Quem disse que para alcançar a espiritualidade é preciso viver na escassez? De acordo com algumas crenças, o ser humano só é capaz de experienciar o mundo espiritual se abrir mão de bens e de tudo que o prenda na materialidade. Mas até que ponto isso é verdade? Temos que abdicar de nossas conquistas e evitar usufruir de confortos para a elevação do espírito?
Sem dúvida, este é um tema polêmico que gera discordância e que pode levar a um certo equívoco quanto ao entendimento sobre ser e ter.
Certas pessoas acreditam que o fato de ganhar muito dinheiro e de adquirir uma soma de bens é incompatível com o mundo imaterial. Porém, existe uma linha tênue envolvendo ambas as coisas.
Há séculos, algumas religiões tentam impor a seus fiéis a ideia de que a riqueza e que também o culto à beleza são ruins, dando a sensação de que o luxo é um pecado. Mas já reparou que os mesmos que ensinam que o mundo espiritual é feito de abdicação da riqueza e da beleza, muitas vezes, é gente que vive dentro de bons padrões, sem privar-se do seu conforto? Quando se entra em templos, igrejas, catedrais, o que vemos? A riqueza está lá, o ouro está lá e a beleza também está lá. Toda essa pompa só não pode existir para nós simples mortais? (Assista https://www.instagram.com/noellisantiago/reels/ “Beleza Estética x Espiritualidade”)
Não devemos associar uma vida de conforto e riqueza a uma baixa espiritualidade, porque nem sempre é assim. Se olharmos para o lado de fora da janela, veremos o quanto a Mãe Natureza é rica. Em sua exuberância, ela é farta, bela e tudo nos oferece para vivermos bem e em plena abundância. Evolução espiritual não tem a ver com voto de pobreza. A vida é próspera e abundante por natureza. Foi assim que tudo foi criado. A vida não foi inventada com falta de beleza ou com uma cor apenas. Ela não foi formatada toda preta, todo branca ou toda azul. Ela foi construída com diversidade. Não existe um mundo espiritual sem esse transbordar da matéria. Achar que não devemos usufruir do que existe de melhor é uma crença limitante.
Não quero dizer com isso que não existam indivíduos materialistas, com uma ambição desmedida e com baixa espiritualidade. Existe um pouco de tudo neste mundo, porém, correlacionar um estilo de viver pródigo com pessoas deste tipo acaba nos levando a conclusões inconsistentes.
Atuando como terapeuta consciencial na área de terapia integrativa, percebo pessoas que não progridem porque acreditam que não se deve ter ambição. Mas sem ambição, não é possível chegar a lugar nenhum. Ambição no sentido de aspiração, de ter meta, de obter êxito é sempre positivo. Ninguém deve se sentir culpado por suas conquistas, de ganhar um bom salário, de viver com conforto e requinte. Ninguém deve achar que é fruto do meio e não merecedor de riqueza. Afinal, quem é que não gosta de dormir em uma cama aconchegante, de poder partilhar momentos felizes com os entes queridos e, na falta de saúde ou em uma necessidade, de ter acesso a um bom hospital e de prover todos os cuidados a quem amamos? Quem não gosta de poder viajar e de ter a oportunidade de lazer junto à família? Isso é muito valioso e é o dinheiro que permite aproveitarmos todas essas coisas.
O sentimento de culpa só deveria existir para os que não respeitam o próximo, para quem não tem ética ou quer conquistar o sucesso a qualquer preço.
Também devemos evitar julgamentos, pois, para uns, ter dinheiro pode parecer esbanjamento e, para outros, pode significar uma questão de sobrevivência. Não sendo assim, qual seria a quantia certa para se viver? Não existe um valor ideal, uma vez que vivemos em um mundo material capitalista onde todos nós precisamos de dinheiro. Não moramos na selva. Sejamos pobres ou ricos, temos que pagar por tudo o que consumimos. Pagamos para morar, para nos alimentar, para nos vestir, para ir ao dentista… Por menos que se gaste, não se vive nas cidades e centros urbanos sem despesas.
Além disso, vale observar que as necessidades variam. Tem gente que precisa de pouco, e o que é pouco para um, não necessariamente é para o outro. Tem gente que precisa de muito, mas que, também, o muito para um, não é o mesmo para o outro. Cabe a cada indivíduo encontrar o seu próprio caminho, procurando se sentir bem, usufruindo e sendo feliz com aquilo que construiu para servir a si e ao próximo.
