A trajetória da modelo plus e influencer Aline Zattar é de descoberta e aceitação. Desde o início com ela própria, até a aceitação do mercado de trabalho. Aceitar as diferenças de padrões estéticos talvez seja um dos grandes preconceitos de hoje em dia. E Aline é a prova vida de que é possível sair dos padrões e conquistar o sucesso. Conquistar seu espaço e se tornar referência para pessoas que passam por situação parecida. Aos 35 anos e mãe de dois filhos, Aline Zattar está de bem com a vida e com o seu corpo. Mas nem sempre foi assim. Eleita miss Brasil plus size em 2013, ela nunca mais parou. São campanhas de moda, ensaios fotográficos, palestras e um tempo diário destinado a ajudar às pessoas que estão passando pelo que Aline enfrentou. No mês de combate à Gordofobia, elegemos ela como nossa musa. A ideia é mudar conceitos, aprender sobre as diferenças e valorizar todo tipo de beleza para todos os gostos. E aqui está Aline, nua, linda e determinada.
Aline, como foi seu processo de aceitação do corpo até vencer o Miss Brasil Plus Size 2013? Meu processo de até vencer o Miss, não existia. Eu comecei a construi-lo um pouco antes de vencer o concurso, testando a carreira de modelo, mas ainda não sabia o que era a desconstrução de um padrão que a gente sempre viveu para construir uma imagem positiva do meu corpo, de mim. Essa reconstrução aconteceu após 2013, um novo olhar sobre mim e um olhar diferenciado sobre os outros. Passei 27 anos da minha vida sem ter um processo positivo de aceitação de meu corpo. Eu cobrava demais pelo que as pessoas diziam como eu deveria ser, que deveria ser magra, que com um corpo mais fino eu seria feliz de verdade, e assim eu conquistaria minhas coisas e atingiria um objetivo de vida que fosse positivo para mim. Até eu conseguir desconstruir isso tudo demorou muito tempo. Acredito que eu ainda esteja no processo, a gente sempre estará nesse processo, às vezes estamos num caminho mais sólido, gradativo a cada ano que passa. É um processo que vai continuar pelo resto da vida.
Muitas vezes o preconceito está na própria pessoa. Como combater isso? Se aceitar ou não desistir de mudar? Sim, muitas vezes está na nossa cabeça, mas geralmente, por uma pressão externa. Eu ouvi a minha vida inteira que eu deveria ser magra, que eu deveria seguir um padrão, que eu não estava certa, que meu corpo era errado. E eu ouvia isso sempre, todos os dias, em todos os momentos, de familiares e amigos. Fora os olhares das pessoas reprovando. É muito complicado, diante disso tudo, você não ter um sentimento de que está errada. Amar e aceitar o seu próprio corpo que é totalmente fora de um padrão que a sociedade impõe é um ato super revolucionário. É preciso muita força e uma luta interna diária pra se livrar desses paradigmas que a sociedade impõe. O não desistir é porque a gente não pode desistir da gente, de tentar ser feliz, de viver, de ser livre pra amar, pra fazer o que quiser, de não ser julgada. Isso é um direito de todos nós.
Vivemos um momento conturbado onde que estar fora dos padrões, ditados não sabemos por quem, são muitas vezes hostilizadas? O que gera isso? Por que isso ainda acontece? Eu tenho na minha cabeça que as pessoa que têm esse pensamento hostil em relação ao corpo das outras pessoas são pessoas infelizes com o corpo que têm, que não conseguem cumprir com os objetivos delas e precisam descarregar todas essas frustrações em cima das outras pessoas. Acredito que a vida dessas pessoas deva ser muito triste, muito vazia para terem que se preocupar com o corpo do outro, com a escolha do outro ou com a forma de ser do outro. Então as pessoas que ficam criticando, julgando e hostilizando são pessoas que têm muito tempo para fazer isso e têm uma vida muito vazia para não conseguir construir nenhum tipo de evolução, para não conseguir enxergar as coisas de uma forma mais positiva, de não deixar as pessoas realmente decidirem por elas mesmas, de ter que ficar ditando regras para as vidas dos outros. Acredito que isso ainda aconteça porque está enraizado, é estrutural da nossa sociedade. Então para desconstruir isso leva um tempo, as pessoas têm em mente que o julgamento é livre.
