HOMEM ATUAL: MASCULINIDADE TÓXICA X FEMINISMO

POR DULCE RODRIGUES

“Sou o Novo Homem/Que diferença faz um homem diferente?” ( I´m the New Man/What difference makes a diferent man?” – “Here comes the New Man” by Brainpool)

Reiteramos esses versos da canção da banda sueca Brainpool em busca de entendimento do porquê da crescente onda de violência em relação às mulheres que chega até nós, em nosso país.

O imponderável nesse caso é que, tudo isso acontece em um momento de grande tomada de consciência do papel da mulher na sociedade. Papel muito tardiamente reconhecido, mas que, de alguma forma, tem nos levado à reflexão sobre a condição e o papel que a mulher tem tido desde os primórdios da civilização, tendo a mulher contribuído de forma intensa para o desenvolvimento da humanidade. Esse tipo de constatação, o não  reconhecimento, tem sua origem em aspectos fundamentais de poder, singularidades que garantiram, por séculos, todo o domínio ao homem em detrimento de um equilíbrio de poder constituinte de um desenvolvimento equilibrado da humanidade, somando os poderes que cada gênero carregasse.

FEMINISMO – PRIMEIROS MOVIMENTOS

Daí, a necessidade de se rever, embora muito tardiamente, os elementos que justificaram esse poderio, ao longo de séculos. Nesse sentido, o feminismo surgido, especialmente na segunda metade do século XX, trouxe os primeiros debates e posicionamentos do que passou-se a denominar de feminismo.

Desde então, dos anos 1960 até essas duas décadas deste século XXI, busca-se fazer a sociedade entender e promover mudanças de comportamento, tendo como ponto de partida o descarte da “velha masculinidade”, deixando o espaço para “o Novo Homem” do qual fala a música do Brainpool, embora que ainda não tenhamos um protótipo acabado do que seria esse novo homem.

Dentro dessa perspectiva, podemos constatar alguns movimentos que, ainda que de uma forma muito embrionária, temos testemunhado aqui no Brasil. Entre outras ações, já há algum tempo, temos uma campanha televisiva veiculada por uma importante emissora do país, visando a chamar os homens a uma tomada de consciência em relação ao que significa exercer uma masculinidade atóxica.

NOVAS PRÁTICAS DE MASCULINIDADE

Dentre desse paradigma, cita-se discussões que tem acontecido em espaços de talk shows na TV do país como o Papo de Segunda, onde os âncoras promovem  discussões  acerca desse tema. Também não podemos deixar de trazer para nossa reflexão a matéria de capa de uma revista de cunho mais masculino e de grande tiragem no país sobre a contribuição social da obra Pantanal de Benedito Rui Barbosa com adaptação de seu neto Bruno Lupesi, no que diz respeito ao “novo homem”. A matéria fala do quanto essa nova versão de Pantanal, no decorrer dos episódios traz em seu escopo uma negação da masculinidade tóxica, mostrando como o mundo de hoje precisa que, especialmente o homem, entenda seu novo papel na sociedade. Assim, viu-se ao longo da trama, discussões de temas como homofobia, misoginia e masculinidade tóxica.

Concordamos que, ações como essas ainda não são suficientes para fazer mudar opiniões e percepções daqueles que trazem ao longo de suas vidas visões e compreensão deturpadas no que diz respeito à mulher, lembrando que a grande causa da violência contra esta advém da não aceitação, por parte do homem, do novo papel da mulher na sociedade que, ao longo dos séculos a ignorou. Mas, a mulher, aos pouco, vem enfrentando lutas e contando sua história que, por vezes, resultam em experiências negativas complexas disfarçadas de benesses e que não passam de verdadeiras armadilhas. Armadilhas essas que, às vezes, surgem em forma de revanchismo consciente ou inconsciente que podem converter-se em visões estereotipadas e extremadas sob a égide do feminismo.

MASCULINIDADE, FEMINISMO E LITERATURA X PARADIGMA DE GÊNERO

Nessa perspectiva, ponderemos sobre a história a seguir que acontece em um planeta, onde a mulher é quem domina os homens e todos os segmentos da sociedade – os homens são considerados frágeis e sem utilidade, servindo apenas para a procriação e a criação dos filhos.

