Em meio a essa pandemia que assola o Mundo por conta do coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19, uma medida radical foi tomada, o isolamento social. Se dizem que o remédio muitas vezes é pior que a doença, talvez para muitas pessoas seja. Mas é necessário para se conter a propagação da doença e manter o máximo de pessoas com saúde. Mas e como fica a saúde mental diante de tantos dias privado de sua liberdade e confinados em casa? Para muitos isso tudo é levado numa boa, para outros tudo isso tem gerado questionamentos e sentimentos que levam a ansiedade e até depressão. O sentimento de solidão forçada faz aflorar esses males tão atuais em dias de hoje.
Para tentar entender melhor e de certa forma prestar serviço a quem tem passado por dias de altos e baixos por conta do confinamento, a MENSCH conversou com Rodrigo Marques, médico psiquiatra com residência pelo HC-UFPE. Atualmente cursando o programa de doutorado em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela UFPE, ele exerce a função de preceptoria na formação de residentes em psiquiatria no HC-UFPE e Hospital Ulysses Pernambucano. Faz parte da equipe da Singular Psiquiatria e Neuromodulação, onde atua como psiquiatra clínico e pesquisador. Além de ser integrante da atual diretoria da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria. Bem, pelo que puderam perceber pelo histórico de Rodrigo, é a pessoa ideal para conversamos sobre isolamento social e males como ansiedade e depressão, e claro, como superar tudo isso com a mente em ordem.
Rodrigo, em tempos de quarentena quais as questões (ou inseguranças) mais comuns que costumam surgir? No contexto atual, considerando a pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19, uma das preocupações mais marcantes tem sido o medo causado pela doença, seja em relação a si ou aos outros: intensa preocupação acerca de contaminação, adoecimento ou morte, particularmente envolvendo os familiares mais próximos.
Um outro grupo de questões se referem às mudanças que a COVID-19 está provocando no funcionamento da nossa sociedade, englobando tanto a dificuldade de adaptação para um cotidiano diferente, como também as incertezas sobre como será nossa vida no futuro próximo do ponto de vista profissional, financeiro, acadêmico, etc. A expectativa sobre o que irá ocorrer em um cenário pouco definido provoca grande angústia e é potencializada pelo fato de ser algo que estamos vivenciando não apenas individualmente, mas vemos ocorrer de forma coletiva.
Com o progredir da pandemia iremos cada vez mais encontrar ainda outro grupo de preocupações, onde se enquadrarão as pessoas que de fato desenvolveram a COVID-19 ou que viram familiares adoecerem de forma grave, experiências possivelmente traumáticas e que em alguns casos podem necessitar de assistência em saúde mental.
A ansiedade fica mais presente em um período como esse. Como evitar ou tentar fugir disso? O momento atual nos trará muitas ansiedades, algumas das quais não poderemos evitar. Em parte, é natural e compreensível que estejamos mais ansiosos, irritados, inseguros ou tristes. Estamos vivendo uma espécie de trauma coletivo que irremediavelmente nos afetará. Aceitar que isso vai acontecer e saber que irá passar já é uma forma de reduzir o impacto.
Em momentos de pico de ansiedade também podemos recorrer a estratégias para manter a calma. Uma delas sugere que precisamos aprender não a evitar ou combater a ansiedade, mas a fluir com ela. Quando sentirmos que ela está excessiva, tentar focar no nosso ambiente presente, olhando, ouvindo, sentindo as coisas ao redor em detalhes e descrevendo mentalmente o que estamos percebendo. Podemos então seguir com alguma atividade da rotina diária, realizada em ritmo mais lento. Na sequência, realizar um exercício de respiração: libere o ar de seus pulmões; inspire contando até 3; prenda um pouco o ar contando até 3; expire lentamente, sem soprar, deixando o ar sair lentamente por sua boca, contando até 6. Ao final, reavalie seus pensamentos de forma racional e traga-os para o presente, a ansiedade tende a gerar pensamentos exageradamente negativos e que antecipam questões futuras que estão fora do nosso controle.
