MENSCH ENTREVISTA: Edson Rossi

Ser consagrado um grande profissional não basta apenas ser graduado nas melhores universidades e ter os maior número de prêmios. Requer acima de tudo coisas básicas como carisma, simplicidade, humildade e saber ouvir o próximo. São essas características todas que fazem do jornalista Edson Rossi um dos maiores profissionais do mercado editorial nacional. Elogiado por diretores e leitores, Rossi tem feito uma trajetória de sucesso por onde passa. Entre novos amigos (e admiradores) e novos projetos, como a atual direção da revista Riders, Rossi é um dos nosso eleitos como exemplo de homem MENSCH. Acompanhe nossa conversa com esse cara admirável e também vire fã.

Edson, você está formado em jornalismo há mais de 24 anos, já trabalhou como assessor de imprensa trabalhou em jornal, revista feminina, lecionou… Resume um pouco pra nós esse seu início de carreira.
Nasci em Santo André (18/3/1966) e me formei em jornalismo em 1987, pela Metodista. Um ano antes (1986), aos 20 anos, comecei a trabalhar na área como estagiário da assessoria de imprensa da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. O secretário era o José Serra, logo substituído pelo Clovis Carvalho. O governador era o Orestes Quércia. Mas eu era o último da assessoria, não tinha nenhuma ligação política ali. Fiquei um ano na assessoria. Aí fiz o Curso Abril de Jornalismo, na virada de 1987 para 1988. Fui da revista Placar (88-90), do Jornal Diário do Grande ABC (90-97), do Jornal de Economia DCI (93-94), editor de projetos especiais da revista Caras (97-00), redator chefe da Ação Games (00-01) e dafeminina Elle (01-03), diretor de redação das revistas Contigo! (03-06) e da Vip (06-07). Saí da Abril em 2008 e lancei a revista Fut! (do Jornal Lance, em 2008), estive diretor de conteúdo do portal Terra (08-10). Aí cheguei à Riders, no meio do ano passado.

Você uma vez criticou a mídia eletrônica por não conseguir ser isenta dos interesses públicos/políticos, já que depende de concessões públicas. Ano passado na campanha política à Presidência a imprensa foi acusada de falar demais chegando a incomodar o governo. Você ainda concorda com seu depoimento anterior?
O que penso é que TVs e rádios são concessões públicas e evidentemente seus concessionários podem relutar antes de criticar uma instituição de estado. Afinal, por menor que seja a probabilidade, existe o risco de a concessão ser tomada. Mas mais que a concessão ser tomada ou não, critico a qualidade. A gente não pode imaginar que toda emissora de TV do país é a Globo que vemos no Rio ou em São Paulo, uma máquina profissional. A maioria não é assim. Há inúmeras retransmissoras locais, com programação local, na mão de políticos. Nem todas são ruins, claro, e tem umas com excelente serviço, mas não acho exatamente saudável tanto político dono de meios de comunicação. Sobre as críticas à imprensa no processo eleitoral, me parece natural. É do DNA de quem ocupa cargo público reclamar da imprensa. Reclamar pode, censurar não pode. Parto do princípio de que se estão reclamando da imprensa é que a imprensa está incomodando, e isso é o papel principal dela.

A imprensa de hoje está caminhando para uma independência maior? Está mais fiel aos seus princípios jornalísticos de informar à população a verdade dos fatos?
Hummmm… Esta resposta pede umas 12 horas de conversa, metade num bar. Sou professor de jornalismo há 14 anos e uma das minhas aulas iniciais é falar sobre o que é verdade factual e verdade absoluta. Sobre a diferença delas. Para mim, a qualidade da imprensa é cíclica, melhora e piora. Mas ao longo de uma observação histórica, ao longo de anos, eu acredito que ela esteja melhor do que estava. Não sou saudosista, ou um tipo de velhote que fica repetindo que tudo antes era melhor. Com relação à independência, a web ampliou muito esse debate e as possibilidades de um jornalismo mais independente – e nem vou falar de wikileaks.

Você trabalhou em revistas para públicos variados, do feminino ao masculino, do jovem ao adulto. O que essas experiências tão opostas acrescentaram, ou mudaram, no profissional que você é hoje?Fundamentalmente aprendi três coisas. A) Não importa qual o seu público, ele merece o maior respeito. B) A cadeira do outro não tem

menos espinhos que a sua. C) A ser uma pessoa menos intolerante e menos preconceituosa.

