FOTOGRAFIA: “DISTANTE”, A APROXIMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DAS LENTES DE GLAUCO GUIGON

“DISTANTE” é um projeto que surgiu da necessidade de fotografar os amigos – algo comum no cotidiano do fotógrafo carioca Glauco Guigon que costumava fazer nos finais de semana na praia – nesse período de isolamento social que estamos vivendo. Desde que o isolamento começou, no meio de março de 2020, nossas vidas mudaram. Nossa rotina, nossos hábitos e nossas prioridades nunca mais foram os mesmos. A distância virou regra.

Sem poder frequentar a praia, onde costumava fotografar os amigos, Glauco se adaptou, e teve uma ideia: registrar meus queridos na janela de casa, seguindo as orientações sanitárias da OMS.  Esse é “DISTANTE”, um seriado fotográfico sobre o isolamento social, no IGTV: Uma série de registros para que possamos juntos – mesmo que fisicamente separados – repensar e refletir sobre os mais diversos aspectos das nossas vidas antes e durante o isolamento.

Glauco, como a fotografia surgiu na sua vida? A fotografia surgiu do meu pai. Ele tinha uma Pentax Reflex que eu pegava pra brincar desde moleque. Aos 14 ele me ensinou o básico de fotometragem, mas eu fotografava pouco. Fotografar em filme era caro. Foi quando a fotografia digital se tornou viável que estudei formalmente. Fiz alguns cursos livres – sempre fui obcecado pela técnica – e aí conheci esse universo que é a linguagem fotográfica. Eu tinha uns 17 anos e estava entrando na faculdade de cinema.

Em que momento a fotografia passou a ser profissão para você? Quando entrei pra Faculdade ela ficou em segundo plano, e cheguei a abandonar a câmera por alguns anos. Tinha muita insegurança como fotógrafo, achava minhas imagens ruins mesmo, e aí não me desafiava a melhorar. Foi só em 2017 que decidi vencer esses medos. Voltei a fotografar, dessa vez com frequência, buscando desenvolver meu olhar mesmo, avaliando o material, publicando, tendo feedback das pessoas, mas como um hobby.

Como fotógrafo ficar trancado em casa deve ser um pouco angustiante. Você sentiu isso? Como deu a volta por cima? Depende. Pra mim limitações são excelentes oportunidades para a criação. É como ter um tema definido na redação. No meu caso, um dos meus assuntos na fotografia sempre foram meus amigos, que eu fotografava todo final de semana quando nos encontrávamos na praia. Quando o isolamento começou ficou claro que eu ia ter que me adaptar de alguma maneira. Nas primeiras semanas tive um vácuo criativo horrível. Me cobrava registrar o isolamento mas não tinha ideias. De novo, achava tudo que fazia ruim. Quando parei de me cobrar, as ideias começaram a vir naturalmente. Por algumas semanas fotografei minha rotina dentro de casa, depois comecei a fotografar as janelas dos vizinhos, eles nas sacadas tomando sol. Percebi que queria captar aquela solidão das pinturas do Hopper que eu amo tanto.

Foi daí que surgiu o projeto DISTANTE? Exato! Fotografar os vizinhos na janela não estava me satisfazendo, porque eu não conhecia aquelas pessoas. Queria não só as imagens, mas as histórias das pessoas, os relatos que vinha ouvindo dos amigos nas longas conversas que tínhamos pelo celular. Mas “como fotografar sem furar as regras da quarentena?”. Tudo veio dessa pergunta. E a única maneira de tornar isso possível era continuarmos isolados: eles em casa e eu no meu carro, que funciona como uma bolha.

Como você escolhe os “modelos” e o que pede para eles passarem? Minha fotografia é muito íntima, ela é sempre um retrato de quem eu sou. Ela tem mais a intenção de representar e compartilhar o que eu vejo e vivo do que criar um panorama técnico geral, representar a sociedade como um todo e etc. Então eu convidei meus amigos, parentes, etc. Pessoas que eu fotografaria normalmente fora do isolamento e que eu queria saber como estavam. Assim, quando gravamos a entrevista que serve de guia em cada episódio de DISTANTE, aquilo não passa de uma conversa curiosa nossa.

Quais as dificuldades em fotografar à distância? Ah, são algumas, viu. (risos). É preciso fazer um planejamento prévio, com uma visita ao endereço para estudar os ângulos e estudar o trajeto do sol para descobrir o horário da melhor luz. Peço para os convidados fotos e vídeos, algumas vezes, em horários diferentes. Depois, fotografar de dentro do carro é muito, muito incômodo. Trabalho com lentes longas, e achar uma foto esteticamente interessante às vezes é um desafio. E como na fotografia posicionamento é tudo, para fazer qualquer ajuste eu tenho que manobrar o carro. Às vezes centímetros fazem toda a diferença na composição da imagem final.

Além de fotografar tem o filmar à distância. Como funciona o processo de criação? As imagens em vídeo tem uma função narrativa diferente das fotografias, o que já estava claro pra mim desde que a ideia surgiu. O movimento dá uma profundidade a mais à cena retratada, então a ideia foi contribuir para enriquecer o retrato mesmo. As imagens em vídeo são feitas com a câmera em um tripé, o que também é um grande perrengue pra fixar direitinho no aperto do carro.

Qual o limiar entre uma foto meramente técnica e uma obra de arte fotográfica? Taí a pergunta de um milhão de reais! É um eterno debate, né, o que é arte, afinal? A verdade é que para cada pessoa essa pergunta tem uma resposta diferente. Hoje, eu penso que uma obra de arte fotográfica tem uma intenção segunda na sua comunicação, algo que a foto meramente técnica não tem. A arte, pra mim, ela provoca, questiona, suscita sentimentos, emoções, enquanto um trabalho técnico é só tecnicamente correto.

Pode-ser treinar o olhar para se tornar um bom fotógrafo? Sem dúvida. Cartier-Bresson não nasceu sabendo, nem Sebastião Salgado. A fotografia é uma linguagem como qualquer outra. Como um idioma, é preciso estudar, praticar, entender como ela funciona para poder usá-la para se comunicar e se expressar com domínio.

Quem são seus ídolos na fotografia? Por quê? São muitos. Dos clássicos gosto especialmente da obra do Duane Michals, que tem uma atmosfera onírica e narrativas muito potentes em seu trabalho, e do Robert Maplethorpe, que escancara a psicologia do sexo de uma maneira extremamente poética e sofisticada. Aqui no Brasil, Miguel Rio Branco, que tem uma densidade de luz e de assunto formidáveis, além do nosso Sebastião Salgado, claro.

Veja uma amostra em vídeo: