Por Bruno Albertim
Aos 13 anos de idade, morador de Ubatuba, a cidade onde o mar banha as montanhas da Mata Atlântica no litoral paulistano, Hugo Pouvot já sabia que “inverno era época de sororoca no mar; verão, tempo de dourado; e cação, o ano inteiro”.
Um dos chefs de maior apuro técnico não apenas da cena pernambucana, mas, também, do País, Prouvot teve grandes mestres antes de chegar ao Recife, em meados dos anos 1990, para chefiar a cozinha do Mingus de Piedade, restaurante que divide a história da chamada alta gastronomia na cidade entre antes e depois de sua atuação.
Dentre outros, foi subchef do heróico Laurent Suaudeau, no Copacabana Palace, e do celebrado Russso, no luxuosíssimo Emiliano, em São Paulo. Nenhum mestre, contudo, foi tão precoce e marcante quanto seu próprio avó: Motta Pereira. Seu Motta, não por acaso, é o nome do novo restaurante que Prouvot acaba de abrir na Zona Sul do Recife.
Português que havia fugido da ditaduta de Salazar para o Brasil, o velho negociante que fez história no mercado de peixes de São Paulo ensinou tudo o que sabia ao neto curioso. “Muito pequeno, eu já sabia tratar e filetar peixes com habilidade de peixeiro adulto. Na escola, eu era zoado porque tinha sempre um cheiro de maresia na farda”, ele lembra.
Para homenagear a memória do avô, Hugo abriu, com seu irmão e também chef Júlio, o Seu Motta no centro histórico de Ubatuba. Seis anos depois, a casa expande, agora, sua filial ao bairro recifense de Boa Viagem. Não é missa de corpo presente: em poucos lugares, se come pescados com tanta qualidade. Eis a máxima da casa: o melhor da técnica clássica em favor do ingrediente em seu melhor momento.
O litoral daqui não é o mesmo de Ubatuba, de águas frias e de peixes mais gordos. Mas o chef tem feito bons acordos com os pescadores locais e o peixe na casa, via de regra, tem o frescor do mar ali perto. Para manter a tônica da matriz de Ubatuba, palmito pupunha in natura e lulas, abundantes nas bandas de lá, estão presentes em várias receitas.
Para abrir os trabalhos, a casquinha de caranguejo (R$ 24) ou a excelente coxinha de mandioquinha com camarão (R$ 16) indicam o que está por vir. Os principais estão divididos em três sessões: para uma ou duas pessoas e em “banquetes”, para compartilhar em grupos maiores. O peixe com pirão caiçara traz o peixe alto, fresquinho, puxado na manteiga de castanhas, mais banana da terra e palmito grelhados e um pirão levíssimo, com o caldo do peixe em massa de banana verde (é surpreendente).
Brasileirinho e bem intenso é o Baião de pescados e lulas (R$ 79), um filé de pescada amarela, com baião de feijão verde com palmito e lula em creme fresco e cítrico – um mosaico de bons sabores.
Bem clássica e farta é a Feijoada de Frutos do Mar (R$ 198), com o feijão branco num denso ensopado de camarão, peixes, lula, encimado por lula empanada e polvo salteado, com um refrescante vinagrete de laranja, bananinha à milanesa, mais farofa de dendê e arroz. E de marcar de vez a memória do paladar e o Peixe Inteiro (normalmente, cioba, bem tenra), assado em frigideira de ferro depois de marinado, escoltado por arroz, feijão verde um vinagrete de palmito: puro suco de brasilidade.
Para beber, a cerveja está sempre bem gelada, há brancos e rosés de bom frescor e custo-benefício e, além da caipirosca de frutas obrigatória, drinques bem tropicais como o Viola (R$ 36), que traz graviola, sumo de limão, gin e chá de hibisco. O lugar ajuda muito na construção do clima: numa rua meio secreta e tranquila de Boa Viagem já quase Setúbal, uma casa antiga de paredes brancas e climão de veraneio. Um lugar para se ir em qualquer horário – e, de serviço atento, porém informal, sempre um acerto no pós-praia. À sua maneira, ali, Prouvot vai reinventando com louvor a cozinha caiçara do Brasil.
SERVIÇO:
Seu Motta. Rua Raymundo Gomes Gondim, 26, Boa Viagem. Fone: (81) 98808-0101 – Instagram: @seumottacozinhadomar