Quando se fala em programas de conservação ambiental, é comum pensar apenas em ações que promovam a preservação da natureza. Não é o que acontece no Projeto Golfinho Rotador (PGR). Sediado no arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco, o trabalho do PGR vai muito além do admirável estudo que faz sobre os golfinhos que ali vivem e que encantam turistas de todo o planeta. Fundado há 31 anos – completados em agosto deste ano, o PGR zela não apenas pelos golfinhos-rotadores, como também pela comunidade local, por meio de programas sociais e educacionais que visam envolver e conscientizar os ilhéus em prol de um objetivo comum. Com patrocínio da Petrobras, o PGR coleciona ótimos resultados – a quantidade de golfinhos-rotadores no arquipélago permanece praticamente a mesma desde sua criação, ao contrário de outras espécies que tiveram a população reduzida. O projeto está bem inserido na comunidade e suas ações têm impacto positivo comprovado na conservação da biodiversidade marinha de Noronha.
Para entender a dinâmica do projeto, é necessário, primordialmente, conhecer mais sobre os próprios golfinhos-rotadores e sua relação com o arquipélago. Golfinho-rotador é o nome informal para a espécie Stenella longirostris, que recebe essa nomenclatura por suas características fisiológicas – corpo alongado e focinho longo. A alcunha de “rotador” se dá em função do comportamento de saltos que realizam fora d’água – em sua maioria, em movimentos de rotação, podendo ocorrer até 7 rotações em torno de seu próprio eixo e alcançar até 3 metros de altura. Esses animais são dóceis e carismáticos, encantam turistas e moradores da ilha e possuem comportamentos muitas vezes insólitos, como seus hábitos sexuais, por exemplo.
O SEXO DOS GOLFINHOS
Atitudes surpreendentes já foram observadas pelos pesquisadores do PGR, como sexo oral entre machos e fêmeas e até entre dois espécimes machos. Na reprodução, a fêmea copula com vários machos. “Essa é uma estratégia da espécie. Assim, nenhum macho sabe quem é o pai do filhote e todos cuidam como se fosse seu”, diz o biólogo Rafael Pinheiro, coordenador do programa de pesquisa do PGR. Ele destaca que os rotadores vivem em águas oceânicas, raramente entram em rios ou se aproximam da costa e necessitam de ambientes plácidos para realizar atividades mais íntimas, como descanso, cópula e amamentação dos filhotes. O paraíso natural de Fernando de Noronha é um dos poucos lugares do mundo onde se é possível observar tais comportamentos de golfinhos-rotadores, por se tratar de um local que oferece as circunstâncias geológicas necessárias – suas baías proporcionam abrigo de ventos, correntezas e ondulações, e maior facilidade em detectar a aproximação de possíveis predadores.
Além de fazer todo esse trabalho de conservação da espécie, o PGR tem como preocupação central conciliar a preservação do meio ambiente à conscientização dos moradores da ilha e dos turistas por meio de quatro programas: Pesquisa Científica, Educação Ambiental – de crianças e adultos -, Envolvimento Comunitário e Sustentabilidade. Em harmonia, esses programas ajudam a formar moradores social e ambientalmente responsáveis – e dispostos a cuidar do incrível patrimônio natural da região em que vivem – e a conscientizar os turistas, que levarão consigo o aprendizado e o zelo pela Natureza.
TRABALHO ÀS 4H30 DA MATINA
Um dos programas centrais do PGR é o de Pesquisa Científica. Em funcionamento desde o nascimento do projeto, em 1990, consiste da observação e monitoramento das atividades dos golfinhos-rotadores em duas áreas específicas de Fernando de Noronha: a Baía dos Golfinhos e a Baía de Santo Antônio/Entre Ilhas. Pesquisadores das mais diversas áreas de estudos ambientais dividem-se em turnos que cobrem até 11 horas diárias de trabalho e que costumam começar por volta das 4h30 da madrugada. O biólogo Rafael Pinheiro explica que o monitoramento se dá, principalmente, a partir de três propriedades estudadas: a quantidade de golfinhos que chegam às baías, a duração de sua permanência e seus comportamentos nesse período.
Os rotadores aparecem em território Noronhense em 95% dos dias do ano. Segundo Pinheiro, eles apresentam-se em fila indiana e em movimento elíptico, majoritariamente nas primeiras horas do dia. Nesse momento, os pesquisadores iniciam a contagem de golfinhos e monitoram, a cada 15 minutos, as atividades aéreas que realizam como forma de comunicação. “Embora os golfinhos usem a acústica como principal meio de se comunicar embaixo d’água, as atividades aéreas são utilizadas para dar recados mais instantâneos ou para chamar a atenção do grupo”, explica o biólogo.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Além de estudar, observar e monitorar os golfinhos-rotadores da ilha, a equipe do PGR iniciou, também em 1990, o programa de Educação Ambiental. Em parceria com o Parque Nacional Marinho, a Área de Proteção Ambiental e as instituições de ensino presentes em Fernando de Noronha – o Centro de Educação Infantil Bem-me-quer e a Escola do Arquipélago de Fernando de Noronha. O projeto leva conhecimento a crianças e adolescentes de 3 a 17 anos, com o intuito de conscientizar e sensibilizar quanto à necessidade de preservação do ecossistema de Fernando de Noronha e da Natureza como um todo. Cynthia Gerling, educadora ambiental do projeto, explica que, por meio de oficinas, palestras e saídas de campo ministradas mensalmente nos centros de ensino em Noronha, são oferecidos conteúdos que têm como foco a temática marinha e as relações ecológicas desse ecossistema com o ser humano.
