BEBIDA: Cervejarias artesanais de Santa Catarina, uma rota para beber direto da fonte


Se você gosta de cerveja, temos uma boa e uma má notícia. Comecemos pela boa, que você talvez já saiba: a revolução da qualidade finalmente está ganhando impulso no mercado brasileiro e as cervejarias artesanais estão se multiplicando mais rápido do que nunca. A faixa de cervejas especiais – a chamada faixa das Super Premium – hoje representa cerca de 1% do consumo nacional e deve dobrar na próxima década, na avaliação dos especialistas. Se há dez anos o Brasil tinha cerca de uma dúzia de microcervejarias, hoje já são para lá de 200, mais preocupadas com a variedade e em produzir bebidas utilizando processos cuidadosos e ingredientes acima da média do que com volume e preço, como costumam fazer as gigantes.

“A tecnologia e as condições de pagamento para montar uma microcervejaria hoje estão muito mais acessíveis, coisa de um terço do que era quando nós começamos”, explica Luiz Alexandre de Oliveira, mais conhecido por Xico, sócio-administrador da Opa Bier, de Joinville (SC), fundada em 2006.

Na opinião dele, o avanço das artesanais só tende a ganhar ritmo nos próximos anos. “Nós fomos as cobaias. A Borck (de Timbó-SC) abriu no facão o mercado de cervejaria artesanal no Estado. A Eisenbahn (de Blumenau-SC, comprada em maio de 2008 pela Schincariol) fez a picada no facão. Nós já encontramos essa picada, mas quem está vindo agora está pegando uma estrada asfaltada.” A opinião é compartilhada por outro cervejeiro, esse da turma que faz planos arrojados para acelerar na rodovia pavimentada das artesanais. “Nos Estados Unidos tem mais de 2.000 cervejarias, por que no Brasil seria diferente, sendo um país desse tamanho?”, questiona Rubens Siedschlag, proprietário da Volksbier, de Joinville (SC).

A má noticia? A revolução não será televisionada. Se algumas marcas já alcançam as gôndolas das grandes redes supermercadistas das capitais, o epicentro do processo permanece escondido nos galpões que abrigam tonéis reluzentes em algumas cidades médias e pequenas do interior do Brasil – alguns fabricantes ainda distribuem a bebida fermentada à perfeição apenas em barris, em forma de fresco chopp, disponível só nas próprias redondezas.

Um exemplo? Por que não quatro? A MENSCH fez uma excursão à linha de frente da revolução das artesanais, em Santa Catarina, Estado conhecido por abrigar uma colônia alemã numerosa e a maior festa da cerveja do país, a Oktoberfest. São mais de 20 fabricantes, dos quais selecionamos quatro, localizados em um raio de até 75 quilômetros de um aeroporto de alcance nacional, para você beber direto da fonte das artesanais. Das quatro, três tem bares próprios anexos para o visitante provar as bebidas elaboradas logo ali ao lado e todas permitem visitas à fábrica, para acompanhar o processo de produção.

“Todo mundo aqui na região faz cerveja de qualidade, não conheço ninguém que faça cerveja ruim”, afirma, com confiança, André Rodolfo da Silva, cervejeiro da Wunder Bier, de Blumenau (SC). Com um sorriso no rosto, ele ensina: “tomar cerveja na cervejaria não tem igual. No transporte ela fica suscetível a mudanças de temperatura e sofre com o movimento, vai chacoalhando no caminhão…” Conselho de cervejeiro não se desperdiça. Conheça a seguir alguns dos líderes da revolução – e comece a fazer as malas.

Opa Bier

A Opa Bier surgiu há sete anos, com o objetivo de ressuscitar uma cultura que acompanhava a maior cidade catarinense desde os seus primeiros dias e ameaçava desaparecer: produzir cerveja. A referência histórica se justifica. Pouco mais de um ano após a fundação da colônia alemã que deu origem a Joinville, o vilarejo de 700 habitantes já contava com uma fábrica artesanal da bebida – a Cervejaria Schmalz, aberta em 1852, a primeira do Estado. Quando a Opa começou, no entanto, os joinvilenses já se viam órfãos da produção da bebida há sete anos, desde o fechamento da unidade da Antarctica, uma referência na fabricação de cerveja na Região Sul do país desde os anos 40.