Existe muita diferença em comandar uma revista feminina como a Elle e uma revista masculina, como foi o caso da VIP na Editora Abril e a Riders hoje em dia? É mais fácil fazer revista para homens?É mais difícil fazer revista para homens, porque o mercado de revistas femininas – com ressalvas, claro – é um mercado mais maduro, mais profissional, mais consistente. Desde que nasceram as revistas essencialmente masculinas, no fim do século 19, elas se baseiam na fórmula humor+mulher+serviço. Com exceções de sempre, a revista masculina é baseada na fórmula outdoor (as pautas falam do que fazer fora de casa) e as femininas são baseadas na pauta indoor (são pensadas para deixar a mulher em casa). As femininas, no entanto, mudaram (e continuam mudando) mais, segmentando mais. As maiores revistas do Brasil em receita publicitária e circulação são femininas, e não masculinas. Isso diz muito.

Por falar em Editora Abril, você trabalhou lá por oito anos até ser demitido em 2007 de surpresa. Ficou algum ressentimento? Faria algo diferente?
Na verdade, no fim de 2007 eu fui desligado do cargo de diretor de
redação da Vip, onde estava havia quase dois anos. Mas continuei na Abril por mais um ano, antes de sair (a pedido) para dirigir o Terra. Por favor, só digo isso para contar como foi, não tenho vergonha de demissão. Já tive três profissões (em engenharia, dando aula, como jornalista) e já fui demitido nas três. Por isso, nenhum ressentimento em relação à Abril. Pelo contrário. É uma das maiores escolas de revistas do mundo, lugar em que o lema fazer benfeito (ficou horrível escrever benfeito com a nova ortografia) vem acima e antes de tudo.

Depois dessa experiência toda em uma das maiores editoras brasileiras, você foi trabalhar numa editora menor. Dá pra fazer um trabalho de qualidade independentemente do porte da editora? Quais os principais pontos contra e a favor?
Dá para fazer de um bistrô o melhor restaurante do mundo? Ou dá para fazer de um bistrô um grande restaurante? Tem gente que responderá sim, tem gente que responderá não. Eu sou dos que
responderá sim. Mas é claro que uma máquina poderosa tende a ajudar. Eu diria que uma revista nota seis numa editora grande tende a se dar melhor que uma revista nota nove numa editora pequena.

A favor, numa grande editora, está a máquina: produzir, distribuir,
vender (em banca e publicidade), tudo isso funciona melhor em um lugar maior. Mas tem o outro lado. Numa editora menor, a favor está o fato, por exemplo, de que consigo aplicar técnicas de edição que poucas editoras grandes têm tempo de conhecer, adotar, incluir na máquina (por ser muito grande).

Como você vê o panorama editorial das revistas masculinas nacional atualmente?
Fiquei empolgado com o lançamento de Alfa e estou ansioso com o da
GQ. Espero que ambas possam ser feitas com qualidade para que o
mercado avance. Estamos muito atrás.

Nos últimos anos novas publicações surgiram para esse tipo de público. O mercado tem reagido bem mesmo com os avanços da internet?
Se houver conteúdo inteligente e de qualidade não há o que temer. Agora, se a fórmula for piadas rasteiras + mulheres sem graça, ou mulheres rasteiras + piadas sem graça, ganha a internet. Além disso, dá para fazer conteúdo de qualidade, com técnicas de edição de revista, na web. Vocês são exemplo disso. Fazer revista é um jeito, não uma mídia (offline x online). E não podemos tirar da equação os aplicativos. Tablets têm a portabilidade que até aqui só as revistas tinham. Então, fazer no papel terá de ser enxergado de outra forma, terá de ser incorporado a esse fazer do mundo dos tablets

Hoje você está no comando da Riders, uma revista masculina para amantes de motos. Como está sendo essa nova experiência? Como surgiu o convite?
Surgiu em junho. Comecei em julho e minha conversa inicial com o Alfredo Nastari (publisher e dono da Nastari Editores, que edita Riders no Brasil) foi fazer o lançamento da versão brasileira. Gostei da proposta, da revista e da possibilidade de lançar algo de altíssima qualidade. É bom fazer coisas com pauta criativa, gramatura boa. (risos) Hoje fazemos uma revista que trabalha técnicas avançadas de edição. Praticamente não temos quebra de parágrafo entre as colunas – e nunca quebramos parágrafos entre as páginas. Isso cria harmonias, um “nível inicial de leitura” que mistura design, percepção, conforto… E isso é só um exemplo. Temos regras avançadas também para textos e fotos, coisas que somente ficam na percepção do leitor, mas que ajudam a deixar a revista benfeita.

