ÍCONE: MARLON BRANDO 100 ANOS

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Por Ivan Reis

Quando a atriz Barbra Streisand, 81, recebeu o prêmio Life Achievement Award, na última edição do SAG Awards 2024, por suas realizações profissionais e humanitárias ao longo da carreira. Ela se lembrou de alguns momentos no cinema e fez menção ao “ator mais bonito do mundo”. Expectadora de Garotos e Garotas (Guys and Dolls, 1955), a atriz fez referência a Marlon Brando, ícone de beleza, atuação e talento da Hollywood da década de 1950. “Ele era tão real, tão verossímil. Eu queria ser aquela por quem ele se apaixonou, não Jean Simmons”, disse ela em discurso que levou a atriz Anne Hathaway e o público às lágrimas com aplausos em pé.

Em abril deste ano, o centenário de nascimento de Marlon Brando fortalece o legado do ator que viveu personagens que ainda povoam o imaginário de gerações. Para o diretor americano Martin Scorsese “existe o antes de Brando e o depois de Brando”, na história do cinema mundial. James Dean, Paul Newman, Robert De Niro, Sean Penn, Al Pacino e Gene Hackman são alguns dos astros que o elegeram como referência para seus trabalhos.

Uma das características do ator é a imersão na psicologia do personagem. Abandonando técnicas tradicionais de atuação e convertendo-se em paradigma do método Stanislavski, Brando se aprofundou na exploração dos sentimentos próprios para oferecer a interpretação mais próxima possível da realidade. Marlon Brando não atuava – ele era o personagem.

REBELDIA COM ESTILO

Além do cinema, Marlon Brando também revolucionou como os homens se vestiam. Para o designer e consultor de moda masculina Mário Queiroz “a década de 1950 marca o surgimento de um novo segmento de mercado: os jovens. O cinema tem um grande papel porque trouxe para a tela novos personagens que desafiavam a ordem existente, pois questionavam o imutável mundo dos adultos”, explica ele.

Naquele contexto, os americanos viviam no período de pós-guerra caracterizado pela prosperidade econômica e cultural. Mesmo assim, a cultura juvenil ganhou força e começou a desafiar as normas sociais. Para tanto, buscava-se meios para expressar liberdade e individualidade. Em 1955, o longa-metragem O Selvagem (The Wild One), dirigido pelo cineasta húngaro Laslo Benedek, capturou esse espírito ao centralizar a figura do motociclista Johnny Strabler, vivido por Marlon Brando, que se tornou um símbolo da juventude rebelde, inquieta e inconformada.

O GUARDA-ROUPA DE UM ÍCONE

Os figurinos usados por Brando desafiavam a convencionalidade dos ternos e dos trajes formais já consagrados por alfaiates e costureiros da época. No século XX, a marcante industrialização do ramo têxtil influenciava na perpetuação de um padrão na forma de se vestir dos homens. “Não havia muitas opções de representação das masculinidades na moda, além dos paletós e gravatas. São trajes além de formais: são uniformes”, declarou o consultor Mário Queiroz.

A peça mais icônica usada por Marlon Brando é a jaqueta de couro Perfecto. Com gola larga, zíperes e cinto ajustável na cintura, o item se tornou sinônimo de rebeldia. Originalmente, foi criada pela marca americana Schott NYC nos anos da década de 1920 e, a partir de então, tem sido confeccionada em várias versões, materiais e estilos até hoje.

O Selvagem (1955) entrou para a história da moda masculina quando o ator também usou a camiseta de forma exposta. Na época, foi um ato de rebeldia, pois a peça fazia parte do universo underwear, ou seja, era considerada “roupa de baixo”. No cotidiano, o astro ainda usava a camiseta com calças e cintos, além dos detalhes em sapatos, boinas e cachecóis que reforçavam sua personalidade transgressora. Brando também colocava em prática alguns truques de styling, pois sempre vestia suas peças de forma única. Sutilmente, ele puxava as mangas da camiseta para cima.

Alimentado pelos ideais da contracultura da época, o guarda-roupa dos jovens rebeldes era constituído por calças jeans, camisetas e jaquetas. “Não é o genro que os pais esperavam, mas é o novo ideal de uma nova geração. Naquele momento, o cinema era a mídia mais importante. Os atores tinham o papel de modelos, e, certamente, Brando foi inspiração para os homens na forma de se apresentar para o mundo”, detalha Mário Queiroz sobre o impacto visual da nova configuração do masculino na moda.