Quando mudamos o nosso olhar, nos despindo de críticas e condenações, podemos perceber que a evolução espiritual caminha lado a lado com a evolução física e material. Não se pode achar que uma coisa está desconectada da outra. A espiritualidade não separa nada. Nada está segregado.
Outro aspecto importante que devemos refletir é que existe muito preconceito e crenças enraizadas na nossa sociedade que a gente nem se dá conta. Quantas vezes escutamos, quando crianças, nossos pais dizerem “lave as mãos pois o dinheiro é sujo”? Ou pessoas afirmando que “o sol não nasce para todos”, reforçando a ideia de que sem esforço não há merecimento? Ou ainda que para conquistar algo “é preciso matar um leão por dia” porque “somente na dor damos valor”? Será que para conseguir qualquer coisa na vida precisa ser na base do sacrifício? São tantos os ditados que a gente acaba até os incorporando, achando tudo isso natural, quando, na realidade, não é.
Quem nunca ouviu dizer que “o dinheiro não traz felicidade”? De fato, isso pode ser parcialmente verdadeiro, porque, senão, não existiriam ricos e milionários extremamente bem sucedidos, com depressão, doentes fisicamente e com transtornos emocionais. Mas até onde podemos validar e aceitar tal conceito como uma verdade absoluta? Como se encontra bem-estar, vendo um filho mal alimentado e sem poder oferecer educação, sabendo que ele tem um futuro inteiro pela frente? Ou tendo um pai ou uma mãe doente sem condições de fazer um tratamento adequado? Como exigir equilíbrio de um marido desempregado, faltando o básico para a sua sobrevivência?
Certamente, todos nós temos problemas, mas a dor causada pelos infortúnios da vida se agrava para os que não tem dinheiro. Quem não tem um saldo extra no banco não pode se dar ao luxo de, por exemplo, morar mais próximo do trabalho e de gastar menos tempo no trânsito, de se dedicar a um hobby e ao que gosta, ou de, simplesmente, jantar fora com os amigos ou com a família, porque teve um dia estressante.
Assim, generalizar ou acreditar em pseudoverdades e em ideias preconcebidas pode ser uma rota para o atraso, levando-nos aos equívocos que emperram e nos impedem de progredir. Ao ganhar consciência de que somos protagonistas da nossa vida e que as nossas vivências são resultado do que pensamos e sentimos sobre nós mesmos, passamos a gerenciar melhor o nosso dia a dia influindo de uma maneira positiva, abrindo portas para os acontecimentos e realizações.
Em certo ponto de vista, o dinheiro não traz felicidade, mas, olhando por um novo prisma, ele é uma chave importante para se construir momentos felizes. E não há qualquer pecado nisso.
Temos inclusive uma tendência a julgar o querer mais, do bom e do melhor, como se fosse um defeito, como se fosse uma característica ruim e uma espécie de ingratidão. No entanto, se o homem alcançou até hoje todo este desenvolvimento e um alto padrão tecnológico foi graças à sua ambição, às grandes verbas investidas e ao querer ir além, visando sempre chegar mais longe.
Desta forma, compreender que somos seres em expansão é fundamental. Estamos constantemente crescendo, aprendendo, evoluindo. E, aqueles que alcançam uma boa renda, tendo a chance de colocar em prática toda as suas potencialidades, estão contribuindo não somente para sua felicidade, mas também para um mundo melhor.
Quando abordamos o tema dinheiro, o mais importante é estarmos conscientes sobre o nosso papel. É possível desfrutar de uma vida abastada e, ao mesmo tempo, cultivarmos a espiritualidade, que é a nossa maior riqueza. Devemos sim ser ricos por fora e interiormente. Até porque não basta apenas ter, é preciso ser.
Neste sentido, muitas vezes, imaginamos que ser ‘desapegado’ é não querer nada, porém, encontrar um equilíbrio entre ser e ter é o principal. Ao nos debruçarmos nas filosofias orientais, compreendemos a máxima de que “O desapego não significa que você não deva possuir nada, mas sim que nada deve possuir você”. É sobre não se deixar dominar ou que as coisas corrompam o que a gente é ou acredita.
Portanto, não há uma regra a seguir, pois, em realidade, somos todos diferentes e as necessidades de cada um também são e vão mudando ao longo do tempo. E é justamente esta multiplicidade da existência que faz a vida ser maravilhosa.
Por Noélli Santiágo (@noellisantiago)
Terapeuta Consciencial