ENTREVISTA: Domingos Antonio, um ator pernambucano cheio de ideias e atitudes coerentes com seus sonhos

Pra começo de conversa, Domingos Antonio teve o mesmo professor do atual vencedor do Oscar, Daniel Day Lewis e de Miranda Richardson, além de ter tido aulas com ninguém menos que Kevin Spacey quando estudou na Bristol Old Vic Theatre School, Inglaterra. Mas quem acha que ele se vangloria disso se engana, Domingos não é um ator focado em fama, o que ele busca é realizar um bom trabalho, que ele acredite e se entregue, e que seja reconhecido por isso. Fazer as malas e sair de Recife para Bristol fez dele não só um ator melhor, mas uma pessoa melhor. E na volta escolher São Paulo como habitat foi uma decisão prática e estratégica. Entrevistar Domingos foi uma grande oportunidade para conhecer e apresentar aos leitores da MENSCH, um jovem ator de ideias e atitudes coerentes com seus sonhos do amanhã e suas atitudes do hoje.

Futebol e arte, duas paixões. Quanto do futebol se pode colocar na arte e quanto da arte se coloca no futebol? Acho que foi Camus que disse uma vez que tudo que ele aprendeu sobre moralidade e deveres para com os outros ele devia ao esporte e ao time na França onde ele jogou de goleiro. Acho que de certa forma isso define a importância do futebol na minha vida,foi jogando futebol e na intensidade com que eu queria me tornar um jogador profissional que sofri minhas primeiras verdadeiras frustrações e meus primeiros “Nãos”.Todas essas experiências no esporte criaram em mim uma resiliência que é necessária na profissão de ator, uma profissão fundamentada em rejeição e incertezas.

 

De qualquer forma, essa transição que fiz para a arte e para o teatro foi uma das decisões mais sóbrias que tomei na vida. Hoje posso dizer que não me imaginaria fazendo outra coisa, porém é engraçado pois sinto uma pequena fração de mim que ainda anda por aí querendo jogar bola profissionalmente,a questão “E se o futebol desse certo na minha vida…” continua lá… e de vez em nunca aparece na minha cabeça, muito raramente, mas ainda aparece.


O Teatro de Amadores de Pernambuco, onde você iniciou, é ainda uma grande escola? Só deixando claro que o TAP foi um dos meus começos e acho que seja um lugar com pessoas muito comprometidas ao teatro, fiz somente uma produção com eles, mas eu diria que fundamentalmente iniciei minha vida no teatro fazendo além desta produção no TAP, cursos no Sesc Santo Amaro e toda e qualquer oficina que eu poderia participar em Recife. Na época eu tinha 17/18 anos e fiz algumas oficinas relacionadas ao núcleo do pessoal da família Falcão (apesar de só estreitar o relacionamento com eles todos depois de minha volta da Inglaterra), como uma oficina que fiz com Lívia Falcão para a peça “O Pequenino Grão de Areia”. Resumindo, fiz tudo que pude fazer dentro do meu alcance em termos de formação em Recife antes de seguir para a Inglaterra.

Estudar na Bristol Old Vic Theatre School trouxe que tipo de diferencial na sua formação? Às vezes ainda acho que talvez eu tenha entrado na Bristol por causa de algum esquema de cotas para latino-americanos (risos). O fato é que minha vida como artista se divide entre antes e depois de ter ido pra a Inglaterra e consequentemente ingressado na Bristol sendo ela uma das escolas mais tradicionais do Reino Unido. Só de pensar que tive um professor em comum com Daniel Day Lewis e Miranda Richardson me deixa embasbacado e honrado até hoje, entretanto não era uma escola perfeita, mas foi lá que eu comecei o longo processo de amadurecimento como artista e ser humano. Você sai de uma escola de artes dramáticas como a Bristol com muitas dúvidas e poucas certezas, porém com parte da sabedoria necessária para se tornar um bom ator, incluindo-se em cima de tudo isso o fato de que eu sofri na escola o melhor tipo de lavagem-cerebral que um ator pode sofrer, Shakespeare. A escolha de morar 4 anos na Inglaterra e estudar por três desse quatro anos pode ter estagnado minha carreira em termos de Brasil, porém foi uma escolha que fiz para a posteridade e uma escolha que começa a trazer frutos cada vez mais. Não imagino minha vida hoje sem ter passado o tempo que passei na Inglaterra.

