ESTRELA: BEL KUTNER APAIXONANTE

Desde que surgiu na TV, Bel Kutner já demonstrava que ali o talento estava no DNA. Das coxias observando a mãe no palco até sua estréia meio que no improviso. “Trocávamos de roupa, todo mundo na kombi. Era mais circense”, comentou Bel para MENSCH. Filha de dois grandes ícones da dramaturgia, Dina Sfat e Paulo José, a expectativa e cobrança poderiam até serem muito grande em cima de Bel, mas ela com maestria e elegância sempre tirou de letra. Ao longo desses mais de 40 anos de carreira, Bel já transitou por todos os universos da dramaturgia e interpretou os mais diversos tipos. Em comum com  sua mãe, além da aparência, muito talento. Leve, inteligente e sensível, Bel conversou conosco sobre tudo isso e mais um pouco. Puro deleite. 

Bel, atuando em diversas áreas do audiovisual já se vai quase 40 anos. Como você avalia sua trajetória até aqui? Na verdade, minha estreia não foi em Corpo Santo. Isso é um marco porque eu já estava, digamos, com uma autorização sindical, mas eu comecei criança. Eu fiz com minha mãe, várias coisas quando eu era criança, O Caminho das Pedras Verdes, que era um caso especial que meu pai dirigiu, fiz com minha mãe Os Amores de Castro Alves, porque era assim, precisava de criança, cada um levava de casa. Todo mundo da equipe diretor, ator, levavam as crianças, botava roupa de época, falava vem pra cá, vai pra lá. Não tinha negócio de horário. Não tinha nada. Não tinha muitas regras. Trocávamos de roupa, todo mundo na kombi. Era mais circense. Depois, a coisa foi se profissionalizando e melhorando, mas era muito divertido e era uma maneira de estarmos juntos com eles por mais tempo.

Sua estreia na TV foi na novela Corpo Santo (Manchete). De lá pra cá, vieram diversos trabalhos que foram marcantes como a Scarleth de Vamp, Maria Gonzaga do Amaral de Chiquinha Gonzaga, Silvia Stein de O Astro e tantas outras. Quais as mais marcantes para você como atriz? Esses trabalhos dos quais você falou me marcaram de forma diferente. Claro que as novelas que eu fiz inteiras como a Vamp, O Astro, teve uma trajetória, tive um personagem que tinha uma história, Anjo Mal foram novelas que tive personagens excelentes e pude aproveitar mais, então isso me marcou com certeza. Agora já me surpreendi com coisas que eu achava que seria uma cena pequena e teve uma repercussão. Isso, muito das novelas do Walcyr, porque o Walcyr escreve de um jeito que entra na cabeça do público. É uma coisa impressionante eu gravar a cena, falar exatamente o que está no texto, a cena ir ao ar e no dia seguinte, uma pessoa no mercado me parar e falar “aí ela disse tatatatata” e falar exatamente a frase. É uma coisa impressionante o poder da comunicação dele, o poder de comunicação de uma novela.

As novas gerações não conheceram a sua mãe que foi e é uma referência na dramaturgian, até hoje. Fora a semelhança física, você a vê em você de alguma forma, na hora de atuar? O que ficou de herança? Minha herança maior foi a educação que ela me deu, foram os valores que ela me passou, claro tem a herança genética, tem a herança das oportunidades de estudar, viajar, de conhecer as pessoas e estar nesse meio desde pequena. Então, eu não sei de onde veio, eu já nasci em uma cochia de teatro, numa ilha de edição, numa gravação. Então, a herança é múltipla.

Geralmente, filhos de grandes astros e estrelas sofrem com a comparação com os pais. No início, você sentiu isso? Sentiu uma cobrança extra por ser “a filha de Dina Sfat”? A comparação, realmente nunca foi uma preocupação – primeiro, porque a maioria das pessoas são muito gentis comigo e gostam muito dos meus pais, eu ouço sempre coisas muito emocionantes e muito lindas. Segundo, que eu sou boba e demorei muito a perceber que certas pessoas já não amavam tanto assim ou porque se decepcionaram de alguma maneira ou porque tinham uma certa inveja, porque minha mãe era uma deusa e meu pai era um gato selvagem (risos). Eu só lamento por elas, porque não estou nem aí. E, sinceramente, tenho tanto orgulho deles, que a minha opinião em relação a isso é sempre mais forte do que qualquer coisa que alguém possa me dizer.

