CINEMA: PEDRO GUI – DIRETOR DO DOCUMENTÁRIO “ROGÉRIA – ASTOLFO” NOS LEVA A PENSAR SOBRE PRECONCEITO

 

Uma câmera na mão e mil ideias na cabeça, é o que geralmente se fala sobre algum direto de sucesso que acaba de ser elogiado pelo seu trabalho. É o que acontece com Pedro Gui, carioca, 32 anos, Pedro é sócio diretor da RodaFilmes, no Rio de Janeiro, com formação na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, em 2013. Pedro dirigiu o documentário “Rogéria – Senhor Astolfo Barroso Pinto”, que recentemente levou três prêmios no Festival DIGO, em Goiânia, além de ser vencedor de vários prêmios Documentary Award Director Recognition no Los Angeles Brazilian Film Festival. O documentário narra a trajetória de um dos ícones culturais e do transformismo brasileiro em plena época de maior repressão política no país tem estreia prevista para esse semestre nos cinemas brasileiros.

Pedro, inevitável não começar com essa pergunta… Como chegou até suas mãos esse projeto do documentário sobre Rogéria? Eu e Rogéria éramos vizinhos, no Leme, e nos conhecemos lá em 2014. Começamos com uma conversa informal, e depois de alguns minutos tive certeza de que faria o documentário sobre a vida dela. Sua história ficou martelando na minha cabeça, tudo o que ela havia passado, tudo o que ela defendeu e as causas pelas quais lutou com tanto amor e alegria. Fiz a proposta dias depois, e ela aceitou. Como no momento estava muito envolvida com outros trabalhos, continuei estudando a vida dela e cada vez mais me encantando, até que em 2016 demos início à produção do documentário.

Da ideia inicial até a finalização quais as maiores dificuldades encontradas ao longo do percurso? Tivemos vários acontecimentos inesperados durante a produção do filme. O maior deles foi o falecimento de Rogéria/Astolfo. Nós já estávamos no meio do processo de execução, e isso mudou totalmente a arquitetura do filme – foi o que nos fez trazer a parte ficcional para o documentário. Outro grande desafio foi a busca pelas imagens e vídeos de arquivo, alguns foram bem difíceis de achar.

O filme nem estreou nas telonas e já foi premiado em festivais como o de Los Angeles e Goiás. Esperava por isso ou foi uma grata surpresa pra você também? O que representa isso? Foram gratas surpresas sim. O filme ter sido premiado demonstra muito do carinho que o público tem com Rogéria e a confirmação de que fizemos um trabalho digno e honesto sobre a história dessa pessoa incrível. Costumo dizer que faltam filmes sobre nossos “heróis” e “heroínas”, pessoas reais que lutam ou lutaram por nós. Pra mim, Rogéria é uma dessas pessoas.

Filme premiado não é garantia de boa aceitação do público ou já é um bom começo? Acredito que filme premiado atraia muita atenção das pessoas do meio, como críticos, cinéfilos, estudantes de cinema, etc. Mas meu palpite é que o que vai levar a maior parte das pessoas ao cinema para ver este filme é a própria Rogéria, o carisma e humor dela que o Brasil todo sabe. No filme isso é muito evidente, muito gostoso de ver, mas o bacana é que aprofunda também em narrativas dela que poucas pessoas conhecem.

Acha que o “pré-conceito” pode não levar alguma pessoas às salas de cinema? Como você vê isso? Não acredito que o preconceito irá limitar as pessoas de irem ao cinema, talvez a falta de costume de assistir a documentários seja algo mais relevante. Rogéria transitava muito bem por todos os meios – ela conseguia que públicos diversos se abrissem para ela –, o que potencializa o filme e a informação que ele passa. Já conversei com pessoas que se assumem preconceituosas e que, ao verem o filme, me disseram coisas como: “preciso ir para casa e refletir, estou bastante confuso; percebo que estava equivocado”. O filme passa sua mensagem de forma amorosa; era também assim a luta da Rogéria.

Por que em uma época de tanta abertura as pessoas são mais preconceituosas ainda? Não acredito que as pessoas se tornem mais preconceituosas em épocas de abertura, acho que elas só se tornam mais “visíveis”. É como se colocássemos uma luz sobre o que era escondido, e realmente levamos um susto ao perceber tantos preconceitos guardados. Mas, por outro lado, quanto mais luz (informação) jogarmos, mais dissolveremos os preconceitos na nossa sociedade. É tempo de mudança. E escolho acreditar que estamos mudando para melhor.

Muitas vezes é mais fácil colocar culpa no governo, na sociedade ou no outro do que assumir seu próprio preconceito? Nossos preconceitos são geralmente em relação a algo que desconhecemos; por desconhecer, temos medo e, por medo, repelimos. Acredito que a responsabilidade pessoal seja o caminho para que cada um de nós evolua, para termos mais compaixão e empatia pelo próximo. Entendendo que somos todos um só corpo viajando pelo universo.

Formado pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro, como você vê o mercado atual de produções cinematográficas no Rio de Janeiro (sua cidade) e no Brasil? Estamos passando por um momento de transição de governo e mudanças de leis. Mas não podemos deixar de lembrar, e isso é indiscutível, que o audiovisual gera milhares de empregos e movimenta de forma expressiva a economia brasileira. Além de, é claro, ser ferramenta de expansão da nossa Cultura e, consequentemente, canal para a Educação. Independente dos próximos passos, acredito que o cinema nacional vai continuar crescendo, pois somos uma indústria viva e potente, com talentos inquestionáveis já há tanto tempo sendo reconhecidos em tantas partes do mundo. Não valorizar nosso Cinema seria retroceder.

Na América Latina quem se destaca mais? Na América Latina, no meu ponto de vista, o país que mais se destaca é o México – com diversos diretores premiados pelo Oscar e um número enorme de atores com destaque mundial.

O que te move, te provoca mais na tua profissão? O que me move na minha profissão é poder levar informação para as pessoas, mostrar através do amor e da arte novos paradigmas, possibilitar que as pessoas pensem e repensem sobre suas vidas e sobre a sociedade.

O que podemos esperar de “Operação Coiote” e “Quero Me Curar de Mim”, seus próximos projetos? Os dois projetos são muito diferentes um do outro. “Operação Coiote” é uma comédia policial, um filme que quer trazer entretenimento inteligente para o público, é muito divertido, leve. Já o “Quero Me Curar de Mim” é um documentário profundo que revisita os velhos e apresenta um novo paradigma para a sociedade – o qual pode ser a solução para diversas doenças da sociedade moderna, como ansiedade e depressão, por exemplo. O que se pode esperar dos dois projetos é que serão filmes de alta qualidade e feitos com muito amor e carinho. Procuramos compartilhar de forma empática nossa arte com o público.

O que te distrai na hora de assistir algo? É muito crítico? Adoro filmes biográficos, séries de ação, filmes psicológicos. Meu estudo muitas vezes é feito assistindo a filmes, então realmente se torna menos uma distração e mais um aprendizado – o que não deixa de ser muito divertido. A construção do meu senso crítico está muito ligada ao que assisto.

E para relaxar um bom… Pra relaxar, uma boa meditação.