O que ajuda a mente a manter o controle diante de um longo período trancado em casa? Primeiro, é preciso saber que não é o momento de entrar em pânico. Precisamos nos cuidar e cuidarmos uns dos outros. O convívio durante o isolamento pede que tenhamos mais paciência e que tentemos minimizar ambientes conflituosos. É importante focarmos na capacidade de comunicação e de escuta.
Outra dica seria criar um espaço destinado exclusivamente para o trabalho. Tente manter a rotina. Programe seu dia com as atividades que deseja fazer em casa, mas busque também momentos de relaxamento. Meditação e exercícios físicos são importantes e podem ser guiados por aplicativos disponíveis para a maioria dos smartphones. Procure dançar, cantar, jogar com as pessoas que estão com você nesse momento e se programe para ter contato frequente por vídeo com aqueles que estão longe.
Para aqueles com crianças durante o isolamento, é preciso transmitir calma e confiança. Explique o que está havendo de uma maneira que elas possam compreender e reforce que elas estão seguras. Deve-se tentar ter abertura para que elas se expressem e validar seus sentimentos. É interessante se criar uma rotina constante, que incluam atividades de aprendizado e de diversão.
Caso faça acompanhamento com algum profissional de saúde mental, é importante dar continuidade ao processo. Alguns profissionais podem realizar atendimentos à distância para garantir o acompanhamento. Pessoas que usam medicações não devem interrompê-las sem antes falar com seus médicos, assim como não é recomendado se iniciar qualquer tipo de substância por conta própria.
O uso de medicamentos para depressão e ansiedade aumentam durante o isolamento social? É indicado ou deve ser evitado? As medicações usadas para tratamento dos transtornos mentais devem ser utilizadas apenas quando há a presença de um diagnóstico, não para tentar evitar emoções que fazem parte da vida humana. A automedicação é totalmente contraindicada e sempre perigosa. Contudo, sabemos que, no decorrer dos próximos meses, a exposição ao estresse elevado pode causar maior incidência de alguns transtornos, o que precisaria ser avaliado por um psiquiatra ou outro médico para saber se é o caso de se prescrever medicações.
O fato de ser uma pandemia que assola o mundo e pode matar faz criar um medo maior do que realmente merece ser? A verdade é que não temos um bom grau de certeza sobre a proporção que a pandemia pode tomar. Sabemos que é um cenário gravíssimo pelas características que já verificamos em outros países, mas, por ser um vírus novo e que não conhecemos totalmente, é possível que tenham outros problemas derivados da COVID-19 que não estamos vendo ainda. Isso não significa que devemos entrar em pânico ou supervalorizar o medo, mas ter consciência que existe uma ameaça grave e real e que devemos estar alerta e comprometidos em fazer a nossa parte. Não é uma situação que vai se resolver sozinha e que pode ter efeitos ainda não previstos, inclusive no longo prazo.
Dizem que as coisas tem o valor que damos. Isso se adequa ao momento atual? Sim. A atribuição de valor e de sentido é uma das características mais básicas e importantes da mente humana. O valor que damos aos acontecimentos termina sendo um dos principais determinantes para como eles irão nos impactar. Pessoas diferentes passam por situações muito semelhantes e o efeito que isso provoca pode ser totalmente diferente de uma pra outra. Desenvolver capacidade de atribuir valores que sejam realistas e funcionais é um ponto importante para a saúde mental.
O momento de quarentena que estamos passando nos leva a questionar o apego e o desapego a coisas que antes não passavam pela nossa cabeça. É normal? Como isso aflora de formas diferentes nas pessoas? Reavaliaremos toda nossa situação de vida durante o isolamento social. O mundo está sendo mudado em uma escala muito significativa e iremos certamente questionar valores e prioridades a que vínhamos habituados. Os efeitos da pandemia também vão repercutir fortemente em questões socioeconômicas e políticas. A situação irá demandar adaptação em vários aspectos da nossa vida, é provável que tenhamos que repensar nossas relações do ponto de vista social e também em relação a forma como encaramos bens materiais.
