E nós, seres humanos, que futuro aguardar?
Por Dulce Rodrigues
Será possível sobreviver à Internet? Nos dias atuais, ninguém pode negar a influência maciça da tecnologia em sua vida, basta olhar ao seu redor para concluir que a tecnologia tornou-se indispensável. .Assim, como “sobreviver” sem os streamings, Internet TV, sem contar com os inúmeros serviços que só funcionam com a Internet? O ser humano está atrelado à Internet – do funcionamento de aeroportos à indústria automobilística e à medicina, incluindo o papel da tecnologia, da Internet durante a pandemia do COVID-19.
TECNOLOGIA – FICÇÃO X REALIDADE
Outro dia li um artigo em que o autor dizia que, “se você usou o mIRC você está ficando velho”. Usei o mIRC e o Eudora, duas das primeiras redes sociais surgidas nos anos 1990. Como esquecer os primeiros contatos com o mundo, através do computador que acontecia sob um longo tempo consumido, uma vez que contávamos apenas com a Internet discada. Daí o mIRK, o Eudora e, mais tarde, o Orkut trazerem a idéia de pertencer a um passado muito distante, para aqueles nascidos neste século XXI.
Então, o que estes diriam sobre a idade de uma pessoa que, em meio às especulações surgidas a partir de obras de escritores geniais como o inglês Júlio Verne e o escritor russo de nacionalidade americana Isaac Asimov – dos séculos XIX e XX respectivamente, que estariam, de alguma forma, conectadas aos dias atuais?
Mas, o que esses autores teriam a ver com a tecnologia avançada? Na minha opinião, visualizaram um futuro cheio de tecnologias que levaria o ser humano e, consequentemente, o mundo a pensar e agir diferentemente do que se vivenciava no final do século XIX e a primeira metade do século XX, nessa ordem. Junto aos trabalhos desses autores, podemos colocar o TV show Os Jetsons, desenho animado do estúdio americano Hanna-Barbera que conta a história da família Jetson que vive em 2062, justos 100 anos à frente do ano de lançamento do cartoon. Quem teve a “sorte” de assistir os episódios da temporada 1962-1963 ou a temporada entre 1984 e 1987, vai lembrar que a família Jetson já “contava” com tecnologia digital em aparelhos domésticos ou pessoais e serviços tais como smart watches, tablets, chamada de vídeo, aspirador-de-pó robô, empregada robô, drones e TVs de tela plana – objetos que fazem parte de nossa realidade nos dias atuais. Também acrescentaria à lista a série de TV Lost in Space, em que os tripulantes de uma nave espacial – novamente uma família como protagonistas, viajava pelo espaço.
Júlio Verne, através de suas obras Viagem ao Centro da Terra, Mil Léguas Submarinas e A Volta ao Mundo em 80 Dias, traz eventos e tecnologias inviáveis para sua época e que mais tarde – quem pode não garantir, inspiraram cientistas rumo à transformação da ficção em realidade. Quanto a Isaac Asimov, suas obras dos anos 1940 aos anos 1980, estão carregadas de visões de futuro com seus robôs que encantaram e ainda encantam aqueles que tiveram a oportunidade de ler suas obras.
Dessa forma, a partir de uma reflexão sobre essas mentes especiais capazes de imaginar um futuro do qual não captavam nenhum indício na realidade vigente, perguntamos – quem são essas pessoas? Lunáticas, premonitórias, visionárias, sonhadoras, criativas…? Diria que são pessoas que são impelidas a se desafiarem a criar novos produtos e realidades factíveis ou não, com uma visão de futuro não plausível para seu tempo
A partir desse retrospecto, unindo passado presente e futuro, diante do avanço tecnológico que ai está e no qual temos nossas vidas totalmente envolvidas e que, provavelmente, chegou para ficar e que traz vantagens em um mundo globalizado, mas que também tem possibilitado tragédias humanas, provocando reflexões sobre seus benefícios e seus malefícios.
Assim, tenho refletido sobre aspectos ora positivos ora negativos da tecnologia no que diz respeito ao ser humano, no desenvolvimento do conhecimento e a usos como fake news, bitcoin, Machine Learning, deep web, deep fake, Virtual Reality, Virtual Rape, Stalking, etc., que têm provocado grandes discussões na sociedade, em uma tentativa de regular a Internet.
FICÇÃO E O SER HUMANO
Será que, a nós usuários não caberia a missão ou até mesmo a obrigação de darmos um rumo lógico à Internet, uma vez que esta deve ou pelo menos deveria estar ai a serviço do ser humano em todas as suas instâncias? E se usássemos “AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA” que fazem parte da ficção criada por Asimov para explicar e até mesmo regular o uso de ‘seus robôs’, para regularmos a Internet? As “leis” são:
1. Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2. Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Leis.
MANUAL DE ROBÓTICA 56ª Edição, 2058 A.D.
