CAPA: Armando Babaioff, realizado e realizando arte no teatro, na tv…na vida

A paixão pelo teatro despertou em Armando Babaioff desde muito cedo, aos 11 anos, quando estudava em uma escola pública em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Apoiado pelos pais, Babaioff seguiu sozinho seu caminho até sua realização. Determinado e cheio de certeza do que queria para sua vida, estudou teatro, trabalhou como produtor, estudou mais um pouco e subiu no palco. De onde não saiu mais. Quer dizer, tem saído sempre que aparece um ótimo personagem na TV, como seu trabalho atual, o Ionan da novela “Segundo Sol”. Um policial que tenta ser correto no meio de uma família cheia de altos e baixos de caráter. Um personagem tão cheio de conflitos não poderia ser melhor do que nas mãos desse pernambucano de nascença e carioca de vida. Assim que terminar a novela, agora em novembro, Babaioff volta para seu “habitat” natural, o teatro, com o espetáculo “Tom na Fazenda”. Que ao encerrar temporada no RJ segue estrada levando sua arte. Assim, do jeito que Babaioff curte e se realiza. 

Armando esperava esse sucesso todo do personagem Ionan? Eu estou feliz demais com esse trabalho. Novela é uma obra aberta e a gente nunca sabe aonde o roteiro vai nos levar. Mas sabia que o texto do João (Emanuel Carneiro) era muito interessante e que tínhamos um elenco muito bom reunido, essa era uma das maiores preocupações do Dennis Carvalho, houve um investimento num elenco heterogêneo, mas extremamente pró-ativo, interessado, preocupado em contar essa história da melhor forma possível. Vejo que as pessoas gostam do Ionan, falam comigo sobre ele e isso tem sido muito bacana. Mas eu tenho um olhar bem específico sobre essa palavra: sucesso. Para mim sucesso é poder trabalhar com o que eu amo, viver disso que eu acredito ser a minha arte. E eu já faço isso há muito tempo. Sou um cara realizado e vivendo um momento muito especial na carreira com esse trabalho.

Alguma coisa em comum entre você e ele? Costuma emprestar algo seu aos personagens ou pegar algo deles para você? Eu gosto de compor, de criar o personagem. Não penso nas semelhanças, mas nas características daquele papel que eu vou dar vida. Eu acho que o Ionan tem um coração bom. E, nesse sentido, eu me acho parecido. Ele é um cara prestativo, que se preocupa com quem está em sua volta. Sou um pouco assim. Mas a minha composição vai além, eu sigo muito a minha intuição, mas muito pelo o que leio do texto e principalmente pelo o que troco em cena com meus colegas. Tive a felicidade de criar esse personagem com muita liberdade. Eu trouxe os óculos que ele usa quando está em casa, o fato dele ser esse torcedor do Bahia também é uma sugestão minha. Uma coisa que eu também criei para o Ionan foi o fato de ele roer as unhas, porque tem uma ansiedade fora de controle, mentir não é algo que o deixa tranquilo. Criei isso para ele. Fora a gagueira que aparece quando ele não sabe o que responder, ele é esse tipo de gente. Isso por que estou falando de composição, de detalhes. Mas as contradições do personagem, esses conflitos que ele possui e que são ricos demais é extremamente humano, cheio de virtudes e cheio de erros ao mesmo tempo. O Ionan é um personagem cheio de camadas que só me foram permitidas visualizar por que o João não cria personagens rasos, eles são tridimensionais.

Seu personagem é um policial todo correto. Passou por algum laboratório? Enxerga com outros olhos hoje em dia o trabalho de um policial? Ele tenta ser correto né? Eu não cheguei a fazer uma preparação específica. Como eu disse, minha preocupação ficou mais no psicológico do Ionan, no convívio familiar, quem era ele ali no meio dos irmãos Falcão. O texto do João trazia muitos detalhes. Fui prestando atenção nisso. São pequenas coisas que vão te conduzindo. Mas eu respeito muito a profissão do policial. É um ofício muito difícil, nobre e que não recebe o valor e o reconhecimento que deveria ter.