Muitas vezes a gente mesmo precisa se policiar nos julgamentos. “Aquela roupa eu não gostei!” Mas eu não tenho nada a ver com isso, não é? Deixa a pessoa usar o que ela quiser. Eu acredito que haja pessoas que queiram evoluir e queriam crescer e contribuir para que a sociedade melhore. Lutarmos pelo amor e por boas energias ou ficarmos sempre na mesma, com energia baixa, num ódio e julgamento gratuitos, que não levam a lugar nenhum. Bom seria se todo mundo escolhesse esse lado positivo da vida. Acredito que as pessoas seriam mais felizes.
Você terminou sendo uma referência de beleza e sucesso para pessoas acima do peso. Como isso te toca? Alguma situação especial que te fez despertar para isso? Situações especiais pra isso, temos todos os dias. Quando eu recebo mensagens das minhas seguidoras contando situações que elas conseguiram mudar na vida delas, que começaram a viver de verdade, deixando de lado sentimentos de pena e tristeza consigo próprias, que começaram a se enxergar diferente. Quando elas falam que eu salvei a vida delas, que elas conseguem se inspirar no amor, na vontade de viver. Essas situações são muito especiais pra mim. Quando ouço que depois de 10 anos sem usar um maiô, elas conseguiram ir pra praia com os filhos, se acharam bonitas, felizes; isso faz toda a diferença na minha vida. Acredito que além do meu trabalho que eu amo muito, esse é o principal objetivo que eu conquisto através dele. Eu acredito que a gente sempre precisa de um objetivo maior pra guiar a nossa vida e esse é um deles, ver que as pessoas podem mudar a vida delas à partir do momento que elas se olham diferente. Ver que isso realmente acontece me toca demais e me faz acreditar que o meu trabalho vale a pena.
Aqui nessas fotos você está linda e nua. Mostrando que sim, é possível não estar dentro dos “padrões” de beleza e ser sexy? Algum incômodo ao posar nua? Não, eu não tenho incômodo em posar, em mostrar meu corpo, minha dobrinhas, mostrar como eu sou. Acredito que a gente possa fazer um nu artístico. Às vezes mostramos mais quando posamos de lingerie ou moda do que quando estamos sem nenhum tipo de vestimenta. Já me incomodou. Ficava preocupada se ia aparecer algo. Mas acredito que a gente vá evoluindo, vai se conhecendo, conhecendo nosso corpo cada vez mais e sendo grata pelo nosso corpo, por ele ser nosso companheiro, por nos levar a tantos lugares incríveis, por nos permitir tanta coisa, nos permitir ser vida. Eu acredito que quando a gente começa a se conhecer, a gratidão por ser quem a gente é vem junto e isso muda completamente nossas perspectivas perante a nossa vida, perante o nosso corpo, perante o outro. Hoje eu realmente não me incomodo.
Hoje em dia está bem mais comum ver as plus size em campanhas, publicidade, editoriais de moda… Sente que realmente algo está mudando? Algum exemplo importante? Eu vejo que realmente tem mudado bastante. As pessoas têm tentado inserir modelos plus size, pessoas fora dos padrões que a gente costuma ver, há uma diversidade maior nas campanhas. E eu espero que isso não seja só momentâneo, que não seja porque está na moda, e sim porque as pessoas começaram a ver que a inclusão é fundamental, porque somos únicos e diversos ao mesmo tempo. Acredito que esse movimento tenha vindo pra ficar e que se fortaleça cada vez mais. Tenho visto campanha de marcas grandes que estão começando a mudar sua visão de marketing, de chegar nas pessoas, de serem mais humanas. Isso a gente consegue captar analisando campanhas como a da Calvin Klein, que criou várias peças publicitárias com uma menina gorda, uma menina negra e que foge aos padrões que até então eles sempre adotavam. Isso é muito importante, é uma referência muito grande. A gente consegue ver que as perspectivas estão começando a mudar realmente e a gente espera que continue assim e que passe a ser cada vez mais natural essa diversidade nas campanhas.