De volta ao Brasil depois da temporada de estudos na Inglaterra você resolveu se fixar em São Paulo, lugar de grandes produções e oportunidades para o teatro, TV e cinema. Do que sente falta de Recife, sua cidade natal?  Morar em São Paulo foi a escolha mais prática em meio a todas que poderia fazer ao voltar pro Brasil. São Paulo não é uma cidade pela qual eu morra de amores, mas por aqui tenho além de, cada vez mais, oportunidades profissionais,a proximidade com o Rio além de muitos membros da família e uma quantidade boa de amigos do metiér e fora dele, aliás, grande parte deles pernambucanos. Do que eu sinto falta em Recife? Se a pergunta se referir ao que eu sinto falta sentimentalmente posso responder que obviamente sinto falta da minha família, dos meus amigos mais próximos, do cheiro de terra e folha molhada bem característicos da rua onde cresci, até mesmo de uma cigarra cantando no final da tarde, porém em termos práticos eu não sinto falta de Recife porque,de certa forma, eu nunca deixei Recife, apesar de todo esse tempo fora eu nunca me senti menos recifense, sim,eu sou uma pessoa diferente daquele cara que pegou o vôo pra Londres 11 anos atrás. Fui influenciado por todas as culturas as quais tive acesso e por tudo que vivi, porém Recife faz parte da minha vida diária nas mínimas coisas.

Sentiu alguma dificuldade em SP por ser do Nordeste? Ainda existe algum tipo de preconceito? Prefiro acreditar que não, porém a verdade é que vez por outra, nós nordestinos, somos relembrados que não somos daqui, é inevitável e acho natural até mesmo o tom jocoso pelo qual muitas vezes somos relembrados disso. Efetivamente nunca fui vitima de preconceito no exercício da profissão, porém ano passado num projeto no qual eu estava envolvido fui vitima de preconceito sim e por essa e outras razões acabei me afastando do projeto.

Você é fluente em várias línguas, esse aprendizado foi algo natural ou já visando uma carreira internacional? Eu sempre fui curioso em relação à línguas. Meus pais me colocaram pra começar a estudar inglês desde os 8 anos de idade e por isso essa é a língua estrangeira que tenho mais enraizada em mim.Na adolescência eu pegava os livros de espanhol da minha mãe(que fazia aula de espanhol na época) e começava a estudar eu mesmo, chegando na Inglaterra conheci muitos nativos dessa língua além disso namorei uma mexicana no meu tempo de estudos na Bristol, falávamos na maioria das vezes espanhol(ou portunhol dependendo da minha rapidez mental no dia). Acabei fazendo muitos amigos italianos com quem aprendi a falar na marra. Francês eu só comecei a aprender de uns anos pra cá, já de volta por aqui. Fluentemente eu posso dizer que falo inglês, espanhol além do português é claro e sim existe um elemento profissional nisso tudo, mas quando comecei a estudar essas línguas lá atrás eu era movido pela curiosidade e aquela vontadezinha adolescente de se destacar da multidão de alguma forma. Qualquer coisa era “chama Domingos, ele fala inglês”.

A música também faz parte da sua vida, você canta e toca violão e guitarra. Tem planos para uma carreira musical? Na verdade minhas maiores influencias como artista sempre partiram da música.Fui profundamente influenciado pelo movimento Manguebeat, fui para muitos shows de Chico Science e Nação Zumbi escondido dos meus pais, sempre fui apaixonado pelo rock inglês e pelo movimento grunge americano, mas foi no meu período na Inglaterra que eu vim a realmente idolatrar os Beatles. Eu diria sem medo de errar que todo ator quer intimamente ser um rockstar. Não posso dizer que tenho planos para uma carreira musical, mas sempre brinquei seriamente com música. Cheguei a tocar em alguns bares aqui de São Paulo e até meados de junho do ano passado fazia o vocal para uma banda chamada Six O’Clock que tem um repertório de covers porém precisei sair do grupo devido ao compromisso na novela Máscaras.

Teatro, TV e cinema, onde se sente mais “em casa”? Eu me sinto em casa em qualquer meio em que o trabalho seja feito com mais comprometimento e esmero por isso gosto mais de fazer  teatro e cinema. Televisão, sobretudo novelas tendem a serem feitas de forma mais corrida e por isso o resultado nunca será 100% mas essa velocidade da televisão tem seus benefícios, pois o ator deixa de super-elaborar uma cena ou um personagem e começa a acreditar mais no seu instinto, o que sempre traz uma qualidade interessante para a cena. Todas as novelas que fiz foram bons aprendizados, mas é no cinema e no teatro que eu me sinto mais relevante para todo o processo.

