O ator Mouhamed Harfouch é daquele tipo de ator que tanto mais ele se descobre como ator mais ficamos vidrados no trabalho dele e aguardando o próximo passo. Mouhamed vai da comédia ao drama, do infantil ao musical com naturalidade e sempre se reinventando. Se na TV ele se mostra em casa, nos palcos ele está em terreno fértil. E é nos palcos que sua veia musical surge mais forte em espetáculos que relevam outras facetas. Isso sem falar do cinema, onde esse ano ele estreia nas talonas com mais um tipo diferente e divertido. E no meio disso tudo encontramos um Mouhamed pai, amigo e tranquilão com o que a vida lhe traz de bom. Não é à toa que aqui está ele em mais uma capa da MENSCH e um ótimo papo entre velhos amigos.
Mouhamed da estreia na TV em 1993 até hoje com Malhação hoje em dia, que avaliação faz da carreira? Rapaz, passa rápido esse negócio de tempo né? (risos) Acho que o que me trouxe até aqui foi a vontade. Disciplina também, vocação talvez, mas sem dúvida, a vontade em contar novas histórias, a vontade de me comunicar com o público, a vontade de assumir um novo desafio a cada nova plateia, a cada nova história, essa vontade que me norteia até hoje e que me incendeia quando me deparo com a oportunidade de me jogar no desconhecido. Essa vontade que me faz continuar tendo um olhar curioso e por isso quando vejo que já são mais de 25 anos de profissão, parece que o tempo não passou. Não tive na família um exemplo de ator, não tive essa orientação da profissão por parte de uma escola. Fui meio descobrindo na porrada, fazendo, errando e acertando. Esse chamado para ser ator despertou muito cedo em mim, meus pais não deram muita corda, nunca me impediram de nada, mas tive que ter muita certeza e vontade em seguir esse caminho que não é nada fácil. Pensando assim, curto e rápido: Escolhi ser artista no Brasil, vivo da minha profissão e ainda sou reconhecido por isso. Acho que estou no lucro.
Sobre Malhação, como está sendo participar pela segunda vez? Na verdade, considero esta a primeira. Da outra vez, foi uma participação relâmpago como um produtor musical de uma banda da novela. Algo que durou apenas 2 capítulos. Já nesta temporada, me deparo com um coletivo tão rico de talentos jovens, veteranos, uma equipe de igual valor e com um texto do Cao Hamburger tão inteligente quanto sensível, moderno e falando de educação com propriedade…algo tão necessário. Soma-se a isso a direção precisa do Paulinho Silvestrini, que tem esse talento em contrariar o óbvio e uma sutileza cinematográfica. De quebra, tenho a oportunidade de dar vida a este personagem ético, íntegro, romântico, idealista, sonhador, levemente atrapalhado, um personagem o qual me inspirei no universo de Woody Allen, valorizando a educação, e sobretudo a figura desse agente transformador chamado professor, é algo que enche de orgulho. Ainda mais nesse momento tão carente do Brasil em ética e valores.
Você traz uma veia cômica e uma mais dramática, que já vimos em trabalhos como “Cordel Encantado” e “Verdades Secretas”. Em algum desses universos você se sente mais em casa? Em “Cordel Encantado”, novela no qual interpretei o barbeiro itinerante e mulherengo, libanês chamado de turco. Revisando cada trabalho tenho a certeza de que sempre procuro não chapar o personagem com esse rótulo apenas de cômico ou dramático. Tal qual na vida, todo personagem tem oscilações e camadas. Lógico que há tintas mais fortes de uma coisa ou de outra, mas acho tão rico quando no meio disso se abre a possibilidade de darmos uma dimensão maior e transitarmos assim, entre ambos os gêneros. Como o Palhaço que faz rir, mas nunca se descola da sua tristeza. Acho isso tão humano.
O que é mais difícil, drama ou comédia? Mais difícil é encontrar uma boa oportunidade de contar, bem contado, uma história sendo num gênero ou em outro. Falo isso porque a cada personagem nos deparamos numa oportunidade real de realizar este casamento. E são tantas variáveis, tantas sinergias, tantas escolhas qua passam não só pela nossa mão, mas na dos criadores, dos diretores, e até do público em comprar ou não o que entregamos. Quando todos os astros convergem, chegamos no Olimpo. (risos) E aí, é delicioso estar num lugar ou no outro, na comédia ou na drama.
No teatro você possui tantos trabalhos, ou mais, que na TV. Foi algo planejado ou foi surgindo? Como o teatro surgiu na sua vida e como ele te toca? Engraçado, por que comecei no teatro, mas despertado de certa forma pela TV. Minha família não tinha o hábito de me levar ao teatro. Eu ia mais a Cinema. Foi vendo novelas que me recordo do impacto de ver personagens icônicos e intérpretes como Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Marília Pera, Armando Bógus, Raul Cortes, Osmar Prado, Ney Latorraca, que ainda criança tive vontade de fazer aquilo que eles faziam. Essa vontade me acompanhou até assistir a uma peça, através da professora de Português da minha escola, para ver no teatro Casagrande a primeira montagem de “Confissões de Adolescente”. Lembro que num determinado momento da peça uma das atrizes veio e fez um número de plateia comigo, me bateu aquela adrenalina de estar na cena e aquilo me tocou. Saí de lá certo que precisava estar no palco. Foi preciso só um pouco mais de coragem e a ajuda da minha tia Beth que levou até a porta do teatro Arena para fazer um teste e entrar num curso. Desde então, não parei mais. Fui sendo levado pelos personagens, pelas oportunidades, errando e acertando, ora no teatro, ora na TV, um pouco menos, mas ainda sim no Cinema, mas sempre com fome dessa adrenalina de estar na cena.