Falando em ser policial, quando jovem você chegou a tentar a carreira militar por conta do seu pai. Hoje em dia ele reconhece que ser ator era seu destino? Eu sempre quis ser ator. Descobri o teatro na escola, ainda muito novo, criança mesmo. Comecei as 11 em uma escola pública em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, chamada Escola Municipal Pio X. E foi uma conexão muito forte com o palco. Foi um privilegiado ter contato com isso que viraria a minha profissão muito cedo. Desde então nunca fiz outra coisa. Tentei até um outro caminho, sou formado em Construção Civil, meio que a pedido dos meus pais, mas nunca deixei de fazer teatro. Percebi que não adiantava fazer algo que não era o que queria. E sei que fiz a escolha certa, porque não me imagino fazendo outra coisa.

Aliás, como surgiu a ideia de ser ator? Como foi o início? Surgiu na escola, como disse. É uma carreira que, inicialmente, você pensa: qual é a estabilidade que eu terei? Mas se você pensar, não temos nenhuma garantia, de fato. Em nada. Eu quis seguir o meu desejo. Aos 13 anos disse para os meus pais que queria ser ator. Foi uma loucura, mas nunca me disseram não. Mas me explicaram que eu teria que trilhar esse caminho sozinho, eles me dariam o suporte que pudessem. Eu nunca falei com eles sobre isso, mas eu ali, naquele instante, fazia um pacto comigo mesmo. Amadureci. Acho importante a gente respeitar os nossos desejos. Todos os cursos de teatro que fiz foram gratuitos ou então eu era bolsista. Nunca pedi dinheiro aos meus pais, mesmo tendo o apoio deles, mas sabia que iria fazer falta. E eu tinha que trilhar o meu caminho. Não foi fácil. Mas o que é fácil? Eu fui estudar, buscar uma formação, encontrar a minha turma. Sou formado por uma das mais conceituadas escolas de teatro do Rio de Janeiro, a Escola Técnica Estadual Martins Penna e na sequência fiz UNIRIO, também ensino público. Nunca tive pressa de nada, dei aula de teatro, trabalhei fazendo assessoria de imprensa para espetáculos em cartaz no Rio, mesmo estando em cartaz. Demorei muito a dizer que era ator, mesmo já trabalhando com isso. Por vergonha mesmo. Preferia dizer que era estudante de teatro, porque, ao menos, defendia o título de alguém que estudava, o ator está sempre em processo de formação. É o que eu penso. Você nunca está completamente pronto, está sempre em busca, até por que o que eu entendo hoje como ser ator passa mais por um lugar de eterna formação. A gente se torna ator ao longo da vida. Ainda tenho muita estrada pela frente. O início foi esse: muito estudo, em busca de oportunidades, assim como acontece em qualquer outra profissão.

Você parece ser um cara bem determinado no que quer. Sempre foi assim? Sempre. Não me diga que não sei fazer ou que não sou capaz. Se eu coloco algo na cabeça, eu penso de que forma eu vou concretizar aquilo. E vou traçando metas e criando planos. Sei que não temos o controle das coisas e, muitas vezes, elas fogem ao nosso controle, mas a determinação te ajuda a não desistir e a seguir em frente no seu propósito. Mesmo não sabendo por onde começar. Eu gosto de aprender.

Em “Segundo Sol” seu personagem se envolve com uma personagem que tem um relacionamento com outra mulher. Na vida real já aconteceu algo parecido? Como lidaria com algo assim? Não, nunca passei por uma situação como essa. Acho muito complicado você se envolver com quem já está em um compromisso. Eu sou bem analítico, de observar, ponderar… E, em casos assim, sempre tem alguém que sairá sofrendo. E eu prefiro evitar esse tipo de situação.

Para você qual a importância de se discutir temas como casal lésbico, traição no mesmo sexo e inseminação artificial na TV? O mais legal da novela é tratar de forma natural os seus temas. É importante existir representatividade na televisão. No caso da traição, sobre ser no mesmo sexo ou não, não importa, é uma traição. O que levou a essa traição é o que eu acho que está em discussão. Ionan tem um relacionamento muito complicado com a mulher, um ciúme desmedido e esse relacionamento abusivo em que vivem não é normal, mas isso não é motivo pra achar que o Ionan agiu certo, isso não diminui o que ele fez. É traição. Da doação de sêmen ao beijo. Mas o que percebo é que ele encontrou em Maura alguém que o compreendia e admirava. E, no caso da Maura, ela se encantou por Ionan, pelo homem que ele é. Eu digo que Ionan se interessou por Maura, não por qualquer mulher. E Maura por Ionan. E isso foi construído capítulo a capítulo. Não sei se eles ficam juntos, mas a forma como eles se envolveram é muito crível. Da mesma maneira como Selma e Maura se envolveram. Foi tudo natural. O que sei é que não podemos mais dar um passo atrás.

