ENTREVISTA: Edson Aran, escritor, roteirista e editor da Playboy Brasil

Por André Porto / Fotos Divulgação

Edson Aran é um cara simples de gostos sofisticados, até por conta da função que hoje exerce. Conhecido mais por ter o “emprego dos sonhos” ao comandar a famosa edição da PLAYBOY no Brasil, Aran vai muito além do que isso, e mostra nesse descontraído papo quem é (um pouco) o homem por trás do coelho da PLAYBOY. Um jornalista por vocação, um humorista por paixão e cartunista por dádiva.

Aran, seu começo foi pelos livros de humor, pelas revistas masculinas ou pelos traços dos cartuns?!

Foi tudo junto. Fiz o Curso Abril de Jornalismo e comecei a trabalhar como trainee na Contigo! mas ao mesmo tempo, já publicava meus cartuns no “Pasquim”. Já era o final do “Pasquim”, o jornal estava meio morto-vivo e publicava qualquer coisa, até os meus cartuns. Eu levei essa vida dupla durante muito tempo, trabalhando como jornalista e fazendo humor no paralelo. Fiz uma coluninha de humor na Istoé, escrevi na AZ (que era uma revista muito bacana de SP), enquanto continuava trabalhando na Contigo! Até que decidi que o humor era parte integrante do pacote e que não ia fazer jornada dupla, mas juntar as duas coisas numa carreira só. Mas isso só aconteceu de verdade quando entrei na VIP, na virada dos anos 90 para 2000.

Depois de passar por tantas revistas, hoje você está a 4 anos na direção da PLAYBOY. É muito complicado fazer revista masculina hoje em dia? Quais as maiores dificuldades?
A PLAYBOY é a maior revista masculina brasileira e a segunda maior PLAYBOY do mundo, atrás apenas da edição americana. Ou seja, não é fácil fazer a PLAYBOY, nunca foi e jamais será. Mas hoje o que mais pega é a pirataria na internet, que afeta dramaticamente as vendas. As fotos são roubadas todos os meses e os ladrões – sim, são todos ladrões, a palavra é essa – sabem que vão continuar impunes. A internet é um território selvagem e sem lei no mundo inteiro. Mas no Brasil, o país do jeitinho e da impunidade, a coisa é incontrolável. Este ano, a PLAYBOY está vendendo muito bem, obrigado, mas a circulação vem caindo dramaticamente nos últimos 10 anos. Vamos reverter a tendência em 2010 e esperamos manter o crescimento em 2011, mas jamais voltaremos ao patamar de vendas que tivemos em 2000, 2001. Se a Justiça brasileira não agir para defender os direitos autorais, muitas editoras – e até emissoras de rádio e TV – não conseguirão sobreviver no futuro.