Já no musical você cantava e dançava. Isso se torna um desafio maior e mais prazeroso? Como foi a experiência? Essa pergunta exemplifica bem isso. Nunca pensei, me imaginei, ou sonhei em fazer Musicais. Aliás, para ser sincero, tinha até certo receio do gênero. Sempre me achei um ET neste universo. Sempre amei música. Sou afilhado do Guinga, violonista, cresci querendo aprender a tocar violão. Sempre gostei de compor. Mas nunca me pensei num teatro Musical. Mas, quando vem uma boa história para contar, quando aparece um desafio, não penso em mais nada que não seja: Tenho que me jogar nisso. Ou tudo ou nada, foi uma das maiores loucuras da minha vida e claro um dos maiores desafios. Protagonizar um Musical da Broadway, sem ter uma história ou preparo para este gênero, cantando 13 músicas no total, e ainda com partitura corporal, emocional, em 3 horas de espetáculo, era algo insano. Mas minha vontade era proporcional ao desafio. E lá fui eu guiado pelo Tadeu Aguiar, tão louco quanto eu, que acreditou que o personagem era meu. E assim foi. Venci o medo de cantar, de ficar pelado e de pude contar a linda história de superação de um pai através do amor pelo seu filho. A montagem foi um grande sucesso e me rendeu uma indicação de melhor ator em São Paulo. Uma experiência rica que me abriu um novo horizonte.
E agora em 2018 você estreia nos cinemas com o filme “Uma pitada de sorte”. O que podemos esperar desse novo trabalho? Sim!! É um filme muito divertido em que faço par romântico com a personagem da Fabiana Karla. Foi uma oportunidade linda de reencontrar essa grande amiga. Já trabalhamos juntos no teatro e na TV, faltava o cinema. (risos) Faço o Lugão, um tipo bronco, um taxista que sonha em ter uma academia de musculação e é fanático por carros e pelos seus bíceps. (risos) Inclusive ele conversa com eles. Um personagem complexo, interessante e rico dentro de um filme muito divertido. Foi um enorme prazer!
Pra você qual a maior função do ator? Encontrar a sua verdade e a verdade de cada papel. O público sempre compra aquilo que é verdadeiro.
Você acha que o ator deve se manifestar publicamente sobre política, futebol e religião? Não por moda, não para posar bem na foto ou acompanhar tendências, não para parecer isto ou aquilo, mas sempre que estiver dentro da sua verdade fazer isto. Dentro da sua convicção, seja ela qual for.
Como lida com redes sociais e as críticas? As críticas fazem parte do jogo. Tenho mais medo dos elogios exagerados do que das críticas. Ambos devem ser escutados com cautela, mas é indispensável seguir em frente, sem supervalorizar nem um nem outro. Já as redes sociais são importantes, mas me metem medo por outro lado. Viramos, todos, nosso personal Papparazi. (risos) E mais ainda, isto virou uma ferramenta de trabalho. Vejo muita dedicação empregada nisso. Não critico, tento até dialogar saudavelmente com essa realidade. É inegável que é uma vitrine, cabe a cada um saber o que quer mostrar. Mas quando vira uma egolatria me incomoda. Sinto que hoje estamos virando pouco a pouco zumbis submersos entre likes, stalkers e afins…o tempo fica ainda mais apertado, são muitas redes, muitos grupos, muitas manifestações, mas pouco tempo para o nosso silêncio.
Você parece ser um cara tranquilo. O que te tira do sério? O que não dá pra suportar? Desonestidade, corrupção, descaso público, essa corrupção generalizada que já está tão enraizada que não nos choca mais. E é aí, que mora o perigo. A banalização por parte de quem corrompe e a banalização dos corrompidos. Chega de malandros, chega de espertos, chega de tanta vantagem…tenho orgulho de ser otário. Afinal, somos ou não somos todos palhaços?
Como é Mouhamed no papel de pai? Qual o maior desafio? É o meu maior papel. Hoje, minha vida são eles. Tudo é para eles e com eles. Quando viajam e me encontro só, fico até desnorteado. Sem saber o que fazer com tanto tempo livre. (risos) O maior desafio é, sem dúvida, educar.
O que te distrai nas horas vagas? O violão, a música. Voltei a fazer aulas de violão e de canto. A música é uma terapia. Minha Yoga. Compor, minha válvula de escape… O lugar onde despejo minhas impressões e sentimentos. Minha solidão e meu silêncio.
Se não fosse ator o que faria com prazer? Música. Mas sendo sincero, penso um pouco como Augusto Boal, somos todos atores. Todos fazemos teatro. Uns se sabem atores, outros não. Mas ele está lá presente. Acho que seja lá o que fizesse na minha vida, tentaria realizar com arte. Faz parte de nós.