O que acha sobre inseminação artificial? Você seria à favor no caso de um relacionamento onde a parceira não pudesse engravidar de forma “natural”? Como você reagiria? Sim, totalmente à favor. As pessoas têm o direito de encontrar maneiras para realizar os seus sonhos. Um filho gerado por inseminação artificial não é menos amado por isso. Ele é tão desejado, tão esperado quanto um filho que foi concebido sem inseminação. Assim como a adoção também é um caminho que eu valorizo muito.

Você já sofreu nas ruas por conta de seus personagens. Isso assusta um pouco, dependendo da situação, mas por outro lado quer dizer que seu desempenho está muito bom. Como lidar com isso? Eu lido muito bem com essa abordagem. Eu sou um cara mais na minha. Estou experimentando esse assédio um pouco mais forte agora, com o Ionan. Mas já fiz outros trabalhos na TV, sei como é. E gosto de trocar ideias com as pessoas que estão assistindo, que abordam sempre com carinho para falar do trabalho. Isso eu acho muito legal. A cena vai ao ar hoje e a resposta é quase imediata. Eu lido bem.

Como separar vida privada da vida pública? Minha profissão tem um alcance público. É o meu trabalho que é público. E é feito para ele. Como disse, eu sou um cara mais na minha. O que quero e gosto de compartilhar é a minha arte, eu sou artista por isso, é a minha necessidade de dizer ao mundo o que penso dele através do teatro, através dos personagens. Me exponho muito mais em cena do que na minha vida.

Em tempos de redes sociais como controlar o que é exposto e como impor limites nas redes? Eu não sou aquela pessoa que fica online 24 horas. Celular, para mim, é para resolver coisas de trabalho, na maioria das vezes. Tenho Instagram (@babaioff) e só. Uma conta no twitter para ler jornais e seguir quem eu me interesso em ler, dificilmente posto ou participo de discussões online. Sou do olho no olho. Sou prolixo e não consigo me resolver em poucos caracteres e nem tenho tempo pra isso. Gosto muito de fotografia, de imagens, talvez por isso o Instagram seja a rede social que eu mais curto. Eu posto muita coisa de trabalho, algumas coisas da minha vida. Mas rede social é algo que depende do seu bom senso, do que você quer compartilhar. Esse é um limite que cabe a cada um dosar.

Recentemente você estava em cartaz com a peça “Tom na Fazenda”. Depois da novela volta ao teatro? O que te atrai nos palcos? O palco é a minha segunda casa. É o que eu amo fazer e onde preciso voltar para me recarregar, para me entender. Sou apaixonado por teatro e não me vejo sem fazer. Gosto muito de fazer novela, é mais uma forma de exercer a minha profissão. E vejo na televisão cada vez mais possibilidades de levar meu trabalho adiante. Mas vale lembrar que é por causa do teatro que vim parar na televisão. O teatro é de onde eu venho e é para onde eu sempre retornarei. “Tom na Fazenda” é um dos meus trabalhos mais importantes. Eu sou o produtor e idealizador do espetáculo. Comprei os direitos e resolvi produzir. Traduzi o texto e o lancei pela Cobogó nesse ano. Esse projeto nasce no meu quarto e de repente ganha o mundo de uma forma muito bonita. Hoje, me emociona muito olhar para trás, depois desse pouco mais de um ano e meio desde a sua estreia e ver o tanto de coisas que conquistamos e as portas que abrimos para que o espetáculo continue. “Tom na Fazenda” é um texto que me provoca como artista e a forma como ele é recebido me motiva a cada vez mais levar esse espetáculo adiante. Assim que a novela terminar, voltamos aos palcos, dia 9 de novembro no Imperator, no Méier, e em seguida, em dezembro, encerraremos as temporadas no Rio de Janeiro em outro teatro, em apresentações com ingresso a preço popular. Mas vamos divulgar mais pra frente e ano que vem vamos invadir outras cidades!

