ENTREVISTA: Christian Gaul – O talento e a simplicidade de um grande fotógrafo

Christian Gaul é o tipo do fotógrafo, digamos, “desglamourizado”. Um grande profissional que não se deslumbra com o meio onde circula, cheio de celebridades e personalidades. Um cara que simplesmente tem a fotografia na veia e a paixão pela vida, muito mais que pelas coisas. Com seu jeito simples e uma inteligência que lhe é peculiar, Christian respondeu às nossas perguntas com jeito de quem recebe um amigo sentado no chão da sala com vista pro mar. Esse é o jeito simples, e sofisticado ao mesmo tempo, de um dos grandes fotógrafos nacionais.

Você é formado em Literatura e Economia, e terminou virando fotógrafo. Como foi isso?

É aquele velha historia.. Quando eu era garoto, não sabia realmente o que eu gostaria de fazer. Meu pai era formado em economia e parecia ter uma vida feliz. Economia é um bom mix de humanas com exatas, requer conhecimento de muitas áreas. Então imaginei, na época, estar fazendo uma escolha sensata. A literatura alemã, faculdade na qual também me formei, veio justamente com a vontade de me aproximar do que eu entendia como arte ou artístico – foi uma necessidade de dar mais vazão a minha criatividade. Precisava ver mais disso, sim falar que cumprir a faculdade de literatura me ajudou também a manter viva o que já fora minha língua materna – o alemão.

 

Soube que você conheceu J. R. Duran na época em que morava em NY  e ficaram amigos. Teve alguma influência de Duran na sua carreira?  Como é a relação de vocês hoje em dia?
Não ficamos amigos, só dei umas escovadas nele em jogos de squash… rs rs rs. Foi assim, meu pai arrumou um trabalho em NY e fomos todos – meu irmão, minha mãe, meu pai e eu- morar lá. Morávamos em Scarsdale. Ai, certo dia meu pai falou: “Sabe aquele fotografo da PLAYBOY, o JR Duran? Vai chegar aqui em casa hoje..” Eu não sei como meu pai trombou com o Duran, mas o fato é que ele apareceu e marcamos de jogar squash. Eu não tava nem um pouco ligado em fotografia. Queria é fazer esporte e Duran foi meu “freguês”.  Eu tinha 16 anos… tem tempo. Mas lembro que não perguntei nada de fotografia pra ele e lembro de ter uma imagem dele ser um sujeito bacana.  Infelizmente, depois dessa época, encontrei pouco com ele, mas tenho uma admiração enorme por seu trabalho, pelo jeitão que ouço falar dele por ai. Deve ser um cara ótimo de tomar um chopp.
Qual a sua formação em fotografia?
Tenho um “Minor degree” em fotografia. Nos “Estates” é assim: Você se forma com Major, a faculdade principal (no meu caso me formei em economia e literatura, como Major), e minor, uma faculdade secundaria, com um pouco de menos ênfase e tal. Depois de fazer esse “minor” de fotografia na NYU (Universidade de Nova Iorque), onde tive professores  absolutamente incríveis, sendo que o Josef Koudelka foi um deles (!), fui para a New England School of Photography em Boston, Massachussets,  por recomendação de outra grande fotografa amiga minha, a Ana Quintela. Os cursos lá eram extremamente técnicos, aprendi a relevar e  ampliar com destreza. Fazia um monte de viragens loucas em filme, torrava a química. Era divertido, mas depois de um ano (o curso era desenhado para 2 anos), comecei a “encher” um pouco. Dai, passei umas  ferias no Brasil e aconteceu o obvio – me apaixonei por uma carioca e  larguei tudo! Fui pro Rio e comecei a labuta – na fotografia!!!
Quem você citaria como seus grandes mestres e “ídolos” na fotografia?
Josef Koudelka, Helmut Newton, Yousuf Karsch, Sally Mann, Cartier Bresson, Duane Michals, Jacques-Henri Lartigue, Ansel Adams, Edward Weston, William Claxton, Nan Goldin, Geraldo de Barros, Richard Avedon, Sebastião Salgado, Maureen Bisiliat, Robert Mapplethorpe, Andre Kertesz, Rodchenko, Diane Arbus, Robert Capa, Miguel Rio Branco.. São muitos.
Você já teve que administrar ciúmes de namoradas por conta de alguma modelo ou celebridade que estava fotografando?
Às vezes acontece, mas nada serio. No imaginário das pessoas tem esse negócio de achar que modelo e fotografo sempre dão uma trepada no camarim, entre um clic e outro. Não é assim. É profissional… Passo isso para quem eu fotografo e passo para quem estiver comigo.
Aliás, você é um dos fotógrafos mais requisitados para fotografar celebridades? Existe algum motivo especial?
Sou uma pessoa tranqüila no set, sem pressa, embora eu clique rápido, resolva rápido a imagem. Sou bem humorado. Procuro me divertir e quem está junto dá lá suas risadas também. Bom, acho que o maior motivo, porém, é que a celebridade acredita num bom resultado estético desse encontro. Acho q isso deve ser o principal.
Como você lida com as celebridades na hora de fazer um trabalho? Algum ataque de estrelismo?
Lido com respeito, mas não coloco em altar. Sinceramente, não me recordo agora de ataque de estrelismos. “Mala” tem em tudo que e lugar, e uma ou outra acaba virando celebridade, outras viram fotógrafos!

