Por Bruno Albertim
RIO DE JANEIRO – O calor no interior do principal salão do Museu Histórico Nacional, no Centro do Rio, só não era maior que a ansiedade entre as mais de 500 pessoas de todo o continente, entre abraços, fotos e blazers deixando tudo ainda mais caliente, para conhecer os 50 Melhores Restaurantes da América Latina. Pela segunda vez realizada na capital carioca, a premiação com fama de Oscar da gastronomia consagrou a cozinha argentina. Especializado em carnes, o portenho Don Julio ficou o título de melhor restaurante da região. Ano passado, o título tinha ficado com o peruano Maido, dono do troféu outras três vezes.
A premiação, na verdade, deveria se chamar 100 e não 50 Best, uma vez que, com deferência menor, lista também os reconhecidos com premiação que vão também do 51º ao 100º lugar. Oito casas brasileiras aparecem na lista estendida, com o carioca Lasai em 7º lugar como o brasuca mais bem colocado.
Localizado no bairro de Palero, o Don Julio é um restaurante de carnes à moda antiga em Buenos Aires. Apesar de oferecer cortes para o encantamento dos muitos turistas à sua porta com o mesmo magnetismo com que se oferece, por exemplo, um show de tango “gourmet” na cidade, a casa está longe de ser considerada um restaurante boutique ou “abistrozado”. Feita na parrilha, a carne tem preparo tradicionalíssimo em brasa. A sofisticação, garente o proprietário e sommelier Pablo Rivera, está na qualidade do ingrediente. Antes de virar carne, os animais são comprados vivos, abatidos criteriosamente e, a depender do corte, maturados.
Mais uma vez, casas outrora sempre no pódio, como o D.O.M, do chef paulistano Alex Atala, considerado, há uma década, um dos dez mais influentes do mundo, não estiveram na lista dos principais premiados – o que indica que o centro das influências da gastronomia brasileira vem mudando de mãos. A Casa do Porco, de São Paulo, agora sob o comando exclusivo do chef Jeferson Rueda depois que ele separou-se na condução do negócio da sócia e ex-esposa Janaína Torres, saiu da quarta para a 15ª posição no ranking.
A lista Latin America’s 50 Best Restaurants é criada pela Latin America’s 50 Best Restaurants Academy, um grupo formado por 300 personalidades do setor, entre críticos, jornalistas, gourmets e cozinheiros. Para ser eleito, o restaurante não precisa ter sido premiado antes, basta ser indicado por membros desse juri supostamente composto por pessoas que transitam bem pelo continente. Na festa após a premiação, contudo, uma observação que se fazia quanto nas rodas de conversa é sobre, ainda, a pouca diversidade nos membros do júri. Ou seja, uma predominância de paulistanos ou argentinos, por exemplo, acaba fazendo com que os votos desses jurados migrem para suas respectivas praças de origem. De qualquer forma, foi bonito ver o Brasil (sempre de olhos mais abertos para a Europa ou para os Estados) parar pra celebrar o cosmpolitismo tradicional da cozinha dos vizinhos latino-americanos.
A LISTA DO TOP 50
1. DON JULIO, em Buenos Aires (melhor da Argentina e da América Latina)
2. MAIDO, em Lima (melhor do Peru)
3. EL CHATO, em Bogotá (melhor da Colômbia)
4. KJOLLE, em Lima
5. BORAGÓ, em Santiago (melhor do Chile)
6. CELELE, em Cartagena
7. LASAI, no Rio de Janeiro (melhor do Brasil)
8. MÉRITO, em Lima
9. QUINTONIL, na Cidade do México (melhor do México)
10. LEO, em Bogotá
11. Nuema, em Quito (melhor do Equador)
12. Alcade, em Guadalajara
13. Mayta, em Lima
14. Maito, na Cidade do Panamá (melhor do Panamá)
15. A Casa do Porco, em São Paulo
16. TUJU, em São Paulo
17. Fauna, em Valle de Guadalupe
18. Gran Danbbang, em Buenos Aires
19. Rafael, em Lima (Lee Kum Kee Highest Climber Award, como casa que ganhou mais posições em relação a 2023)
20. EVVAI, em São Paulo
21. Oteque, no Rio de Janeiro
22. Sublime, na Cidade da Guatemala (melhor da Guatemala)
23. Villa Torel, em Ensenada
24. Pujol, na Cidade do México
25. Sikwa, San José (melhor da Costa Rica)