Assim, foquemos nosso olhar nesse conto – The Matter of Seggri, criado pela escritora americana Ursula Le Guin que se passa em Seggri (um diminutivo de Segregado), um planeta imaginário. Essa ficção de Le Guin, escrita em 1994, traz, de forma irônica e muito contundente, a questão de gênero – uma visão bem revanchista de dominação, onde o gênero feminino paga pelos serviços sexuais do homem. À primeira vista, a obra de Le Guin mostra a mulher como terrivelmente perigosa.

Nesse cenário, a literatura nos oferece o alerta da necessidade  de não cairmos  em tentação e fazermos da luta contra a masculinidade tóxica e a luta por igualdade por parte da mulher não resulte em revanchismo, tornando-se uma versão da masculinidade bolorenta que não mais faz sentido no século XXI. A literatura sempre antecipa, com um olhar mais aprofundado as questões humanas que se apresentam, atuando como antenas, das quais fala Ezra Pound, escritor americano “O artista é a antena da raça”. Na literatura, essas “antenas” têm atuado de forma muito eficiente a favor da mulher desde o século XIX, especialmente como resultantes de questões sociais advindas da Revolução Industrial, como A Questão da Mulher, que ocorreu na época vitoriana, quando surgiram movimentos que visavam demandas femininas relativas a casamento, propriedade, trabalho e educação.

Dessa forma, tomemos aqui, como exemplo dessa “antena” que podemos identificar na história criada pela escritora americana.

Com The Matter of Seggri,  Le Guin nos faz refletir sobre os papeis femininos e masculinos nos tempos modernos – na sociedade seggriana, onde os homens são troféus e não têm importância, servindo apenas a propósitos reprodutivos, onde identificamos uma visão de “modernismo” absurdo de gênero, trazendo um alerta de que, como sociedade, é preciso que ações aconteçam no sentido de erradicarmos o sexismo culturalmente tido como normal.

Não será com esse patriarcalismo às avessas, onde o feminismo torna-se uma prisão ou uma armadilha que encontraremos o equilíbrio de poder entre mulher e homem. Seria o caso da sociedade – feminina e masculina, refletir sobre as palavras da escritora nigeriana Chimamanda Adichie quando esta diz que sempre que contamos nossa história devemos refletir sobre o fato de “existir o perigo da história única”, quer seja por parte do homem quer seja por parte da mulher – machismo X feminismo. Chimamanda ainda fala que “É impossível falar sobre uma história única sem falar de poder”, uma vez que, uma história única representa o poder de quem a conta. A escritora ainda fala que “… a história única cria estereótipos”.

Assim, nem a masculinidade nem a feminilidade tóxicas e o poder que as mulheres de Srggri têm sobre os homens, serão ideais para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária  em nosso tempo, uma vez que, como diz o filósofo francês Edgar Morin “… o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades”.

MASCULINIDADE X SOCIEDADE

No sentido desse “desenvolvimento da compreensão” o documentário The Mask You Live In (NETFLIX/YouTube) proporciona uma grande reflexão sobre a masculinidade tóxica, trazendo depoimentos de homens de diferentes idades, raças e status social que reconhecem suas fragilidades em relação à compreensão do que seja o papel de cada gênero, especialmente em tempos de tantas mudanças.  Como diz  Michael Scott Kimmel – Professor de Sociologia e Gênero da State  University of New York at Stony Brook, que diz que o homem, desde a infância,  sempre teve medo de ser tido como fraco e isso perdura por toda sua vida.

Dessa forma, ao que parece, a solução seria tomarmos como meta da prática social  “Igualdade! Equidade! Libertação!”, da qual fala o Professor Michael S.Kimmel em  Guy`s Guide to Feminism (Guia para o Feminismo para Meninos).

No mais, só nos resta esperar pelos resultados e propostas positivos que, com certeza, virão do UN Women Strategic Plan 2022-2025.  “O Plano Estratégico 2022-2025 guiará o trabalho da ONU Mulheres pelos próximos quatro anos, com prazo até 2030 e visa alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, detalhar como a ONU Mulheres catalisará uma ação urgente e sustentada para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas”.