Pra você fotografar belas mulheres pra editorais de moda, campanhas publicitárias, mulheres nuas ou cantores para capas de cd, tem tudo o mesmo peso de satisfação? Onde você se realiza mais?

Mulheres nuas, pra mim é sempre um prazer de observar, independente do grau de beleza. Aliás, a beleza física, pra mim, já está em outro plano. Curto nudez, inclusive de homem. Acho pele uma coisa muito bonita. Gosto do nu, por que em ultima análise é o melhor retrato e adoro fazer retratos. Contar estórias fotográficas que componham um  retrato ou o retrato de uma situação é gostoso também – e a moda,  muitas vezes é isso pra mim. Gosto quando utilizo a moda como suporte para  contar outra coisa. Fotografo editoriais de moda como quem escreve uma crônica.
Qual trabalho faria você aceitar sem receber um tostão?
Fotografar o papa. Não sou religioso.
Em geral você tem como característica fotografar em estúdio. É uma preferência sua realmente ou questão de oportunidade?
Não me considero um fotógrafo com essa característica. Na verdade, até  venho fotografando um pouco mais em estúdio, mas diria que sou da rua,  de locação. Portanto, acaba sendo, de fato, uma questão de oportunidade. Gosto muito do estúdio. Gosto muito da “rua”. Sou de gêmeos, entendeu?
Os seus trabalhos pairam por universos bem contrastantes, que vão do glamour dos ensaios sofisticados de moda à produções mais alternativas e simples na concepção como alguns ensaios para a TRIP e trabalhos com músicos. Como você consegue transitar em universos tão distintos?

É da minha natureza experimentar, diversificar. Sou assim. Houve um momento onde procurei traçar “a reta”, mas não consigo. Gosto muito de muitas coisas e quero ser livre para ver, sentir, expor.

E para campanhas publicitárias, existe alguma técnica especial? Dá mais ou menos trabalho que um editorial de moda?
Dá mais trabalho porque você tem um diretor de arte no seu cangote querendo que você faça coisas. Às vezes coisas que você acha ruins, às vezes  essas diferenças de opiniões afloram no meu silêncio, mas toco pra  frente. Acho que fazer algo que você não acredita plenamente é difícil, mas levo na boa. A melhor técnica, além da boa técnica, é ser uma pessoa atenciosa no set, saber respeitar o cliente, não ser um chatuba que vem com uma idéia “nova” a cada 5 minutos – é saber proceder, trabalhar junto com a criação da agência. Já no editorial dá pra colocar mais a sua opinião. e isso é assim, suponho, porque se é bem menos remunerado por um editorial…

Uma vez você comentou que freqüentou um campo de nudismo na Austrália e não usou sua câmera. Experiências como essa que tornam  o nu algo banal facilitaram para você como fotógrafo na hora de  fazer ensaios de nudez? Como lida com isso? 