Sua praia é só atuação ou já pensou em outras áreas como produção, direção e roteiro, por exemplo? Inevitavelmente todo ator precisa de alguma forma se produzir mesmo que não seja colocando a mão na massa burocraticamente. Nunca produzi algo meu em si, mas imagino que futuramente eu terei que fazer isso de uma maneira ou de outra, só espero que a parte burocrática do tramite não me desencoraje tanto. Sim, eu quero dirigir um dia e dos três que você mencionou é aquilo que sem dúvida mais me interessa, porém no momento ainda considero muito prematuro, já em relação a escrever eu costumo colocar algumas idéias no papel mas de uma forma mais errática, preciso desenvolver aquela disciplina que todo escritor tem.

É do tipo que vive o hoje pelo hoje, o hoje pensando no amanhã ou o hoje preso ao ontem? Aprendi que o melhor a se fazer é viver o hoje pelo hoje, porém pensando no amanhã…mas no amanhã sendo literalmente as próximas 24 horas. Aprendi a não criar grandes expectativas sobre um período de tempo, por exemplo, um ano. Comecei 2013 intencionalmente sem criar grandes expectativas pois comecei a entender que, por mais clichê que possa parecer, o hoje faz o amanhã e um planejamento estipulado para um determinado espaço de tempo pode funcionar muito bem para a gestão de uma multinacional, mas não numa carreira tão mutável quanto a artística. O importante é que você tenha a força-motriz e a inquietação que faça você construir o amanhã…hoje,dito isso,eu tenho a idéia de onde quero chegar e de qual direção para minha carreira e reluto com o fato de que inconscientemente (ou conscientemente) estipulamos metas, mas tenho aprendido a não mais viver em função delas. Nas minhas relações pessoais eu também aprendo cada vez mais a estar presente com quem quer que eu esteja e a se dar ao risco de não planejar tanto e a viver aquilo que está acontecendo em minha frente.

O que é a fama pra você? Não é algo que eu busque não. Fama é fugaz, já uma carreira fundamentada em respeito é algo mais difícil de conseguir. Respeito pelo meu trabalho acho que pode descrever melhor o que eu quero na minha carreira. O individuo que se torna ator visando fama precisa na sua jornada encontrar rapidamente uma outra motivação que o faça permanecer na profissão pois verá rapidamente que não se trata de uma profissão de glamour mas sim de incertezas, transpiração e comprometimento.

Você é um cara vaidoso? O que faz teu estilo? A minha vaidade é muito mais relacionada ao meu ego do que à aparência exterior por si só. Ela é muito mais ligada ao que as pessoas percebem do meu trabalho, mas também ao que considero o cerne dos meus valores como ser humano e daquilo que percebo como qualidades que, pra mim, seriam inquestionáveis da minha personalidade. Por exemplo, eu ainda tenho problemas em receber criticas relacionadas ao meu trabalho, pra falar a verdade tenho problemas em receber elogios também pois quando sou elogiado demais tenho a tendência a achar que um entretanto ou um mas está vindo por aí em meio a todos os elogios. Em termos de look e estilo pessoal, eu me visto de uma forma discreta, diria, mais clássica, porém visto aquilo que me faz sentir confortável, visto o que quero seguindo meu gosto pessoal e não me sinto bem vestindo algo que vá necessariamente me caracterizar como membro de tal segmento…no meu caso artístico. Fujo dessas convenções o tempo todo.

 

Quais os próximos projetos para esse ano? Para esse ano, de já confirmado, além da série da HBO “O Negócio” que irá ao ar em junho e que filmei ano passado paralela às gravações da novela Máscaras, farei o filme dos irmãos israelenses Doron e Yoav Paz,  “Uma Pequena Morte”, que será filmado em Jericoacoara (Ceará) além de filmar o longa independente americano “Nothing stays the same”. Minha intenção é ficar um tempo a mais nos EUA depois dessas filmagens, mas isso dependerá da minha agenda pois, como falei anteriormente, nessa profissão tudo muda de uma hora pra a outra.

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AGRADECIMENTOS
Locação: Restaurante BARCHEF Mercado Gourmet – www.barchef.com.br
Figurino: NOIR, Le Lis (Shopping Recife)

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