e contra o racismo.
É incrível que em pleno 2020 crimes contra negros, violência contra as mulheres e gays sejam algo ainda tão forte. Como você enxerga tudo isso? Meu Deus, nem sei por onde começar. A sensação que tenho, às vezes, é que estamos andando pra trás, que perdemos o nosso senso de humanidade. Que o processo natural de evolução esteja corrompido por tanto ódio, ego, violência, ganância. E também pela estupidez da superioridade e tantas outras maldades. Sinto que precisamos expandir a nossa visão e tentar encontrar a raiz de tudo isso. Talvez assim a gente consiga viver em um mundo mais harmonioso. Quebrar o ciclo da intolerância é algo que precisa começar pela base. Pessoas violentas geram pessoas violentas, pessoas intolerantes geram pessoas intolerantes, pessoas preconceituosas geram pessoas preconceituosas e isso vira um ciclo sem fim. Sabemos que a nossa sociedade está doente. Como mãe, por exemplo, me sinto na responsabilidade de dar ao meu filho o entendimento da realidade em que vivemos agora. E, na prática, apresentar a ele um mundo em que todos nós vivamos em harmonia com igualdade e respeito.
E como cria seu filho para enfrentar tudo isso? Que ensinamentos procura passar para ele? Já falaram em algum momento sobre racismo? Ninguém nasce racista. Meu filho tem 5 anos e eu já preciso explicar para ele sobre o racismo e como isso afetará a vida dele. É muito doido ter que falar e mostrar para ele a dor do nosso povo. Eu e Igor sempre que temos oportunidade, levamos os assuntos para dentro de casa com todo o cuidado, esclarecimento. Não dá para dourar pílulas sobre racismo, por exemplo. Queremos que ele tenha todo o entendimento sobre o assunto. Seja blindado de todo o preconceito e que jamais esqueça seu valor. Queremos que nosso filho esteja muito bem esclarecido com relação a tudo isso. Porque é com ele que temos esperança de ter um mundo mais harmônico, sem desigualdade, sem racismo.
Você e Igor se completam em que aspectos? Onde está o “segredo” de uma relação feliz? Na cumplicidade, na vontade de dar certo. Eu o admiro como homem, profissional, pai e marido. Acredito fortemente que a gente só ama quem admira e sou repleta desse sentimento cada vez mais. Mas foi o que já disse, não somos perfeitos. Assim como todo casal, já passamos por diversas crises. Temos nossas divergências e é aí que nos complementamos. Além do preconceito, que estamos até hoje no trabalho de superação, a chegada de Antônio foi crucial para a nossa relação. Ou a gente se separava ou dava ainda mais solidez para nosso casamento. Não é fácil equilibrar uma relação com a chegada de um bebê, que necessita 24h de sua atenção. Além de todas as outras transformações emocionais que uma mulher passa com a maternidade. Igor sempre foi muito parceiro. Temos muita sintonia, ele cuida muito de mim. Acho que por sermos dois sagitarianos, a gente entende muito bem o mundo um do outro. Ele me faz feliz.
Você já mudou o visual inúmeras vezes. Se considera muito vaidosa? Até que ponto? Acho que já fui mais vaidosa. Com o a maturidade me sinto mais tranquila com a minha aparência. Sim, já mudei muito de visual e realmente gosto dessa possibilidade. Mas nenhum deles foi tão real para mim como quando fiquei careca. Agora que estou deixando meu cabelo crescer naturalmente. Essas foram mudanças de vida, de reconhecimento, de reencontro com toda a minha ancestralidade e de empoderamento sobre o meu ser.
Passada essa quarentena o que mais deseja fazer? Correr para o mar. Que saudade da praia, de dar um mergulho, de curtir um dia de sol. Eu amo a natureza e somos muito privilegiados por morar em uma casa cercada por uma floresta e é uma delícia, mas preciso de água com sal para energizar. Sonhando com esse momento. E depois estar com meus amigos, com as pessoas que amo. Estou sentindo muita falta.
Para conquistar Aline basta… Ser de verdade, olhar no olho e saber que somos todos iguais. Admiro o simples, o real. Bom humor é algo que me ganha rapidamente também. A vida já é tão cheia de desafios e questões. Vamos tentar olhar a caminhada de maneira mais positiva.
Fotos Brunno Rangel / Beleza Walter Lobato