Não sei se entendi bem a pergunta, mas o q rolou na Austrália é que “cai” de pára-quedas num dos encontros  anuais do Rainbow Community (encontro da comunidade hippie mundial). Foi mágico ver o que vi e não me senti a  vontade para deflorar com minha câmera tudo que via. Fiz alguns retratos, fotografei alguns cangurus selvagens pastando e correndo no meio da floresta. Mas tinha um universo todo lá para “captar”. Logo no começo dessa temporada conheci um fotografo que vinha clicando essa turma há anos. Ele era um hippie nas horas vagas e durante o resto do tempo vivia de fotografia de casamento em Londres. Ele me mostrou as suas fotos e eu me emocionei muito.

Era um trabalho lindo e vertiginoso. Um trabalho de muita intimidade com as pessoas. Um trabalho de amizade, de amor. Realmente muito tocante e muito diferente de tudo que vi até hoje. Perguntei na época o que ele queria fazer com as imagens e ele disse que  nada o interessava alem de  poder distribuir as imagens para quem estava nelas. Ou seja, ele ia nos encontros fotografar, dar fotos para as pessoas que ele  fotografava e ficava lá curtindo isso. Enfim, não me senti no direito de fazer nada ali. Qualquer coisa estaria muito aquém do que eu vi com esse fotógrafo, que não me lembro o nome, cacete!!!! Ali despertou em mim, de maneira muito natural, o que depois descobri ser algo que Kertesz  divulgava no tempo dele: “respeite o material, respeite o sujeito,  respeite o assunto” …ou algo assim. Hoje fotógrafo com isso na cabeça.

Você já morou em vários países, estudou literatura, já fotografou cavalos… o que você trás na sua bagagem pessoal que  você acrescentou na sua carreira como fotógrafo?

Na minha bagagem coloco sempre a sandália da humildade… rs rs aquela  do pânico mesmo – porque já fotografei cavalos, mas também já fotografei  porcos, vacas, ferro velho (tudo p uma revista de leilões) e já  fotografei coluna social também, que pra mim foi o pior! Brincadeiras a parte, sigo com os dizeres de Kertesz, sobre o respeito durante o exercício da nossa profissão. Na vida como um todo, vale o mesmo.

Deixando a fotografia de lado, o que você curte como hobby? Quais são suas outras paixões?
Gosto de andar de moto, enduro, meio do mato, trilha, gosto de acelerar, deitar a bichinha na curva. Aí, gosto de jogar tênis, frescobol. Minha paixão é por minha família. E gosto muito de não fazer nada tb.
Você se incomoda com o uso do photoshop nas suas fotos? Alguma  vez erraram a mão e você cancelou o trabalho?
Procuro me estressar cada vez menos. Já erraram, ainda erram – tanto pra cima quanto pra baixo. O photoshop não me incomoda quando bem usado. Estamos passando por uma fase louca nisso de apreciar a beleza. O padrão é cruel. Não vejo muita volta nisso.
Você convive com muitas mulheres, famosas ou anônimas, deve ouvir muitas histórias… Daí te pergunto, o que as mulheres ainda  não sabem sobre os homens (ou teimam em não saber)?
Acho q elas sabem muito mais sobre os homens do que os próprios homens.
O que tem mais peso para você, a sua vaidade ou o seu desempenho? (de modo geral)
Desempenho.
Qual seu próximo trabalho? E qual gostaria que fosse o próximo?

Fotografar Marina de La Riva para a S/N, do BOB. E gostaria de clicar o Papa.

Conheça um pouco mais do trabalho de Christian: www.chistiangaul.com