A falta de contato físico com as pessoas pode gerar que tipo de sentimento que pode levar a depressão? Como contornar isso? Nosso cérebro evoluiu em um contexto de coletividade e de apego entre indivíduos. Ele precisa de contato para se desenvolver normalmente, sobretudo durante a infância. A falta de contato físico pode trazer sofrimento, mas devemos lembrar que o isolamento social a que estamos nos submetendo não precisa ser um isolamento afetivo. Se não podemos entrar em contato físico como de costume, podemos nos expressar em termos de sentimentos, empatia e demonstrações de afeto para suprir essa necessidade.
Depressão e ansiedade, qual o mais comum num momento desse? Sintomas depressivos e ansiosos podem ser normais em momentos de crise. Principalmente a ansiedade costuma aparecer de forma muito perceptível. Desde de que ocorra de maneira contextualizada (ou seja, como uma reposta proporcional ao que está acontecendo na vida da pessoa) e sem chegar a uma intensidade que provoque perda da capacidade de funcionar, não costuma ser o caso de precisar de atenção médica.
A procura por consultas online aumentaram nessa época de quarentena? Que benefícios pode trazer? Tem sido mais difundido atualmente a possibilidade de atendimento à distância. Existem recomendações para que certas formas de atendimento médico possam ser realizados por telemedicina. A maior segurança para ambos o médico e o paciente seria o principal benefício. Contudo, a telemedicina é uma área relativamente nova que ainda está no processo de ser devidamente normatizada pelos órgãos competentes.
O sentimental se sobressai diante do racional em momento de distanciamento de pessoas queridas. O quanto isso é positivo? Também precisaremos mudar nossa percepção de nós mesmos, passar a entender os sentimentos que vão ocorrer nesse processo de mudança e trabalhar nossas capacidades de resiliência. Será um período desafiador e que exigirá aprendizado. Não existe uma divisão real entre o que é racional e o que é emocional, esses dois aspectos se complementam para que possamos tomar decisões e ter comportamentos adequados, precisamos saber harmonizá-los.
Uma pergunta que muita gente deve estar se fazendo, “o que fazer no isolamento social para não enlouquecer”? Muita gente está ocupando o tempo com atividades domésticas, coisa que não fazia parte da rotina de muita gente. Essa mudança de rotina e hábitos é benéfica de que forma? Estabelecer uma rotina e conseguir focar nisso de maneira positiva é uma das estratégias que vale a pena tentar. Pode ser útil empregar uma atenção contemplativa às tarefas cotidianas, tentando trazer a atenção para o momento presente e para a vivência do agora. Refletir sobre coisas que, fora do isolamento, não costumávamos perceber. Pode ser interessante se informar sobre técnicas de meditação, mindfulness e exercícios de respiração. Tentar manejar o humor também é importante. Evite se entregar a emoções negativas de forma muito duradoura, tente compensar o bombardeio de informações preocupantes dando reconhecimento às coisas positivas que temos na vida. Pense nas coisas pelas quais você sente gratidão. Identifique suas qualidades e pense em como empregá-las no momento atual.
Especialistas afirmam que aprender algo novo nesse período de quarentena é um ótimo exercício para o cérebro. Qual o resultado disso? Sabemos com base em casos de privação social prolongada (como por exemplo condenados que passaram muitos anos em confinamento solitário) que, em casos extremos, podemos desenvolver prejuízos de certas capacidades cognitiva se não tivermos estímulo social apropriado. Também sabemos que um nível alto de estresse por um período longo de tempo causa alterações orgânicas, como a elevação do cortisol e liberação de substâncias pró-inflamatórias. Essas modificações podem causar problemas na função de algumas áreas do cérebro relacionadas à memória, por exemplo. Portanto, a questão de buscar manter a mente ativa e engajada, aprendendo coisas novas, explorando novos conteúdos, manejando a ansiedade e os pensamentos negativos, protege-nos de sofrer esses efeitos e melhora o desempenho de regiões cerebrais que participam das funções cognitivas e regulação das emoções.
Por fim, se não ficarmos todos loucos, sairemos dessa como pessoas melhores? Espero que sim!
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