Ao analisarmos as “leis”, como Asimov traz através de seus personagens robôs, avaliamos o que é realmente importante para o ser humano – o respeito e a liberdade. Quem sabe, a metáfora das três leis da robótica de Asimov, poderia servir de base para o Marco Civil da Internet em um âmbito que contemplasse ‘as três leis’.
Se “ Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal”, como justificar o uso da Internet para ferir fisicamente ou moralmente seus usuários? Se “Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei”, como entender a profusão de fake news que tem mudado a vida de tanta gente para pior, trazendo o caos? Se “Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Leis”, como nos proteger dos efeitos da deep web, do stalking, do deep fake, do estupro virtual e outros tantos ‘serviços’ existentes na Internet?
INTERNET – ATRASOS NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, SOCIAL E EMOCIONAL DE CRIANÇAS E JOVENS
O neurocientista francês Michel Desmurget, traz em sua obra A Fábrica de Cretinos Digitais uma análise de estudos a partir da constatação que, jovens de hoje são a primeira geração da história com um QI mais baixo que o de seus pais. Para o autor isso está diretamente relacionado ao tempo de exposição de crianças e jovens às “telas”, destacando o fato desses jovens não interagirem de forma pos Larissa Ferrara itiva com familiares e outros, desenvolvendo depressão e ansiedade. Além disso, na opinião do autor, esses jovens apenas captam traços culturais que surgem durante os jogos que são parte do universo desses “nativos digitais”, além de demonstrarem grande deficit no desenvolvimento cognitivo, na linguagem e na concentração, afetando então o pensar, o refletir, a organização e compreensão de mundo.
A partir do que Desmurget coloca, concordo com o filósofo francês Edgar Morin, quando este diz que “a relação triádica indivíduo/sociedade/espécie” é parte fundamental de uma sociedade e quando o indivíduo adoece, coloca a sociedade em risco e esta, uma vez doente, coloca em risco a espécie. Assim, temos que resguardar o indivíduo para garantir uma sociedade organizada e saudável com suas variantes culturais , dessa forma, preservando a espécie
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – A MÁQUINA X O SER HUMANO
Diante do exposto, pergunto como lidar com a Inteligência Artificial? Seria ou será esta benéfica para a humanidade? Ou devemos refletir sobre o que o ex-CEO do Google, Eric Schimidt, falou durante a Cúpula de CEOS do Wall Street Journal no último dia 26 de maio. Schmidt chamou a atenção para a possibilidade de “riscos existenciais” a partir de uso abrangente da IA, e reforçou a necessidade de regulamentos severos sobre IA uma vez que se trata de uma “questão mais ampla para a sociedade”, estabelecendo-se, assim, um Marco Regulatório da Inteligência Artificial.
Ao refletir sobre o que Schmidt falou, vale lembrar a opinião expressa por pesquisadores que dão suporte às maiores empresas de Inteligência Artificial – os acadêmicos Yuval Harari, Tristan Harris e Aza Raskin, em entrevista ao THE NEW YORK TIMES em 24 de março passado e que foi repercutida por grandes jornais do país. Esses três estudiosos falam que, uma vez que as empresas de tecnologia se constroem a partir da linguagem, os sistemas de IA representam a cultura humana, a linguagem. Então, constata-se que a IA poderia trabalhar para a destruição de culturas ou povos que não fossem convenientes para determinadas grupos ou organizações, o que levaria à extinção de determinados grupos da sociedade e que colocaria em risco não só indivíduos, mas também sociedades e a espécie, como fala Morin.
Para culminar, o mundo tomou um choque quando donos e executivos das empresas mais avançadas em pesquisas de IA foram signatários de uma carta publicada no dia 29 de março deste ano, a qual trazia um veemente apelo no sentido de que todas as pesquisas sobre Inteligência Artificial sejam suspensas por, pelo menos, seis meses. Os signatários dessa carta são: Elon Musk, dono do Twitter, da SpaceX e da Tesla; Evan Sharp, cofundador do Pinterest e Jaan Tallinn, cofundador do Skype. A lista também inclui o cofundador da Apple, Steve Wozniak; membros do laboratório de IA do Google – o Bard e o DeepMind; o diretor da Stability AI, Emad Mostaque, além de especialistas americanos em IA, acadêmicos e engenheiros-executivos da Microsoft, parceira da OpenAI – ChatGPT, na pessoa de seu diretor Sam Altman. Tudo isso a apenas duas semanas do lançamento do ChatGPT-4
Os signatários dizem que “Nos últimos meses, vimos os laboratórios de IA se lançando em uma corrida descontrolada para desenvolver e implantar cérebros digitais cada vez mais potentes que ninguém, nem mesmo seus criadores, podem entender, prever, ou controlar, de forma confiável”.
Ao final de todas essas reflexões, precisamos de mais informações sobre a IA e ao mesmo tempo buscarmos meios de evitar os malefícios da Internet.. Precisamos reavaliar o que está ai em termos da WEB e, só depois de tudo analisado, chegarmos a um Marco Regulatório da Inteligência Artificial.
Ainda assim, pergunto – Nós, seres humanos dos dias atuais, que futuro aguardar a partir do amplo uso da IA?