“Nós percebemos que o mercado artesanal estava crescendo no Brasil, com a venda das cervejas importadas”, explica Luiz Alexandre de Oliveira, o Xico, sócio-administrador da Opa Bier. “Aproveitamos para resgatar a cultura da cidade de fabricar cerveja e a tendência de consumo das artesanais e especiais.”

A aposta inicial da Opa foi no chopp – que até hoje representa 40% da produção e é vendido até engarrafado, sempre sob refrigeração, só na região de Joinville. Atualmente, porém, produz também seis variedades de cerveja (Pilsen, Weizen, Pale Ale, Porter, Old Ale e Sem Álcool), engarrafadas em long necks, garrafas descartáveis de 600 mililitros e até uma edição especial de garrafas de alumínio de 500 mililitros (apenas o tipo Pilsen).

Dos 8.000 litros de 2006 a fábrica no distrito de Pirabeiraba passou a fermentar entre 180 mil e 190 mil litros mensais neste ano, operando a cerca de 70% da sua capacidade. Para continuar a crescer, a cervejaria acredita em tratar a bebida com o cuidado que se dedica a alguém da família – Opa significa “avô” em alemão.

Volksbier

Entre as menores microcervejarias de Santa Catarina, a Volksbier reúne de forma inusitada duas paixões alemãs: a cerveja e o Volkswagen, o popular Fusca. Possui nada menos do que quatro deles, nas cores da bandeira da Alemanha – vermelho, amarelo e preto (dois) -, em cujo interior só sobrou espaço para o motorista. No lugar dos bancos traseiros foram alojados equipamentos para alimentar uma chopeira elétrica, com duas torres e suas respectivas torneiras brotando das janelas traseiras do carrinho.

O engenho, pensado para distribuir chopp em eventos, é obra de Rubens Siedschlag, proprietário da Volksbier, negócio aberto em novembro de 2010, em Joinville, inicialmente pensado para ser uma distribuidora de cervejas artesanais. Ao encontrar dificuldade para convencer as microcervejarias a lhe vender os próprios produtos, Siedschlag fez um ajuste de rota. Encontrou em um site de venda de produtos usados na internet os equipamentos completos de produção – que negociou por um carro, um Honda Civic -, e em agosto do ano seguinte já estava operando, com os Fusquinhas como símbolo maior da marca. Atualmente a capacidade é para 5.000 litros mensais, apenas de chopp.

Além dos fuscas, um bar montado à imagem de uma vila de colonos alemães funciona anexo à fábrica, servindo cinco variedades fixas de chopp (Pilsen, Lager, Weissen, Red Ale e Stout) e algumas sazonais, além de pratos da culinária germânica. Dado ao pioneirismo, Siedschlag desenvolveu uma solução própria para crescer entre os pequenos bares, de forma a driblar o alto custo de distribuição das chopeiras tradicionais, que gira em torno de R$ 5 mil e costuma ser bancado pelas cervejarias – só justificável para estabelecimentos de grande giro.

Ele criou uma caixa conservadora que faz as vezes de chopeira, com uma torneira acoplada. Funciona como um refrigerador, mantendo até dois barris de chopp sempre gelados, aumentando a vida útil da bebida, que fora da câmara fria é de apenas 72 horas. “O preço é bem mais baixo, cada uma delas custa R$ 1 mil, um quinto da chopeira”, explica. A Volksbier tem uma dessas caixas de conservação em funcionamento em um bar de Joinville e outras três já encomendadas.