O nome “gordofobia” não acha muito forte? Tipo “medo de gordo”… Ou só funciona se for assim para as pessoas se tocarem? Na verdade eu não acho um termo muito forte. Forte é o que as pessoas fazem uma com as outra. Isso eu acho muito forte! Julgar as pessoas pela aparência, por exemplo: não contratar pessoas gordas porque acham que as pessoas gordas são desleixadas e serão desleixadas no emprego; de não ter acesso para as pessoas gordas em vários lugares. De realmente pré-julgar alguém pelo seu corpo, tratar com desleixo, com desmerecimento. “Nossa, você vai casar com essa pessoa gorda? Nossa, você tá namorando com uma gorda? Nossa essa pessoa não tem senso nenhum, tá usando um biquíni desses?” A gordofobia está muito enraizada na nossa sociedade e tudo aquilo que foge do padrão da grande massa é recebido com grande hostilidade. Realmente há pessoas com medo de estar no corpo do gordo. Quantas pessoas elogiam gordos nas redes sociais, mas se chegarem perto daquele corpo – como o meu, por exemplo – entra em desespero? Então são esses tipos de comentários e situações que chocam, principalmente as pessoas que sofrem a gordofobia. De alguma forma, se for pra chamar atenção, que seja, porque a gente precisa olhar de uma outra forma e parar de julgar as pessoas pelos corpos que elas têm.
Acredita que o preconceito é maior com as mulheres do que com os homens? Por que? Eu acredito que a mulher é mais exigida em tudo, tanto no corpo como na vida como um todo. Por exemplo, na carreira a mulher tem que se esforçar muito mais do que um homem pra poder mostrar a sua competência e ainda assim a desigualdade salarial ainda é uma realidade. Como mãe também sofrem uma cobrança diferente dos pais. Por exemplo: Se um pai sai para encontrar os amigos, ninguém questiona ou perguntam com quem ficaram as crianças, mas se a mãe vai fazer a mesma coisa a cobrança é grande e o julgamento também, mesmo ela tendo deixado esses filhos com o pai. Ela passa a ser questionada quanto a sua capacidade de ser mãe.
A luta por direitos iguais é uma luta diária nas nossas vidas. A pressão que sofremos quanto à questão estética é enorme, não só a gordofobia, mulheres de corpos mais magros também são cobradas, é como se tivéssemos que estar sempre com dois quilinhos a menos do desejado pra estar dentro do padrão aceitável. É difícil ver quem está realmente satisfeito com seu próprio corpo. Mas a gordofobia acontece pra homens e mulheres que estão longe desse padrão que é ditado. Homens e mulheres acabam sofrendo em situações no dia a dia como a dificuldade nas poltronas de avião, catraca de ônibus. Mas a cobrança do corpo é muito maior com as mulheres, isso está inerente e enraizado na nossa sociedade que é muito machista. Acredito que ainda temos uma luta pela frente em busca dessa igualdade.
Quais os planos para esse resto de ano? O que vem por aí? Os planos desse final de ano é pelo menos ficar viva. Foi um ano com várias novidades inesperadas e estamos tentando driblar as dificuldades da melhor maneira possível. Tentando se inventar no trabalho, na carreira e tentando melhorar, evoluir de alguma forma. Eu busco minha melhoria sempre, tanto no lado humano como no profissional. Tenho um workshop para modelos e iniciantes e influenciadores no ramo da moda plus e estamos batalhando para que saia logo esse workshop e também tenho um concurso para modelos, no início de carreira, onde a gente dá todo embasamento e assessoria para o início de carreira. Por enquanto são esses os projetos.
Aline, deixa uma mensagem para os leitores da MENSCH… Tanto para os leitores masculinos e femininos da revista, a mensagem que eu gostaria de passar é que independente daquilo que a gente vive, com realidades diferentes inerentes a cada um, a gente pode evoluir e buscar conhecer mais a realidade do outro, sobre o que o outro passa antes de prejulgar. E isso vale pra gente mesmo, conhecendo melhor o nosso corpo, as nossas vontades e aquilo que a gente quer pra nossa vida. A gente não deve se diminuir, se menosprezar, se desamar porque tudo isso não deixa que a gente alcance objetivos muito melhores e maiores e dos quais somos merecedores. Independente dos padrões que existam por aí, não podemos desistir da gente, temos que viver cada dia melhor e não sobreviver à margem do que a sociedade dita pra nossa vida.