ARTE: NO RITMO DO SPRAY: A ARTE URBANA DE SPETO

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Por Ivan Reis

Não é difícil não se impressionar com a arte urbana hoje. Entre prédios e murais, o paulista Paulo César Silva, mais conhecido como Speto, tem obras espalhadas em mais de 15 países e já trabalhou com nomes de peso da cena musical. Unindo arte e música, o artista foi responsável pela identidade visual dos discos de bandas de sucesso das décadas de 80 e 90, como Raimundos e O Rappa, e suas obras já apareceram no videoclipe da cantora Beyoncé.

Recentemente, Speto lançou Geração Perdida, livro que traduz o sentimento de aventura, de urgência e de realização que moveu a primeira geração do grafite brasileiro – ao lado de Os Gêmeos [Otávio e Gustavo Pandolfo], [Eduardo] Kobra e outros – tal como o conhecemos nos dias de hoje. Uma arte que carrega influências do break, do Hip Hop, das cores e da música vivida nas ruas. Em conversa à Mensch, Speto falou sobre sua trajetória, as influências que carrega em seu traço expressivo, alguns processos criativos e revelou no que acredita para o futuro da arte urbana. “A rua sempre foi – e vai ser – um palco para a voz das pessoas. É possível uma manifestação sobre algum assunto pelas redes sociais, mas ela ganha corpo e mídia sempre nas ruas”, afirmou o artista.

Quando surgiu o interesse, e os primeiros rabiscos, para o grafite e a gravura? Acredito que existam três respostas. Eu comecei a desenhar muito cedo porque sou o mais novo de três irmãos que já desenhavam. Aprendi como uma forma de brincar com meus irmãos. O grafite aconteceu em 1985, pois minha geração começou basicamente nessa época com o fim da ditadura militar. A questão da gravura e da xilogravura de madeira aconteceu em 2010. Como eu larguei a escola muito cedo, pois só fiz até a oitava série do Ensino Fundamental, não sabia a técnica. Fui tentando algumas formas de reproduzir até que comecei a usar o próprio spray nos trabalhos. Isso aconteceu por volta de 1998.

A arte sempre esteve presente em sua vida? Sim, pois meus irmãos também são artistas e eu sou o caçula. Um é músico e o outro é pintor. Existem artistas tanto na família da minha mãe quanto do meu pai. Meu avô paterno era sambista.

Você participou da criação da identidade visual de várias bandas como Raimundos, O Rappa e Planet Hemp. Como é a relação entre a Arte e a música no seu trabalho? A música já estava presente desde o meu avô sambista. Por essa razão, o meu irmão começou a tocar violino aos 8 anos de idade. Na casa do meu avô, havia vários instrumentos de sopro, percussão, de corda e ele deixava que fizéssemos bagunça à vontade. Então, eu cresci – toda a minha adolescência – com o meu irmão estudando música, com as bandas ensaiando em casa. Logo cedo, comecei a viajar e, com 14 anos, fui conhecendo essas bandas antes de fazerem sucesso. Para Raimundos, eu fiz o primeiro disco. Eu ilustrava para a Revista Bizz [publicação de música de grande repercussão nas décadas de 80 e 90]. Então, existe mais uma proximidade com a música. O Miranda, produtor musical que nessa época era editor da revista, me convidou para fazer a capa do disco dos Raimundos e começou a surgir a gravura.

Quais influências você reconhece no seu estilo? São muitas e diversificadas. Eu cresci com a minha infância nos anos da década de 1970 e tive, basicamente, os gibis da Mônica, Marvel e, na televisão, os desenhos da Hanna-Barbera, programas como o Muppet Show, Thunderbirds e os animes que me influenciaram muito essa questão de eu fazer olhos grandes expressivos em meus desenhos. Há também muita referência dos anos 40, independentemente de ser em cartoon ou artistas, como os da década de 30 e um pouco antes, como Picasso, Di Cavalcanti no Brasil, Portinari, Burle Marx entre outros. A arte oriental, não apenas o mangá, os desenhos de tatuagem também me influenciam muito.

Você acredita que o grafite, mesmo que existam grandes artistas hoje, ainda sofre algum tipo de preconceito? Sim. Ainda existe muito preconceito e eu ainda acho que, às vezes, isso é uma forma de não levar muito a sério, de relacionar muito ao mercado e ao modismo passageiro do que reconhecer que os artistas têm, de fato, uma produção consistente.