Onde mora a sua vaidade como atriz? Olha, minha vaidade, essa palavra é sempre associada a coisas negativas, mas o que me dá aquele orgulho é sentir que eu consegui passar uma emoção, passar uma história, uma mensagem, uma idéia. Que consegui, principalmente, fazer isso como grupo em coletividade, seja no teatro, no cinema ou na TV. Você estará em um trabalho e sentir que aquela energia daquele grupo está ali e conta minha história. Isso é o que me deixa mais satisfeita. 

Um de seus projetos mais novos, e inéditos, é o videocast Acesso Livre que você vai juntamente com a Band RJ sobre inclusão e acessibilidade. Como surgiu a ideia para o Acesso Livre? O Acesso Livre está sendo aquele filho gerado no coração, porque é um assunto da minha vida, eu estou a quase 20 anos envolta da maternidade atípica, já que meu filho Davi tem uma síndrome rara e esse projeto veio do André Marine, diretor da banda, que é uma pessoa muito importante na minha vida com quem já trabalhei em *cidade das artes* e que com a gente, conversando, surgiu essa oportunidade, essa ideia de falar sobre isso e trazer pessoas especialistas em inclusão, educação inclusiva, acessibilidade e pessoas com deficiência que trabalham com isso ou não. Mas, a maioria dos que estamos entrevistando, trabalham com comunicação ou com educação e que contam das suas experiências na vida real. Na lei brasileira, está tudo bem estipulado e bastante estruturada, mas no dia a dia, ainda, falta muito para as pessoas serem, realmente, educadas e não serem capacitistas. Isso ainda é muito forte.

Como mãe de um jovem autista, na prática, você percebe alguma mudança de comportamento e inclusão?  Eu sinto que já melhorou muito porque as pessoas estão falando muito sobre o autismo. Já não é mais aquela coisa que as pessoas faziam uma cara de não sei o que é isso. E, a gente ver muito mais nos teatros e ambientes públicos, pessoas neurodivergentes com deficiências sendo melhor recebidas. Ainda não estamos no mundo ideal, mas as coisas estão caminhando e eu espero que caminhe muito mais – estamos batalhando por isso. E ainda falta muita coisa! Uma das maiores barreiras a serem superadas é a educação, é você formar as pessoas desde pequenas já sem preconceitos. Não é só uma questão de deficiência, é uma questão de humanidade, de respeito ao próximo, entender que cada um tem sua individualidade. Ninguém é uma coisa só, porque a pessoa pode ter uma deficiência e ter milhões de características que fazem com que ela até se assemelhe mais comigo que não tenho exatamente aquela deficiência.

Estamos caminhando para uma mudança ou ainda falta muita coisa? Quais as maiores barreiras a serem superadas? Então, assim, as pessoas têm que quebrar muito preconceito ainda e isso só se faz com educação e desde pequeno. Ao adulto, infelizmente, eu acredito, que a gente tem que impor. Por isso, a lei é necessária. Impor o respeito, impor as regras de acessibilidade e que as pessoas assumam e respeitem. Se não for por amor, vai ser pela lei.

Com as redes sociais ditando muitas regras de comportamento, como você percebe o futuro? No caso, em referência a essas mudanças de comportamento e inclusão. As redes sociais estão dando voz para muita gente. Tem muita gente, graças a Deus, se encontrando e encontrando suas turmas e descobrindo caminhos, trocando idéias – um ensina ferramentas e a tecnologia traz ferramentas para ajudar na inclusão. Isso é maravilhoso. Mas, é claro, tem muita desinformação, fake news, gente mal intencionada, oportunismo… É o ser humano. O ser humano é muito interessante – é capaz de coisas extraordinárias.

E quem é Bel Kutner fora das câmeras? Onde recarrega as baterias? Ah, fora do trabalho, estou com os meus amigos que são minha família escolhida. A melhor coisa da vida é estar com eles – meus amores, meus irmãos (risos), minhas irmãs também, minha rede de segurança.

Para conquistar Bel basta… E para me conquistar basta, ah não sou fácil de conquistar, não, não sou não. Não vou dar aqui essa receita, até porque eu sou muito geminiana, depende do dia, da hora, da lua.

Foto Pino Gomes