26. Nelita, em São Paulo
27. Metzi, em São Paulo
28. Cosme, em Lima
29. Mishiguene, em Buenos Aires
30. La Mar, em Lima
31. El Preferido de Palermo, em Buenos Aires
32. Arca, em Tulum
33. Trescha, em Buenos Aires
34. Niño Gordo, em Buenos Aires
35. MANÍ, em São Paulo
36. Hunk, em Mérida
37. Julia, em Buenos Aires
38. Gustu, em La Paz (melhor da Bolívia)
39. Mercado 24, na Cidade da Guatemala
40. Cantina del Tigre, na Cidade do Panamá
41. Lo de Tere, em Punta del Este (melhor do Uruguai)
42. Manuel, em Barranquilla
43. Maximo Bistrot, na Cidade do México
44. Cordero, em Caracas (melhor da Venezuela)
45. Humo Negro, em Bogotá
46. Aramburu, em Buenos Aires
47. Sud 777, na Cidade do México
48. Rosetta, na Cidade do México
49. MIL, em Moray
50. Kotori, em São Paulo
OS BRASILEIROS
Pelo segundo ano consecutivo, o Rio de Janeiro foi palco, nesta terça-feira (26), da cerimônia de premiação do Latin America’s 50 Best Restaurants 2024. A prestigiada lista que elege os mais expoentes restaurantes da América Latina, anunciada em uma cerimônia no Museu Histórico Nacional, contemplou nove estabelecimentos brasileiros. Na mais alta posição do ranking — braço do The World’s 50 Best —, que este ano aponta o argentino Don Julio, de Buenos Aires, como o melhor da região, está o carioca Lasai, em 7º lugar. Mais oito casas brazucas aparecem na lista estendida, do 51º ao 100º lugar. Veja todos os endereços nacionais no pódio.
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LASAI, RIO DE JANEIRO (7º)
Eleito o melhor restaurante contemporâneo da cidade pelo Prêmio Rio Show de Gastronomia em 2024, o carioca Lasai, do chef Rafa Costa e Silva, subiu sete posições este ano, e foi eleito o melhor do Brasil, em 7º lugar. Localizado em Botafogo, na Zona Sul do Rio, o estabelecimento acomoda dez pessoas no balcão, que se sentam em torno da cozinha aberta para acompanhar de perto cada etapa do menu degustação (R$ 1.250 por pessoa, 15 tempos). Sua gastronomia vibrante e cosmopolita tem como base o uso de vegetais, em sua maioria oriundos de duas hortas próprias e de pequenos agricultores do estado. As técnicas modernas são utilizadas para levar cada ingrediente ao seu melhor momento — o que inclui frutos do mar e cortes especiais de carnes. A harmonização (R$ 638) conduzida por Maíra Freire, eleita a melhor sommelière do país pelo guia Michelin 2024, reúne vinhos (muitos deles naturais), cerveja e até saquê.
O chef Rafa Costa e Silva no balcão do Lasai — Foto: Roberto Moreyra
A CASA DO PORCO, SÃO PAULO (15º)
Depois de um período no qual se dedicou mais a outras atividades, Jefferson Rueda reassumiu o comando d’A Casa do Porco, que ficou em 4º lugar na edição 2023. O atual menu degustação, batizado de interior, foi concebido inteiramente pelo chef. A R$ 290 (ou R$ 500, com harmonização de bebidas), é dividido em oito etapas. Começa com a terrine de joelho de porco, incrementada com cambuci e maxixe, e inclui pratos irresistíveis como lombo de porco maturado (com anchova, alcaparra e mostarda fermentada). Culmina, como é de praxe, com o porco sanzé, o carro-chefe do restaurante. Mais de 12 mil unidades desse prato (custa R$ 96 à la carte) são vendidas mensalmente, o que obriga o endereço a assar 60 suínos por mês.
TUJU, SÃO PAULO (16º)
Com passagens por casas estreladas em cidades como Barcelona e Tóquio, Ivan Ralston (chef do ano pelo Prêmio SP Gastronomia) comanda o Tuju, em xx na lista, que nasceu despretensioso e hoje é um restaurante sofisticado e elegante, com uma adega de vinhos imponente. Ralston o compreende como uma embaixada de ingredientes brasileiros e, para isso, faz um trabalho profundo de pesquisa, em parceria com sua mulher e sócia, Katherina Cordás. Ambos viajaram por dois anos para conhecer produtores, pescadores e criadores de animais. Seu menu-degustação (R$ 990) segue a paisagem do tempo: umidade, chuva, ventania e seca, cada qual a respeitar uma estação do ano e seus respectivos ingredientes da época.