Ela compartilha da opinião de diversos especialistas internacionais, de que crianças que têm contato com a educação ambiental se tornam adultos que possuem o sentimento de pertencimento à Natureza, além de crescerem mais saudáveis mental, emocional e fisicamente. Hoje, aos 22 anos, Amanda Silva é prova viva de tudo isso. Ela cresceu em Noronha e, além de viver nesse paraíso e de ter sido levada desde muito pequena pela mãe para ver os golfinhos, sempre esteve integrada ao programa de Educação Ambiental do PGR. Atualmente, Amanda é estagiária do projeto. “Grande parte da minha decisão de me tornar bióloga e de querer trabalhar para ajudar na conservação ambiental de Noronha e dos oceanos surgiu do que eu vivi e aprendi nos programas ambientais do Projeto Golfinho Rotador”, ela diz. “Eu cresci com tudo isso, faz parte de mim”.
A educadora Cynthia Gerling destaca a importância da conscientização a favor da conservação ambiental, num cenário de crescimento do turismo náutico. “A gente precisa passar informações a respeito das diversas espécies que aqui existem, identificar quais são os impactos – muitas vezes, e, infelizmente, negativos – da nossa presença em locais como Fernando de Noronha, que é um patrimônio da humanidade”, afirma Gerling. Além das instituições de ensino, os conteúdos são levados também a turistas que visitam a Baía dos Golfinhos. “Precisamos fazer com que as pessoas conheçam o golfinho-rotador e suas fragilidades, assim como a delicadeza da Natureza. Assim, podemos evoluir e entender que devemos interferir o mínimo possível no nosso planeta e seus outros habitantes”.
ENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
Para a equipe do Projeto Golfinho Rotador, é fundamental que bons profissionais estejam inseridos no mercado do Ecoturismo em Fernando de Noronha, e é melhor ainda quando estes são moradores do arquipélago. Com isso em vista, o projeto põe em prática mais uma modalidade que compreende o corpo social de Noronha – o programa de Envolvimento Comunitário. Priscila Medeiros, bióloga e coordenadora-geral do PGR, explica que o programa visa à capacitação profissional de moradores e empresários por meio de cursos ofertados gratuitamente – através do patrocínio da Petrobras, como formação de marinheiros, informática, língua inglesa, mergulho, dentre outros. De acordo com Medeiros, a capacitação profissional possibilita ao ilhéu elevar seu nível de qualificação, a fim de ocupar postos de trabalho no mercado ecoturístico de forma consciente.
Além da oferta de cursos, o programa concede também o apoio a atividades esportivas e culturais da ilha, como o Grupo Cultural Dona Nanete, Grupo Maracatu Nação Noronha e a Associação de Surf de Fernando de Noronha. Esta última abrange a Escolinha de surf para crianças, em que a equipe do projeto vê mais uma oportunidade de inserir conteúdos voltados à conservação ambiental. “Conseguimos, em uma atividade prática, introduzir assuntos teóricos, como a conservação dos oceanos, por exemplo. São sementes que plantamos nessas crianças”, destaca a coordenadora.
A FORÇA DA SUSTENTABILIDADE
Um dos fatores essenciais para uma gestão ambiental positiva é a prática da sustentabilidade. Os pesquisadores do PGR acreditam que só é possível harmonizar a relação do ser humano com o meio ambiente, colocando em prática ações sustentáveis que visam à redução da pegada ecológica de ilhéus e turistas em Noronha. Essas práticas tiveram início dentro da própria sede do PGR, e hoje são levadas a outros setores da ilha, como o de hospedagem, por meio de consultorias gratuitas em gestão sustentável. “Criamos em nossa sede mecanismos sustentáveis: construímos janelas maiores, que permitem maior entrada de luminosidade; nosso telhado é reaproveitado de embalagens Tetrapak – a água da chuva é recolhida em cisterna e utilizamos placas solares para captação de energia”, descreve Medeiros. O resultado foi tão positivo, que o projeto arquitetônico da sede do PGR, desenvolvido de acordo com o conceito de arquitetura sustentável, recebeu, em 2006, o Prêmio Procel (Programa Nacional de Eficiência Energética em Edificações), um dos mais respeitados no setor de energia sustentável.
Levando adiante tais práticas, a equipe do projeto aborda, dentro das consultorias, temáticas como a gestão do uso da água e do consumo de energia, descarte de resíduos sólidos, insumo, turismo sustentável e outras. Cynthia Gerling alega que o retorno dessas empresas é sempre positivo. “Os empresários identificaram desperdícios em vários setores de suas gestões e notaram que de fato economizaram dinheiro ao adotar práticas sustentáveis”, afirma a educadora. Para ela, é uma via de mão dupla – há economia de recursos financeiros e, principalmente, de recursos naturais. “Água, energia, e a matéria-prima de qualquer produto que consumimos tiveram sua extração na natureza e de recursos naturais. Ao ser sustentável, você economiza recursos financeiros e poupa recursos naturais. É o casamento perfeito”. Assim, o projeto que tem como maior objetivo estudar e proteger os golfinhos ajuda também a preservar o meio ambiente e a melhorar a vida das pessoas. E nesse lugar de beleza única que é Fernando de Noronha.