Quais os grandes atrativos e diferenciais da Riders? Qual o perfil da revista?
De certo modo, Riders está para as motos de alta cilindrada como a
Trip está para o surfe. Não dizemos que é uma revista de moto. É uma revista de estilo, uma masculina.

O público de Riders é masculino, com 28 anos ou mais, que se relaciona com o universo das motocicletas de alta cilindrada. É um cara bem resolvido, que curte o consumo, mas com estilo, assim como se preocupa com o consumo responsável; um cara que busca a felicidade profissional, mas sabe que acima disso estão sua família e seus amigos…

Todo esse pacote é envolto com um design inovador em nosso mercado. Toda edição temos fotos diferenciadas. Nossa moda também está um ponto ou mais acima do nível médio de informação. Não damos o conjuntinho padrão do que vestir damos uma foto de um cara de bermuda estampada com um blazer estilosíssimo de linho com um cadarço amarrado na manga. É uma informação mais refinada, não é manual, do tipo A + B e vá para a rua.

Muitas vezes dizemos para o cara que está com a pauta fotográfica ou de texto: faça o que quiser, voe, e o cara não voa. A gente vive reclamando de revistas que não dão espaço para a criatividade, para o fazer diferente, e quando essa liberdade aparece a gente faz o by the book. Esse é o nosso desafio: saber criar com a liberdade que Riders traz sem que seja algo inconsequente, sem que seja o criar por criar. Queremos o diferente sem perder a função maior de uma revista: informar e entreter. Isso vale para toda a revista, todas as seções.

Você curte motos? O que curte fora jornalismo?Estou na base da linha de corte da Riders: há cinco anos tenho uma Shadow (600cc) com pintura personalizada. É minha primeira – e até aqui única – moto. Curto muito, mas curto mais gastronomia e viagens (acabo de voltar da Síria). Curto mais literatura (livros de reportagens, em especial). Curto o Palmeiras (mais do que deveria, eu acho).

Soube que você partiu para o jornalismo para ficar mais próximo do cinema, outra grande paixão. O que você mais gosta em cinema, de ver e fazer pelo cinema?
Já fui bem mais consumidor de cinema. Só para disparar uma metralhadora diria que adoro Sergio Leone, Michael Hanecke (“Funny Games” e “Cachê” me impressionaram), Barbara Stanwick, Gary Oldman, “M, o Vampiro de Dusseldorf”, cinema francês, mas não do iraniano… Fernando Meirelles é para mim um divisor de águas. Não gosto de comédias. Em geral, acho o humor nosso (e aqui nem falo de cinema) muito ruim para tamanha pretensão. E para qualquer pessoa sempre recomendo “12 Homens e uma Sentença” (que não é western, claro) e “O Bom, O Mau e O Feio” (que é western spaghetti, claro).

Você continua lecionando? Como mantém essa troca de informação e experiências que o bom jornalismo e redator-chefe requerem?
Dou aulas há 14 anos. Como não fico lá falando da minha vida, sou forçado a preparar as aulas. Logo, sou obrigado a estudar. Isso faz com que obrigatoriamente veja mais coisas do que a maior parte das pessoas que só está na redação.

Por falar nisso, que livros você está lendo e que livros
indicaria nos dias de hoje?

Acabei “Uma História dos Povos Árabes”, de Albert Hourani, e estou terminando “Como Fazer Inimigos e Alienar Pessoas”, de Toby Young, jornalista inglês que conta suas experiências na redação da Vanity Fair. Indicações não tão recentes, mas vale garimpar e achar, além de “O Reino e o Poder”: a) “Gostaríamos de Informá-los de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias”, de Philip Gourevitch, sobre o genocídio em Ruanda; b) “No Coração do Mar”, de Nathaniel Philbrick, sobre o naufrágio do barco que inspirou Moby Dick; e c) “O Estranho Caso do Cachorro Morto”, romance escrito pelo olhar de um menino autista, de Mark Haddon.

O que é mais difícil entender a cabeça de uma mulher ou agradar a um leitor?
Agradar um leitor.