EVVAI, SÃO PAULO (20º)
O chef Luiz Filipe Souza foge do óbvio em seu Evvai, nos Jardins, restaurante contemporâneo, criativo e com raízes fincadas na Itália (mas com muita influência brasileira também), que ficou na 20ª posição. Souza define sua cozinha como “italiana imigrante” e a versão 2024 de seu menu autoral, “Oriundi”, traz releituras de pratos que remetem a Brasil e Itália. Em uma sequência de 11 tempos (R$ 799, com opções de harmonização a partir de R$ 619), a ideia do chef é apresentar outras sensações para sabores já conhecidos.
Evvai: releituras contemporâneas de receitas italianas com toque brasileiro entram no menu degustação, caso do linguini de pupunha com lula.
OTEQUE, RIO DE JANEIRO (21º)
O chef Alberto Landgraf é quem comanda o Oteque, no Rio de Janeiro, que tem duas estrelas Michelin e ocupa a 37ª posição no The World’s 50 Best Restaurants e, agora, o 21º lugar na lista da América Latina. (2023 20º lugar). Ele rege uma cozinha contemporânea, com menu que muda diariamente, de acordo com os produtos mais frescos do dia. A experiência disponível sob reserva (R$ 895, tradicional; R$ 535, vegetariana) tem oito etapas, que podem ser turbinadas com ingredientes como trufas brancas. Peixes e frutos do mar fresquíssimos, a exemplo das ostras com picles de maçã e leite de castanha, têm lugar privilegiado no menu. São duas as opções de harmonização com oito taças: light (R$ 675) ou premium (R$ 795). O salão de pé-direito alto, com decoração em madeira em estilo industrial, comporta até 30 pessoas.
O restaurante Oteque, de Alberto Landgraf, é um dos três do Brasil a ostentar duas estrelas Michelin — Foto: Beatriz Orle
NELITA, SÃO PAULO (26º)
Tássia Magalhães comanda o Nelita, 26º colocado no Latin America’s 50 Best Restaurants. Com uma cozinha delicada e sofisticada, a chef combina o DNA italiano com o uso de ingredientes locais. O menu degustação (R$ 590), de 11 etapas, é servido apenas no balcão, no jantar de terça a sábado. O local permite a visão ampla da preparação das porções e rouba a cena com o visual rústico-chique. Todos os pratos podem ser pedidos também à la carte. O sommelier e sócio Danyel Steinle é o responsável pela carta de vinhos da casa, que privilegia rótulos naturais e orgânicos. 2023 21º lugar.
METZI, SÃO PAULO (27º)
O Metzi, comandado por Luana Sabino e Eduardo Ortiz (ele, mexicano; ela, paulistana), apareceu em 27º lugar. Na casa em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, o casal de chefs apresenta uma cozinha mexicana de alma moderna e inventiva, que flerta com a alta gastronomia. No cardápio recentemente reformulado, as receitas autorais ganharam mais brasilidade, sobretudo no menu-degustação de oito tempos (R$ 440).
MANÍ, SÃO PAULO (35º)
Cheio de predicados, o restaurante Maní, em Pinheiros, marcou presença no 35º lugar. A chef Helena Rizzo entrega uma cozinha autoral inspirada em ingredientes orgânicos, dando destaque para sabores brasileiros, em forma de menu degustação (R$ 680) ou à la carte, escolha de 70% dos clientes. Trata-se de duas experiências válidas e igualmente marcantes — mas bem diferentes.
KOTORI, SÃO PAULO (50º)
Criado em 2021 pelo festejado chef Thiago Bañares (do Tan Tan e do The Liquor Store), o Kotori, estreante na lista, vive nova fase, marcada por uma transição conceitual no menu. Antes focada em yakitoris, os espetinhos à moda nipônica, a casa aposta agora na chamada cozinha yōshoku, que abraça ingredientes e técnicas ocidentais e os adapta ao paladar oriental. Surgem então receitas como o brócolis chinês salteado ao molho de missô (R$ 45), os cogumelos eryngii tostados na manteiga com caldo de galeto e de tucupi (R$ 78) e a abobrinha grelhada ao molho banbanji (de tahine e amendoim).