Conheci Os Gêmeos, Gustavo e Otávio Pandolfo, numa residência artística, em Watermill Center (watermill.org) em Long Island-NY. Era Julho de 2005 e havíamos sido convidadas (eu e Gabriela Moraes, minha dupla por 10 anos) um mês antes por uma amiga brasileira super “In”, para a Nessia Pope. O convite seria para trabalhar com outros 60 artistas do mundo todo, ganharíamos pro-labore, passagem, hospedagem, transporte e uma experiência única, trabalhar com um dos maiores Diretores de Arte do mundo – Bob Wilson.
Sem saber o que iríamos fazer nem com quem, Paula Gabriela partiu. Chegando lá, soubemos que a Residência de Bob escolhia todos os anos um país para homenagear, e não por acaso, aquele ano era o Brasil. Até então não havia caído a ficha de que seríamos nós quem faríamos o Décor de um Leilão ultra-mega badalado, onde convidados ilustres pagam fortunas para sentar e fortunas maiores ainda para arrematar obras de arte muito importantes. O Leilão é revertido para pesquisas, residencies e eventos do Watermill Center.
Após uma breve apresentação dos artistas brasileiros para os demais artistas dos quatro cantos, Bob Wilson se reuniu conosco para nos dizer que teríamos um mês e total liberdade para criarmos dentro de um espaço de 20.000 m². Nos deu uma hora com os outros brasileiros para um brain storming. Nosso grupo, éramos nós, Os Gêmeos, Tatiana Grimberg e João Modé.
Estávamos um pouco surpresos com a responsabilidade que nos foi dada. Enfim, até então trabalharíamos “com” outros 60 artistas, mas em 5 minutos tudo mudou, e os 60 artistas trabalhariam pra nós! Uau! Nos ajudando a realizar whatever viesse nas nossas mentes. Os Gêmeos, rapidamente nos disseram que já sabiam o que fazer – pediriam que espelhassem toda a fachada frontal do prédio, que iriam precisar de um elevador móvel e muitas caixas de tinta spray (detalhe – só encontrada em LA). Ficamos perplexas, pois aquilo custaria uma fortuna. Nós havíamos trabalhado na Europa e ninguém falava em gastar tanto, ainda mais com um décor que ficaria apenas como “decoração” não permanente, de um evento milionário. Enfim, Welcome to USA. Daí em diante foi um mês de convívio diário e intenso. Moramos na mesma casa, dividimos o mesmo carro, fazíamos juntos todas as refeições; tínhamos muito trabalho pela frente e boas risadas também.
Nascidos e criados em São Paulo, no Cambuci, um bairro tradicional na região central da Cidade, estes gêmeos univitelinos me impressionaram. Nunca havia visto tanta conexão no olhar e tanta cumplicidade no traço – quando um traça um rosto ou uma vestimenta, o outro vem e preenche com cores e patterns, eles nem se olham, e tudo sai perfeito, como se fossem um mesmo cérebro, como se pensassem juntos.
Não é a toa que a arte das ruas evoluiu, e foi quase que obrigada a adentrar museus e instituições, pois desenvolveram uma linguagem única, que transcende a razão e nos oferece um mundo lúdico, cheio de material onírico, para sentirmos e nos deixarmos levar. As exposições e convites no mundo todo não mudaram nada a maneira simples de ver e viver a vida, os personagens são retratos do nosso povo, dos lugares onde andam.
Vamos a um papo rápido com OsGemeos…
Bem meninos, esta é a visão que tenho de vocês de 10 anos atrás. O tempo passou… Como foi a evolução de vocês neste período de tempo? O que foi mais marcante para vocês? Sim, o tempo passou muito rápido! Mas a essência segue a mesma… Foi uma época muito divertida trabalhando no WM, convivendo com vocês e com todos aqueles artistas, com os ajudantes e com o Bob… Então, nós estamos sempre procuramos evoluir nosso trabalho e transportá-lo a diferentes suportes e mídias, desde o WM fizemos centenas de projetos e achamos que todos eles são extremamente especiais e únicos. Por exemplo, o ano de 2014, foi um ano muito marcante e intenso, fizemos três grandes projetos, um após o outro, a exposição “Ópera da lua” na galeria Fortes Vilaça, a Bienal de Vancouver no Canada, o Boeing da Gol, entre outros projetos paralelos. Estamos sempre procurando investir no nosso trabalho, com novas ideias, conceitos, elaboração, mídias… A evolução faz parte da necessidade que nós artistas temos de solidificar nossos sonhos e o que acreditamos… Pra gente, a arte é uma ferramenta onde materializamos o que realmente queremos comunicar!
