HORIZONTE: O SILÊNCIO DA GUERRA

Leningrado, Iêmen, Varsóvia, Cracóvia, Somália, Síria, Afeganistão, Senegal, Mali, Congo, Faixa de Gaza, Ucrânia, tantos e tantos lugares, sobre diversos aspectos com o mesmo destino, passado e presente triste, dilacerador e tortuoso sobre os olhos humanos dos aspectos das guerras. Sobre contextos múltiplos, em menção de interesses vorazes da ganância humana, vertido em domínio e controles de riquezas e benesses tortuosas. Com pretextos poucos justificáveis, negociatas por trás de reuniões pomposas e menções de honra danosas, o morteiro impetuoso da soberba dilacera, aniquila e destroem qualquer sensação de futuro palpável. Qualquer ar juvenil de um horizonte desejável e os alicerces que se visualizam só aparece ter duas saídas, ou enfrentar a luta sobre o contexto pertencente de nação ou a fuga sobre lanças chamas e mísseis mordazes.

O longo e tenebroso ressoar da insegurança de um teto sobre um grande terremoto, que balança toda a história vivida, todos os sonhos possíveis, retratos familiares e a mente parece que fica numa letargia. Uma sensação de paralisia eminente e angustiante de não saber nada, além do vácuo que paira ante o medo e o pavor dos torpedos e bombas que eclodem em meio a suas vidas.

O assombro de em pouco tempo ter que decidir por desistir ou seguir, de experimentar a sensação mais angustiante da raça humana, a sua própria segurança, a eminente perda da vida. A maturidade rechaçada nos rostos que ainda brotam espinhas e sardas, endurecidos pela alcunha dos tempos cruéis da face da guerra. A velhice posta à prova, no sacrifício de resistir o irresistível.

O que antes brotavam alegria e sensação de lar, acolhimento, exatamente, nesse momento, resplandecem em uma terra fria, cinza, com cheiro de queimado e pincelada pelo sangue que a muitos, com o tempo da batalha, vão perdendo a sensação de humanidade, e fica apenas, uma impressão automática de mais uma mancha no asfalto destruído. Sobre as expressões e os olhares, apenas aflição, perda, perda, perda… As flores não brotam, os campos estão áridos, os parques perderam o ar de lugar de encontro, as ruas vazias, só um ou outro, se coloca andarilho, em busca de necessidades imediatas, as folhas caem e as árvores ficam despidas, uma sombra diante do insólito espaço. Por onde se anda destruição, caos, cacos, frações de um lugar e a ânsia de fechar os olhos e sair desse pesadelo.

A fumaça que se alastra por todos os lados saindo dos bueiros, dos escombros, o colorido que agora se aflora numa só cor, pálido e sombrio, uma névoa fica presa na retina. Em todos os lugares de guerra a sensação parece ser única, devastação. Todo a vida se esvai e moribundos guerrilheiros vão e vem com seus armamentos, atônitos, sem saber nem mesmo porque tudo aquilo, mas vão errantes seguindo as ordens, batalhões, milícias, como máquinas treinadas. Corpos instruídos para matar. Mas são vidas. Vidas que se colocam, se jogam cegas a missão, sobre o pretexto de bandeiras e aspectos patrióticos, por trás de escabrosos acordos de alienação e astúcias de poucos.

FILHOS DA TERRA E LARES DESFEITOS

Aos milhares estão os refugiados, são filhos da terra, filhos adotivos, são lares desfeitos, são planos apagados, desejos oprimidos, são Yanas, Tanias Bondar, Ayanas , Bintus, Nadezhdas, Katyas, Gabrieis, Nandans, Devis são os que caminham léguas na procura de um destino, de um possível consolo, são em geral mulheres, imigrantes, crianças que com seus rostos infantis não tão conta de tamanho sofrimento, apenas assustados enfrentam em suas tenras idades, o maior dessabor da vida, o precipício. São milhares que caminham, se encaminham ao cenário desconhecido, novo, sem chão. Porque tudo que tinham agora não é mais nada, apenas pó. Em seu silêncio, sufocam seu maior grito, a covardia e o desastre que é a guerra.