Os planos de Rubens não param por aí. Depois da “cerveja do povo” (Volksbier, em alemão), ele tem outra marca já registrada, a Bierwagen (“caminhão da cerveja”), pensada para uma linha engarrafada da bebida, a ser fermentada em uma outra fábrica, nos próximos anos. É bom não duvidar…

Bierland

Encravada na Itoupava Central, um dos bairros de maior presença de descendentes de alemãs em Blumenau-SC (por si só quase um sinônimo de Oktoberfest), a cervejaria criada em 2003 não podia ter recebido nome mais adequado – do alemão, Bierland se traduz por “terra da cerveja”.

Dos 20 mil litros iniciais produzidos mensalmente, hoje a média passou a algo em torno de 80 mil litros ao mês. Durante os três meses de pico, porém, – entre outubro (quando os esforços são redobrados para ajudar a matar a sede dos milhares de visitantes da maior festa da cerveja do Brasil) e dezembro, os tanques de fermentação operam à capacidade máxima, de 130 mil litros por mês.

“Hoje 60% do que produzimos é chopp e 40% é cerveja”, explica o cervejeiro Osmar Farias, há nove anos na Bierland. “Mas nosso plano é ampliar a faixa da cerveja e deixar de 20% a 30% para o chopp.” A fábrica elabora atualmente três tipos de chopp (Pilsen, Pale Ale e Weizen) e oito variedades de cerveja – Pilsen, Pale Ale, Weizen, Bock, Vienna, Stout e Golden Ale, incluindo uma releitura das primeiras fermentações que os imigrantes alemães desenvolveram ao chegar às margens do Rio Itajaí, por volta de 1860, batizada de cerveja “Tipo Blumenau”.

Farias é um exemplo vivo da revolução das artesanais que vem tomando conta do Brasil. “Antes de trabalhar aqui na Bierland eu nem gostava de cerveja”, conta, sem vergonha. Agora, fica indignado ao ver alguém pedir um chopp sem colarinho: “Se eles soubessem o trabalho que eu tenho para manter a espuma desse jeito…” A cervejaria tem um bar anexo à fábrica para quem quiser provar a bebida elaborada no galpão vizinho – não decepcione o Osmar, faça questão dos seus dois dedos de espuma.

Wunder Bier

Também estabelecida em Blumenau (SC), a Wunder Bier tem uma ligação umbilical com a maior festa da cerveja do país. “Abrimos as portas no dia 1º de setembro de 2007 e 30 dias depois já estávamos vendendo chopp na Oktoberfest”, orgulha-se André Rodolfo da Silva, que passa suas noites zelando pelo bom descanso da bebida nos brilhantes tonéis de aço – é ele o cervejeiro que responde pelo turno noturno da fábrica.

Com uma produção média de 40 mil litros mensais, a Wunder Bier está em estágio de transição. “Podemos dizer que 99% do que fabricamos é chopp, mas estamos planejando um avanço na cerveja”, explica Silva. Por enquanto, são três os tipos de chopp (Lager-Hell, Hefe-Weiss e Schwarsbier), cuja produção salta para 80 mil litros ao mês entre outubro e dezembro, a temporada de pico. Sem uma engarrafadora própria – que já está nos planos -, há alguns meses a cervejaria desenvolveu uma parceria com a joinvilense Opa Bier. Envia cerca de mil litros do chopp escuro Schwarzbier para o norte do Estado, em um tonel de aço, e recebe a bebida de volta devidamente engarrafada.

“No começo foi só uma experiência, mandamos um lote que havia sobrado, sem conservantes, sem mudar em nada a receita, e deu certo”, conta o cervejeiro. Da experiência inicial veio a decisão de começar a engarrafar também o chopp de trigo (Hefe-Weiss). Ainda firmemente lastreada no chopp, a aposta da Wunder Bier para crescer está em bares próprios e parceiros no entorno de Blumenau, em um raio de 100 quilômetros. A fábrica mantém um bar anexo ao galpão de produção, para os visitantes provarem a bebida, pouco habituada a viajar.

Pode parecer pretencioso antes do primeiro gole, mas em alemão Wunder Bier quer dizer “cerveja maravilhosa”.

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