ENTREVISTA: MARCELO HORTA E A ARTE DE FAZER PÃO

Filho de pai engenheiro químico que trabalhou a vida toda na indústria alimentícia e de mãe professora, o chef e mestre padeiro Marcelo Horta herdou do pai o gosto pela química e gastronomia e a vocação de ensinar da mãe. Resultado, aos 16 anos seu espírito empreendedor o levou a montar seu primeiro negócio – uma pequena fábrica de pão de queijo artesanal na Região dos Lagos, Rio de Janeiro.

Sua primeira formação foi em tecnologia da informação com MBA em administração pelo IBMEC. Com menos de 30 anos já era gerente de TI de uma grande multinacional, mas a gastronomia esteve sempre presente e, em qualquer tempinho que surgia, fazia cursos e especializações na área. 

Ainda trabalhando no mundo corporativo, fez sua primeira formação em panificação no SENAC e foi nessa época, em 2015, quando quase ninguém falava em fermentação natural no Brasil, que Marcelo se interessou pelo assunto e começou sua busca pela “receita perfeita”. Chegou a ouvir que fermentação natural era coisa de gente romântica. E “romântico”, começou a consumir vários cursos, worskshops, livros, até chegar à conclusão de que nada que existia servia para a produção caseira, era tudo feito pra produção em larga escala.  

PÃO COMO UM BOM NEGÓCIO

Depois de alguns workshops frustrados e toneladas de farinha jogadas fora, chegou à conclusão que, se quisesse fazer fermentação natural caseira, teria que ser por conta própria. E depois de várias tentativas, o processo deu certo e ele desenvolveu o seu Método Levain de Panificação. Totalmente prático, feito para produção caseira, e que, literalmente, qualquer um consegue fazer pão de fermentação natural em casa.

A venda de seus pães feitos em casa (o que mais tarde virou a Levain Rio) e o curso presencial de panificação, usando fermentação natural foram iniciativas de sucesso e o pontapé para Marcelo abandonar o mundo corporativo e viver de seu sonho.

Os pães de fermentação natural sem glúten, surgiram da necessidade de um cliente muito querido, celíaco que, sem saber, estava ajudando Marcelo a criar a Cozinha Crunch, que hoje é a maior e mais tradicional panificadora sem glúten do Rio de Janeiro. Além da Cozinha Crunch, Marcelo ainda tem a Levain Bakery Rio, que produz pães artesanais com fermentação natural.

CURSOS ON-LINE

Mas ensinar as pessoas a fazerem pão, partindo do zero, também era um sonho que Marcelo colocou em prática. Os cursos online foram criados para atender a grande demanda de pessoas interessadas em aprender a fazer pão e não terem disponibilidade de fazer os cursos presenciais. Hoje, são três cursos que resgatam o prazer de cozinhar, que funcionam como terapia e ainda possibilitam uma fonte de renda para quem quiser investir na profissão. Já são mais de 3.000 alunos formados, que hoje fazem parte da Tribo do Pão, uma comunidade de padeiros artesanais. 

E em tempos de pandemia, seus cursos têm ajudado muita gente a reforçar o orçamento doméstico ou até mesmo assumir a panificação como principal fonte de renda. A multiplicação dos pães se tornou uma realidade para o mestre padeiro Marcelo Horta que já tem muitos alunos formados também em Portugal, Itália e EUA.

Como a arte de fazer pão surgiu em sua vida Marcelo? Já era um fã de pão desde criança? Meu pai é engenheiro químico e trabalhou a vida inteira na indústria de alimentos, sempre estávamos à volta com novos sabores e degustações. Com 16 anos eu criei uma receita diferenciada de pão de queijo e pouco tempo depois, já tinha aberto minha própria empresa na Região do Lagos (RJ). Vendia para escolas, hotéis, restaurantes e até mesmo bancas de jornal. O curioso dessa história é que eu acabei ingressando no mundo da tecnologia e virando executivo de TI muito cedo e isso acabou me distanciando da gastronomia, como profissão. Somente em 2015 eu decidi abandonar o mundo corporativo e me dedicar à minha verdadeira vocação.

Qual sua formação e onde se especializou? Mesmo estando no mundo corporativo, sempre estava fazendo alguma especialização na área. Sendo os mais relevantes a formação de Boulangerie da Le Cordon Bleu e de padeiro profissional no Senac. 

A sua especialidade é a fermentação natural. Qual o segredo para um belo pão de fermentação natural (se é que você pode nos contar)? Claro, eu sou completamente contra segredinhos, informação é pra ser compartilhada. Pão é um alimento milenar e o segredo está em reconectar nosso passado, fazer pão como antigamente, respeitar a tradição e fugir dos processos industrializados que aceleram demasiadamente o processo de produção dos alimentos. Fazer pão é dominar a fermentação, respeitar o tempo do alimento. Junte um belo fermento com a técnica correta e você terá pães à altura dos italianos e franceses. E o melhor… você pode fazer isso na cozinha de sua casa e usando produtos nacionais.