Ser diretor de redação da PLAYBOY Brasil é o melhor emprego do mundo? Qual o ônus e o bônus disso tudo?
Eu me divirto muito, mas, obviamente, também tem o lado pedreira. Ao contrário do que acontece em todas as revistas do país, a capa da PLAYBOY é fruto de uma negociação financeira. Você não pode simplesmente escolher um assunto de dentro da revista e produzir uma capa, como acontece numa publicação “normal”. Eu brinco que um dia quero ser editor da “Vida Simples”. E aí o que vamos por na capa este mês? Uma torneira, uma folha seca ou um chinelo de dedo? Mas é piada, claro. Fazer a “Vida Simples” também não deve ser simples. Toda revista tem as suas complicações e a coisa só parece fácil para quem está de fora.
Você como cara antenado em tecnologia e como diretor de revista e escritor de livros, acha que livros e revistas estão com os dias contados, principalmente agora com o iPad?
Mais ou menos. A revista em papel não vai acabar, mas terá de mudar. As revistas do futuro serão mais bem impressas, terão papel melhor (com certificado ecológico) e muitos truques gráficos (dobraduras, recortes, essas coisas), que as tornem únicas, exclusivas e colecionáveis. No I-Pad, as revistas terão obrigatoriamente vídeos, músicas e animações. Ou seja, a experiência de leitura será completamente diferente nos dois meios, cada um com suas especificidades. O I-Pad não vai acabar com a versão impressa da revista, assim como a TV não acabou com o rádio e nem a internet acabou com a TV. Eu era cético em relação ao I-Pad, até que vi o aplicativo da DC Comics. Ler quadrinho no I-Pad é muito melhor do que no papel! Você pode ver um quadrinho por vez, a leitura vira quase uma animação! Minha coleção de quadrinhos, que é enorme, vai parar de crescer fisicamente quando eu tiver o meu I-Pad, pode ter certeza. Mas eu não vou abrir mão das edições em capa dura dos meus quadrinhos favoritos.
Depois de sete livros lançados, como você se avalia como escritor? E como o mercado te recebe?
Na verdade, são cinco. Sei lá, não sou exatamente um escritor, mas, por enquanto, apenas um jornalista que escreve livros. Todos os meus livros foram bem recebidos pelos colegas. O “Conspirações”, que é o mais bem sucedido, vendeu mais de 20 mil cópias e está na terceira edição. Quer dizer, tem dado certo. No futuro, quem sabe, talvez eu vire escritor em tempo integral. Mas mesmo que isso aconteça, jamais abandonarei o jornalismo – vou dar um jeito de manter um pé na imprensa, seja escrevendo colunas, fazendo cartuns ou entrevistando pessoas, sei lá.
Seu mais recente livro, o “Delacroix Escapa das Chamas“, é uma ficção científica cheia de figuras comuns das cidades grandes e fatos de telejornais misturado com muito humor. De onde vêm idéias como essa? É seu melhor livro?
É meu melhor livro sim. Pelo menos até eu escrever o próximo. Bem, todo escritor escreve sobre o que vê, o que o incomoda, o que ele conhece. O “Delacroix” é sobre São Paulo, sobre viver numa cidade em que as pessoas têm medo de andar na rua e por isso se isolam em condomínios fechados e shopping centers. Eu odeio shopping centers, esses malditos quadrados de cimento. O personagem do livro é um crítico de arte picareta chamado Wagner Krupa que, na tentativa de ser mais esperto que todo mundo, acaba se metendo num monte de confusões e quase sempre se dá mal. O livro é uma extrapolação do mundo de hoje, ou seja, um mundo dominado pelo terrorismo fundamentalista, pela corrupção, pela burocracia e, principalmente, pelo medo. Quer dizer, a idéia veio da própria cidade de São Paulo, onde eu vivo, que é, de fato, a personagem principal do romance.
Em “Conspirações” você cita fatos que não querem que saibamos. Ele é todo baseado em mitos e lendas ou tem algo de real? O que não querem que saibamos, por exemplo?

Que um consórcio de alienígenas controla o mundo com a ajuda de organizações secretas como a maçonaria, a CIA, os homens de preto e o Priorado de Sião. É lenda? É real? Isso importa? Se alguém inventa uma conspiração é certamente por algum objetivo obscuro, certo? Se o objetivo é obscuro, então a invenção da conspiração falsa é sim si uma conspiração, não é? Ou seja, toda conspiração é verdadeira, inclusive as falsas. O segredo é descobrir quem está conspirando contra quem – e porquê.

Observando os títulos dos seus livros, dá pra ver que você curte além de humor, ficção científica e um terror mais trash, com zumbis e mortos-vivos. É sua preferência cinematográfica? Quais gêneros você curte no cinema?