Nesse universo, em alguns momentos o silêncio é bizarro e a placidez sempre parece dá o pressentimento de algo de terrível no ar, a paleta das emoções são intermináveis, e mal se sabe as novas sensações que irão se construir ante a esse romper de infelicidade, o termo mais apropriado, talvez seja, o não saber. Os toques de recolher e a espera se poderá amanhecer ou o respirar não poderá mais ser sentido. Tudo, absolutamente, tudo é incomensurável. Nas zonas de guerra que se tem Bunkers, o drama de ser mais um é elevado, e no porão todos estão à mercê do acaso. Amanhecer é mais um milagre diante desse espaço de pavor, porque o amanhecer nem sempre significa abrir os olhos, mas essencialmente, sair desse estorvo.

Assim é o silêncio da guerra, que se interrompe com o único som fatídico, o do jato, bomba, míssel e demolições, com a única cor ou a ausência dela que se tem um único cheiro, o da pólvora e as imagens?! São as únicas nunca mais esquecidas, a dos corpos que vão sendo deixadas a esmo, e recolhidas em uma só vala.

Nunca participei de uma guerra de fato, uma guerra com tanques, bombas, mas creio que outras pude ver com os meus olhos, a da fome, da insegurança em diversos aspectos, da injustiça, do preconceito, da miséria, mas diante de todas, a maior falácia é a falência da humanidade e a falta de generosidade, o maior desastre é perceber a perda total de comoção e compaixão ante a população e sua vulnerabilidade. E é sabido que exatamente assim os ganhos se conduzem, através do temor da fragilidade nesses momentos. É assim, que as potências e os poderosos se beneficiam em seus propósitos devastadores, e nesse mesmo ponto, é dessa forma que a raça humana se inferioriza.

São pessoas que são explodidas, são mães que perdem filhos, filhos órfãos de pais, avós que velam sem corpo seus netos, são amores partidos, valas abertas para todo o sempre, histórias interrompidas, vidas ceifadas, futuros nunca mais vividos e diante desse angustiante decreto, um abismo colossal de falta de empatia, um egoísmo atroz, uma força maléfica que corrói qualquer esperança possível diante de quem aperta o botão e apaga sem compaixão, a luz dessas vidas. Dentro desse contexto que a cada momento, em algum lugar esmo desse planeta, essa realidade está sendo enfrentados, sobre dores, escombros, dilaceradas fissuras, essa condição está sendo imposta há milhares de seres, sobre o pretexto de condições escusas, explicações, justificativas absurdas, processos que não vem de uma problemática agudo de fato da real necessidade sócio-política e econômica do povo em questão, mas de uma doença crônica, patológica e cruel da humanidade – sua incapacidade de conviver, de partilhar, de respeitar condições de convivência, sobre a ambição desesperada dos que possuem o caráter déspota.

Num desses quadros, conheci Gabriel, brasileiro, goiano, que estava num desses lugares, a Ucrânia, a atual guerra mais veiculada do planeta, vivendo sobre a condição de diversos imigrantes que se colocam a trilhar realidades diversas, contextos, vivendo sua caminhada sobre um solo como tantos, com suas belezas e falácias, mas vivendo, o dia a dia, entre o cotidiano natural de qualquer lugar nesse mundo, e que uma hora para outra, teve que decidir partir e deixar tudo, sentimentos, amores, segurança, até mesmo a própria crença de acreditar no que não era visível, a guerra. Deixar sua vida abaixo de bombardeios, do medo que invade qualquer ser nesses momentos, sobre o desespero de muitos que estavam no mesmo contexto. E pior, era possível ter evitado tudo isso, pois ele não foi comunicado pelo seu país pátrio, o Brasil, através da embaixada. Não, não havia e-mail, não havia ligação, mensagem, não havia se quer um apelo de – salvem-se! enquanto outros países estavam fazendo isso pelos seus cidadãos. Assim que Gabriel se sentiu, solto, só. Só numa fuga que travou entre caminhadas, entre caronas, entre encontro com uma amiga, e aventuras arriscadas nas estradas assoladas pela guerrilha.

Essa história foi uma das muitas que milhares, centenas de pessoas viveram e estão, nesse exato momento, vivendo, na Ucrânia e em outras tantas localidades, em solos que estão sobre os bombardeios, essas pessoas, todas elas tem sua história revirada, traçada por um episódio nunca mais esquecido, seja pelas perdas humana, seja pelas perdas matérias, seja pela história dilacerante que irão contar e reviver a cada lembrança. Essa história que ficará entre um dos silêncios mais ensurdecedores já ouvidos – o que corrói e aniquila o ser – o SILÊNCIO DA GUERRA.