Algo mudou no modus operandi? Houve alguma mudança na obra em si pelo fato de vocês passarem a produzir obras para serem vistas em instituições e galerias? Sempre trabalhamos dentro do nosso atelier, desde o inicio, quando começamos nos anos 80 pintando graffiti nas ruas. Voltávamos para nossa pequena casa (com um quarto transformado em atelier) e produzíamos pequenas esculturas e nossos trabalhos em telas. Mudar é sempre importante para um artista, nosso trabalho mudou muito e continua mudando, queremos essas mudanças. Mas sempre mantendo o mesmo íntimo. São dois mundos bem diferentes, a rua e os espaços institucionais, não existe esta “ponte” pra gente de sair das ruas e entrar em um museu ou instituição, o graffiti tem seu lugar na rua. Quando decidimos mostrar nosso trabalho em galerias, tivemos a oportunidade de poder transformar completamente todo o espaço da galeria, quebrando assim regras e conceitos que até então estavam traçados. Abrimos as portas para um novo horizonte e transformamos o “cubo branco” em um mundo onde acreditamos e vivemos em nossos sonhos. Arte deve ser compartilhada com as pessoas. Acreditamos nas artes que nos emocionam e que nos tocam… como um simples olhar, sem ninguém te dizendo Como? Onde? E porque de ter feito…
Em que momento da vida vocês perceberam que daria para viver de arte? Assim que percebemos que desenhávamos no mesmo papel, sem ter que dividi-lo em dois.
Já houve vários episódios onde pinturas públicas de vocês foram apagadas; em SP já houve até caso de vocês serem chamados para pintar novamente o que antes havia sido considerado “vandalismo”. Vocês acreditam que aqui no Brasil o grafitti ainda possa não ser visto e respeitado como arte? Ou isso mudou? Estamos nesse “jogo” há mais de 25 anos e vimos muitas coisas acontecerem… O graffiti no Brasil é valorizado principalmente nas ruas pelas pessoas que convivem com ele que passam diariamente por ali, que vivem na rua, que tem o contato direto com essa forma de arte, o admiram e respeitam. O preconceito vem mais dos “informados”, que enxergam a força dessa forma de arte e que teme seu poder direto de comunicação. Infelizmente, não só nós, mas outros artistas também sofrem diariamente com o cinza que a prefeitura aplica sobre nossos trabalhos.
Só entende a força do graffiti aquele que vive isso e se dedica 24 horas a encontrar novos lugares pra colocar sua arte na rua. É um universo muito diferente, sincero e verdadeiro onde não existe “duble”. Nós aprendemos muito com esse jogo e levamos muito disso para o nosso trabalho, nas formas, cores, improvisos…. A rua é uma escola onde não se repete de ano. É uma “guerra de estilos”. É triste de ver por exemplo que o graffiti em São Paulo existe há mais de 30 anos e muitas pessoas apenas passaram a reconhecê-lo ou valorizá-lo porque foi reconhecido no exterior ou porque fez parte de uma coleção importante.
Ainda estamos aprendendo muito em relação a isso. Nosso reconhecimento primeiro foi fora do Brasil com a galeria Luggage Store em SF e com Jeffrey Deitch em NY, depois que começamos a trabalhar com outras galerias como Fortes Vilaça no Brasil. Nos entendemos isso, Jeffrey trabalha com artistas que vieram do graffiti desde o início dos anos 80, artistas como Basquiat e Keith Haring quando foram extremamente consagrados. Hoje em dia a cena mudou bastante, existem muitas portas abertas e galeristas de todo o mundo convidando artistas que vieram do graffiti pra fazer parte de seu time de artistas. Galerias de street art e graffiti pipocaram no mundo todo! Feiras de arte ligadas somente à street art, Bienais de graffiti… Enfim, estamos em transformação! Isso é muito bom, toda essa globalização fez as coisas acontecerem muito rápido e ter espaço para todos. Mas estilo próprio ainda é a chave mestra, você pode ter “contatos” e “conexões”, mas se não tiver sua essência e estilo? Aí você é só mais um.
Como vocês enxergam o graffiti dentro da chamada street art? Pra gente sempre foi graffiti, o que fazemos nas ruas é graffiti. Street art é um nome recente que a mídia batizou devido ao sucesso de artistas como Banksy. Crescemos em uma geração de que se você pegar um spray e sair por ai pintando… você está fazendo graffiti.
Quais são os planos para o futuro? Existem planos? Sim, sempre! Para este ano temos planejado um grande mural na Lituânia, um projeto para NY (ainda sigilo) e 2016 uma grande exposição em NY.
Site oficial: www.osgemeos.com.br