Eu gosto de filme bom, então vejo tudo. Tenho uma boa DVDteca (DVDteca?), mas gosto muito de humor e filme B de um modo geral. Por quê? Porque o filme B muitas vezes pode ir muito mais longe do que o cinemão blockbuster, que tem que agradar todo mundo e, por isso mesmo, é mais burro e corre menos riscos. Eu não tenho dúvida, por exemplo, que “30 dias de noite” é muito melhor que “Eu sou a lenda”, só pra citar dois exemplos lançados no mesmo ano (2007). Ou que “Cloverfield” é melhor que “2012” (ambos de 2008). Agora, morto-vivo é outra história. Qualquer filme com morto-vivo é melhor do que qualquer filme que não tem morto-vivo. Por exemplo, esse filme do Arnaldo Jabor, “A Suprema Felicidade”, seria muito melhor com mortos-vivos. Até “Casablanca” seria melhor se tivesse mortos-vivos. Até a Trilogia do Chefão fica melhor com mortos-vivos. Qualquer filme fica melhor com mortos-vivos.
O escritor Edson Aran sofreu influências literárias de quem? Quais são seus autores preferidos?
De uma cacetada de gente. De todo mundo do “Pasquim”. Do Millôr Fernandes. Do Douglas Adams. Do Borges. Sei lá, muita gente. Já os autores preferidos costumam mudar, mas acho que dá pra dizer Jorge Luis Borges, Don De Lillo, Martin Amis e Alan Moore (que é, talvez, o maior escritor de quadrinhos de todos os tempos).
E seu traço rascunhado dos cartuns, veio de onde? Da época gloriosa do Pasquim?
Não propriamente do “Pasquim”, mas do Henfil. Meu traço é meio Henfil, meio Harvey Kurtzman (criador do “Mad” e escritor de Aninha Bonita e Gostosa), com umas pitadas leves de Jules Feiffer. Todos eles são ótimos desenhistas e têm um traço caligráfico, rápido, meio esboçado.
No humor você prefere crítica política ou crítica social?
Escrevo sobre política no meu site (www.sitedoaran.com.br), mas acho toda essa gentalha um horror. Agora, não dá pra evitar: tem que falar.
Falando em política, você acha que a falta de referencial político é a razão para o desinteresse de parte da população por eleições como essas de agora?
Acho que é fruto do desinteresse pelos candidatos, um banana oposicionista e um poste governista. Além disso, o lulismo estimula a alienação. Quando o Lula desacredita a imprensa, desacredita a oposição e também a história pregressa do país, ele está, na verdade, sufocando o debate e desqualificando a crítica. Há um voto no lulismo que é ideológico, claro, mas há também o voto alienado, que raciocina na base do “deixa o pessoal ficar aí roubando, porque pelo menos o país está indo bem…” Agora, a culpa é da oposição, que passou os últimos oito anos escondida debaixo da mesa. Então agüenta. Política é uma coisa chata mesmo, daí o desinteresse geral pelo tema. Mas quem não se interessa por política acaba governado por quem se interessa. Esse é o problema.
Vivemos uma época de imbecilismo (título de outro livro) por parte da mídia de massa? Ou já estivemos piores?
Nem pior, nem melhor. Toda época tem seus picos e seus vales. Como leitor, eu gostaria de encontrar leituras melhores nas bancas e nas livrarias. Mas está difícil.
Quais as qualidades essenciais de um homem hoje em dia?
E eu sei lá?! A pergunta é muito difícil.
Hoje em dia o que é mais difícil para um homem superar, uma traição, uma separação ou uma má aplicação financeira?
Embora não tenha passado por isso, tenho a impressão de que é uma separação. A traição pode levar à separação, então acho que acaba sendo uma coisa só. Já a má aplicação financeira é decorrência da má gestão dos investimentos. Todo mundo que tem algum pra investir sabe que o negócio é diversificar.
As mulheres de hoje são independentes financeiramente, vão à caça com as amigas à noite e fazem sexo sem compromisso. Em alguns casos os papéis se inverteram. O homem perdeu o posto de provedor, caçador e condutor da situação. Você acha que isso tudo afetou o homem de que forma?
Afetou profundamente e continua a afetar. A mulher ganhou o direito de votar em 1932 (1932!) e o país já tem uma presidenta! As mulheres entraram no mercado de trabalho durante a Segunda Guerra Mundial, ou seja, praticamente ontem. As mudanças foram muito rápidas. O homem ainda está se encontrando e tentando se posicionar neste mundo novo. Vamos falar de cultura pop. Veja “Sex and the city”, por exemplo. São quatro mulheres fúteis que só pensam em comprar e trepar. Se a série fosse estrelada por quatro homens, seria considerada machista, chovinista e o cacete. Mas como é com quatro peruas, todo mundo acha chique. Veja “The Big Bang Theory”, por exemplo. Quem é o “macho alfa” da série? A garota! Os caras são uns bananas! Veja “Cougar Town”, que é a história de uma velha assanhada que fica correndo atrás de garotos. O que aconteceu com o mundo? Quando foi que o planeta ficou de cabeça pra baixo?! Como eu acredito em teorias conspiratórias, atribuo tudo a uma maligna conspiração feminista-viadista-internacional. E você ainda pergunta se isso afetou o homem? É claro que afetou! Você não está vendo como esta resposta foi afetada?
Está na moda famosas tirarem a roupa para livros e revistas de arte, e anônimas para books particulares. Você acha que as mulheres voltaram a tirar a roupa por razões libertárias? Por conta dessa independência e autoconfiança?
O mundo ficou muito conservador nos anos 80, basicamente por causa da disseminação da AIDS, mas também devido à chegada de vários direitistas ao poder no primeiro mundo (Reagan, Tatcher…etc), que acaba influenciando o resto do planeta. Isso somado ao “politicamente correto” e ao fundamentalismo religioso deu num mundo conservador, careta, chato. Mas toda onda conservadora traz, em sim, a semente da onda libertária, que naturalmente a segue. Acredito que estamos começando a viver os primeiros momentos de uma nova onda liberal (não no sentido econômico, de comportamento mesmo), daí as fotos de nudez voltarem às revistas de moda, que são lançadoras de tendência. Claro que minhas previsões podem estar totalmente erradas, mas ninguém vai se lembrar delas mesmo.
“O homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute. Então o homem comum elege o tolo e o sábio não consegue arrumar emprego.” Você se vê como o sábio, o tolo ou o homem comum?
Não sou tão esperto pra ser tolo e nem tão obtuso pra me considerar um sábio, então sobra o homem comum.