Marlon Brando deixou a sua marca nos personagens que viveu, pois foi imerso nos valores de cada um. Em 1972, quando interpretou Stanley Kowalski em Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar named desire, 1951), o ator já tinha 48 anos e, em O Poderoso Chefão (The Good Father, 1972), dirigido por Francis Ford Coppola, ele atingiu o estrelato. O protagonista e mafioso Don Vito Corleone foi considerado “o maior vilão da história do cinema”, tornando-se uma referência de estilo para as gerações seguintes.

Em 1972, outro sucesso do ator foi O Último Tango em Paris (L’ultimo Tango a Parigi, 1972), dirigido por Bernardo Bertolucci, filme que rendeu ao ator algumas polêmicas pelos temas sexuais envolvidos na trama, além de sua célebre atuação ao lado da então desconhecida atriz francesa Maria Schneider. “São personagens inesquecíveis, que demonstram o empenho de um ator em ir além das aparências e marcar personalidades contraditórias das masculinidades que, até então, eram vistas como superiores e indiscutíveis”, explica Mário Queiroz sobre o universo masculino na filmografia de Marlon Brando.

HOMENAGENS

O centenário de nascimento do ator americano, além de todo o seu legado artístico, tem sido reverenciado no universo cinematográfico.

Em sua 42ª edição, o Festival de Cinema de Turim, capital de Piedmont na região norte da Itália – evento que reúne produções independentes do cinema da nova geração de espírito livre e original – fará uma homenagem à filmografia de Marlon Brando. Dirigida pelo cineasta italiano Giulio Base, a edição valoriza o passado e lança um olhar para as novas gerações de profissionais do cinema capazes de viver, interpretar e partilhar a alma apaixonada pela sétima arte.

O evento irá exibir, de 22 a 30 de novembro deste ano, 24 filmes da carreira de Marlon Brando, com produções de 1950, como Os Homens (The Men) até A Ilha do Dr. Moureau (The Island of Dr. Moureau, 1996). O cartaz do festival é dedicado a Marlon Brando cujo retrato de 1972 foi tirado no set de filmagem do polêmico O Último Tango em Paris. O clique é uma das raras fotos em que o astro olha diretamente para a lente, um tiro cúmplice e astuto que seduz e mostra, sem meios termos, sua beleza incomparável.

Na Espanha, os filmes de Marlon Brando já foram reverenciados. Na Universidade de Jaén, o Clube de Cinema Universitário organizou a mostra Marlon Brando: 100 anos de um ator inesquecível. Coordenado pelo professor Miguel Dávila, a Sala Pascual Rivas da Antiga Escola de Ensino, na área de Cultura e Empreendedorismo, foi transformada em uma sala de cinema para a exibição de três filmes protagonizados pelo ator americano.

Em março deste ano, um grupo de especialistas liderado pelo crítico de cinema Juán Luiz Alvarez analisou a obra do astro de Hollywood filme a filme.O livro O universo de Marlon Brando (El Universo de Marlon Brando, Notorious Ediciones, 376 p.) procura desvendar os personagens que passaram pela carreira do ator em textos inéditos.

LIÇÃO ATEMPORAL

No imaginário que o cinema e a moda conseguem gerar, é possível ir além da superficialidade. “A fotografia e o cinema trabalham a construção da imagem, e a moda está neste processo desde o início. A moda não é só a roupa, mas também inclui a beleza, os acessórios, os gestos”, afirma Mário Queiroz.

As atitudes e o contexto elegeram a rebeldia de Marlon Brando por sua performance cinematográfica que extrapolou as telas. O cinema, portanto, influencia e reflete a realidade em que vivemos. “Ainda hoje mesmo, quando o filme é visto na telinha do celular, somos influenciados pelas diversas narrativas que vieram do cinema: as séries, a TV, os videoclipes e as propagandas. Penso a tela como um espelho: ao vermos um filme, estamos nos vendo também”, explicou o designer Mário Queiroz. Marlon Brando não foi somente um rebelde que lutou por causas individuais. O artista representou uma atitude reacionária cujos efeitos reverberaram no comportamento, no estilo e na moda masculina que, até então, seguia uma convencionalidade. “A maior lição deste grande ator para o homem de hoje é expor seus sentimentos, sair da casca de proteção de poder. O envolvimento com a moda começa com o autoconhecimento, com a segurança em se expor, em ser único e não passar a vida repetindo sempre as mesmas fórmulas que a sociedade considera ideal para os homens”, conclui Mário Queiroz sobre o legado do ator para a construção de novas masculinidades no mundo contemporâneo.