Falando em teatro um dos momentos mais importantes da sua carreira nos palcos foi quando você estreou com “A Primeira Vez de Um Homem” (2004), de Miguel Falabella, ao lado de Vera Fischer. Como foi esse momento? É um divisor de águas para você? Foi um trabalho muito importante, que me deu reconhecimento e visibilidade. Foi a primeira vez que tive contato com o grande teatro, com um grande público. Tive a oportunidade de trabalhar com grandes profissionais. Do elenco à ficha técnica. É um dos trabalhos, entre tantos, que eu tenho o maior carinho. Tenho tanto admiração pelo Miguel Falabella que, anos mais tarde, ele me convidou para fazer “A Escola do Escândalo” e eu não pensei duas vezes, fizemos duas temporadas, uma no Rio e outra em SP. Mas foi essa a peça que me apresentou para o público e por causa dela fiz a minha primeira novela, que foi “Páginas da Vida”. E fazer um personagem que foi eternizado por Dustin Hoffman nos cinemas. Que privilégio.

Nascido em Recife e morando no Rio há muitos anos. Que lembranças ou referências guarda de sua cidade natal? Eu tenho muitas lembranças. Meus pais são cariocas que moraram por anos em Recife, foi um desejo que eu e minha irmã fôssemos pernambucanos. Então, quem sou eu para dizer que mesmo vindo cedo para o Rio de Janeiro deixei de ser pernambucano. Fui alfabetizado lá, minha memória auditiva é pernambucana, minha identidade cultural também. Vim aos 6 anos para o Rio com toda a família, mas meus pais nunca deixaram de nos levar para Recife, falar de Pernambuco, da cultura, da música, da comida. Já estive muitas vezes em Recife. Muitos carnavais. E é um lugar muito especial para mim, muito familiar, desde o sotaque dos meus conterrâneos até a culinária. Meu cheiro de infância é o sargaço nas praias de Recife.

O que a arte faz por você e o que você faz por ela? A arte é o que me tira do lugar comum, é o que aguça a minha curiosidade, que instiga a minha criatividade, é o que me inquieta. Vejo que a minha vida inteira eu construí em torno do que faço. E o que eu faço por ela? Eu tento retribuir tudo o de bom que ela trouxe para mim, seja na minha dedicação, nos trabalhos que eu escolho, em cada vez que piso no palco. Eu tenho um compromisso com esse ofício. Respeito demais meus mestres e os meus ídolos. Tenho total devoção por todos que passaram que nos ensinaram e deixaram um legado para as gerações que vieram. Precisamos manter e guardar a memória. Precisamos continuar pesquisando, estudando e ao mesmo tempo incentivando uma geração que está vindo. Precisamos ser conscientes da nossa responsabilidade. Gerar discussão. Se colocar no lugar do outro. Se permitir colocar no lugar do outro para uma plateia que curiosamente está ali, fisicamente repetindo o mesmo ritual de séculos… e coloque séculos nisso. Eu estaria mentindo se eu dissesse que não me preocupo com o futuro e com o que os nossos governantes fazem com a cultura do nosso país em geral. Me preocupo e muito. Por isso sempre gosto/preciso de me posicionar. A arte faz muito mais por mim do que eu por ela. Sou apenas um mensageiro.

Nas horas vagas o que te distrai? Tenho curtido muito um ócio criativo. Não fazer nada mesmo e deixar fluir. Nessa brincadeira nasceram dois roteiros. Um longa e um curta. Eu também estou traduzindo uma peça. Por incrível que pareça isso me distrai. Mas eu adoro ler, ir ao cinema, ver o que os meus colegas estão fazendo no teatro.

Como lida com vaidade? Olha, não sou escravo dela não. Eu sou bem tranquilo com vaidade (risos). Não é algo que eu me preocupo tanto. Eu tenho uma alimentação saudável, porque já é algo da minha vida mesmo. Mas não sou de estar em academia, troco fácil por uma trilha, uma caminhada, ir aos compromissos de bicicleta ou a pé. Minha vaidade está em outro lugar.

Para te conquistar basta… Não sei se existe uma fórmula para isso (gargalhadas).