Você é considerado um dos principais nomes da arte de rua com obras espalhadas por mais de 15 países. Como é a recepção e a valorização do artista no exterior e no Brasil? Eu acredito que, para cada artista, é de um jeito. No meu caso, por ter feito sempre uma arte brasileira e por ser de São Paulo, tenho bastante reconhecimento na capital paulista principalmente. Em outros países, começamos pintando grandes murais, como prédios e em festivais de grafite. Então, sempre existiu uma curiosidade muito grande. Temos dois grandes embaixadores dessa arte do Brasil para o mundo: Os Gêmeos [Otávio e Gustavo Pandolfo] e o [Eduardo] Kobra. Muitos outros artistas viajam bastante, o Nunca [Francisco de Rodrigues da Silva] é muito conhecido, o Alex Sena tem viajado bastante entre outros, mas alguns fazendo mais a galeria do que a arte de rua necessariamente. Então, há um interesse muito grande com valorização, respeito e, quando encontramos alguns artistas – e próximos da minha idade, da faixa dos 40 para os 50 -, já acompanhavam isso há uns 15, 20 anos. Então, sempre é muito interessante ter essa troca com esses artistas.

Como a arte urbana consegue transmitir sua mensagem, hoje, através dos muros da cidade? Estamos passando por um momento de efervescência cultural, por uma transformação de gerações e temos visto artistas novos, que nem são exatamente do grafite, pintando murais, mas tendo essa oportunidade de se expressar por meio de vários assuntos, como a sexualidade, racismo entre outros. Então, estamos nesse momento muito bom mesmo em que os artistas entendem que é um caminho. Não que seja um caminho contrário porque, quando começamos a fazer outros tipos de trabalho, a rua era mais um deles. Vemos artistas se sentindo muito mais desprendidos, mais livres e também fazendo murais. A rua sempre foi – e vai ser – um palco para a voz das pessoas. É possível uma manifestação sobre algum assunto pelas redes sociais, mas ela ganha corpo e mídia sempre nas ruas.

Dos lugares onde você já deixou a sua arte, qual deles é o mais marcante na carreira? Com certeza, foi o meu primeiro mural em Rotterdam [cidade portuária neerlandesa da Holanda do Sul] há 14 anos. Ele ainda está lá e eu não fazia ideia de como pintar um prédio. Nunca tinha feito isso e estava muito inseguro, sem saber o que fazer. Na época, o meu voo parava em Madrid para fazer escala e ficou lá por várias horas. Eu nem pestanejei. Fui atrás do Guernica [obra de Pablo Picasso de 1937] no Museu Rainha Sofia. Peguei um táxi e fui para lá. Foi muito emocionante. Eu chorei quando vi a obra e, vendo aquele trabalho tão expressivo e importante na História do mundo, falei: “Picasso, me dê uma luz”. Nesse mural que eu pintei – o primeiro -, não fazia ideia de como fazer uma obra daquele tamanho. Eu fiz uma menina entregando tudo o que ela tinha e havia a lâmpada, a mesma da obra de Picasso. Como eu acredito muito que a gente imprime nossas emoções, fiz com tanto carinho, com tanta insegurança e me doando ao máximo para fazer o meu melhor que o muro ficou lá. Há 14 anos, está lá e as pessoas criaram um carinho muito grande por ele.

Você realiza trabalhos tanto em traços fortes e pretos, como coloridos. Quais são os critérios para o preenchimento de cor em seus desenhos? Eu sempre considerei o preto e o branco como cores, só que escolho apenas duas. Ao longo dos anos, fazia vermelho e branco que lembram papel cortado chinês, ou azul e branco que vão lembrar muito várias artes, desde azulejo português, mexicano entre outras obras. Não há um critério; é o que funciona melhor, o que dá mais certo. Existem situações em que acredito que o preto e o branco ficam muito mais elegantes, mais objetivo e eu consigo trabalhar desde a silhueta, contra forma, dando ritmo de um jeito que eu gosto muito de fazer e que, hoje em dia, já deixou de ser desafiador por ser muito prazeroso. Eu gosto muito das cores e sempre me preocupei muito porque isso vem dos tempos de criança. Então, tento criar paletas de cores de duas formas ou com pouquíssimas opções. Isso vem da escola de serigrafia, quando comecei a vida fazendo camiseta e shape de skate. Você tem um limite de quanto você pode usar. Na pintura, eu crio uma paleta com muito cuidado pensando quais são as principais, qual dá o tom para a obra, e, principalmente, acredito que, em qualquer arte que eu vá fazer, há a hierarquia. Isso determina o que você quer e o que é principal naquela obra. Tudo está em função do que quer passar. Então, a hierarquia é o objetivo, o discurso e sobre o que a obra está falando. Então é tudo: a escolha de cores, a composição, um processo que faço de forma meticulosa. Tudo está ali para cooperar, dar suporte e força à narrativa da obra.

No que você acredita para a arte urbana no futuro? Acredito que esse futuro já está acontecendo, e está ali presente nessa democratização cada vez maior. Vemos cada vez mais mulheres fazendo arte urbana – para mim, nunca teve esse preconceito -, mas acho que as mulheres não se sentiam à vontade. Mudou muita coisa e nós temos muito mais artistas mulheres pintando, além dessa proliferação de murais, festivais tanto em São Paulo quanto em Fortaleza consistentes e que estão acontecendo sempre. Isso tem ocorrido em muitos países no mundo. Esse futuro já é agora.