Quais os maiores mitos sobre pão? É realmente o vilão das dietas? Tem um monte de mitos, mas dizer que pão engorda, definitivamente é um grande mito. Pão de fermentação natural e longa é muito menos calórico e amplamente prescrito por nutricionistas. Fermentação natural dá trabalho – outro mito. Fazer o fermento natural é super simples e qualquer um pode fazer em casa. Você vai dedicar 3 minutos do seu dia durante uma semana para criar o levain e, em troca, você terá o melhor fermento do mundo em sua geladeira… E pro resto da vida! 

O importante sobre os mitos da panificação é fugir das fontes não confiáveis que infelizmente temos na Internet. Tem um monte de gente inventando mil e uma formas diferentes de fazer pão, gerando confusão sobre fermentação natural, falando sobre milhões de passos e processos complicados pra fazer um pãozinho em casa. Pão é um dos alimentos mais antigos da humanidade, como pode ser tão difícil assim? Não pode e não é, mas pra entender como as coisas funcionam a gente precisa fugir dos que chamo de “vendedores de dificuldade”.

Qual o tipo de pão mais saudável para se consumir? E como escolher? Quando o pão, durante a sua produção, passa por um processo de longa fermentação, o glúten é quebrado em pedacinhos, melhorando muito sua digestão, além de reduzir o índice glicêmico na medida em que o fermento ‘come’ o carboidrato pra se alimentar durante a fermentação. Junte isso à fermentação natural e você terá ainda prebióticos e probióticos no pão.  E para fechar, dê preferência aos pães integrais, pois eles são muito mais ricos, nutricionalmente falando. 

É verdade que, com a pandemia, cresceu o interesse das pessoas em querer fazer pão em casa? O que funciona até como uma boa terapia? Sim, a pandemia não só fez com que as pessoas fizessem pão ou mesmo usassem a cozinha como terapia, o que, por si só já é incrível, mas também fez com que as pessoas reduzissem o consumo de junk food e desenvolvessem mais consciência sobre alimentação saudável. 

Para você ensinar é tão prazeroso quanto fazer pão? Sem dúvidas, eu amo fazer pão, mas hoje o que faz meu coração bater mais forte são as mensagens das pessoas que tinham cortado o pão da dieta e, após encontrarem o pão de verdade, permitiram que esse alimento tão rico voltasse à mesa de suas famílias. São mães, tias, avós que me mandam cada mensagem uma mais linda que a outra, textos carregados de emoção e agradecimento. É nesse momento que sinto que minha missão de ensinar está sendo cumprida. 

Um pão perfeito para você deve ter… Só farinha, água, sal, amor e tempo.

SAIBA +

FERMENTAÇÃO NATURAL X FERMENTAÇÃO INDUSTRIAL

O pão feito com fermentação natural tem um índice glicêmico muito abaixo de sua contrapartida industrializada, facilitando inclusive a digestão no organismo. Além disso, os pães com fermentação natural podem ser armazenados por mais tempo por conta do ácido acético, inibidor de bolores que é produzido durante a fabricação do fermento natural. O aumento dos teores de bactérias benéficas ao intestino é outra vantagem. E por fim, o pão de fermentação natural oferece diversos nutrientes ao organismo, graças à complexidade de suas composições. 

PÃO BRANCO X PÃO INTEGRAL

O ideal para esses casos é tentar evitar o pão branco, especialmente em excesso, uma vez que ele é desprovido de muitas vitaminas, minerais e fibras durante o processo de refinação, uma vez que a fibra encontrada em grãos inteiros e sementes, ajuda com saciedade e controle do apetite. Não há dúvida de que o pão integral é o padrão ouro em termos de vitaminas, minerais e fibras, mas para evitar o consumo desnecessário de açúcar ou outros edulcorantes, é sempre bom verificar o rótulo e dar preferência às padarias artesanais, buscando orientações claras da massa que foi usada para a produção do pão. 

PÃO PURO X PÃO COM ACOMPANHAMENTO

O pão é um carboidrato, e quando comido sozinho (particularmente o pão branco que é altamente refinado), pode causar níveis de açúcar no sangue para dar um pique e, em seguida, queda rápida, o que pode levar a baixa energia e ânsias. Para acabar com isso, basta combinar o seu pão com alta proteína ou opções de gordura boa, como homus, creme de ricota ou queijo cottage. Isso pode reduzir a carga glicêmica dessa refeição (a taxa em que é absorvido em sua corrente sanguínea).