Para as novas gerações o nome Vania Toledo pode não representar algo, ao menos para aqueles amantes da fotografia. Durante muitos anos, a sua fotografia era como se fosse uma grife. Quem não queria posar para as lentes de Vania Toledo? Quem não gostaria de se permitir a liberar seus desejos e suas fantasias diante daquela mestra de olhar apurado e com muito bom gosto estético? Responsável por imagens icônicas da cena cultural brasileira desde os anos 1970, a mineira Vania Toledo nascida em 1945, mudou-se para São Paulo em 1961, retratou do jetset nacional que bombava nos anos 80 à capas de discos de grandes artistas como Ney Matogrosso e Rita Lee.
Em 1978 iniciou sua carreira fotográfica, no jornal “Aqui São Paulo”, no qual foi editora de fotografia. Abriu seu próprio estúdio em 1981, e colaborou com várias publicações brasileiras, dentre elas as revistas Vogue, Claudia, Veja, Playboy e IstoÉ e as internacionais como Time, Life e Connaiseur. Vania ficou conhecida como retratista, tendo fotografado várias figuras conhecidas da cena cultural brasileira, grandes estrelas de TV e principalmente do teatro, que ela diz ser sua paixão. Além de trabalhar com fotografia de palco e bastidores do teatro, fez muitas das capas de discos e livros.
Uma de suas características mais fortes é o fato de fotografar em preto e branco na maioria dos seus trabalhos, utilizou a foto colorida em poucos trabalhos, em geral capas de livros, discos ou para revistas. Publicou dois livros de retratos que fizeram muito sucesso, um com retratos masculinos, chamado “Homens” (1980), e outro de retratos femininos, intitulado “Personagens Femininos” (1992). Ela tentava responder com simplicidade ao dom de retratar tão bem o outro: “Sou apaixonada pelo ser humano, pelo rosto, pela expressão, pelo olho”. E afirmava que dava a cada personagem um tratamento peculiar. “Não tenho luz pronta. Faço a luz para ela. Tento valorizar o que acho que pode favorecer a pessoa”. (Agência Estado)
Seu livro “Homens” fez com que ficasse conhecida em todo o país devido à repercussão que obteve. O livro contém fotografias de 34 homens nus, anônimos, como o próprio filho de Vania Toledo, e famosos, como Caetano Veloso (foto ao lado), Nuno Leal Maia, Walter Franco, Roberto de Carvalho e Ney Matogrosso. Toledo conta em entrevista que a ideia do livro surgiu após refletir sobre o fato de seu marido possuir várias revistas de mulheres nuas, tendo assim acesso à imagem do corpo de inúmeras mulheres, ao mesmo tempo em que os únicos corpos masculinos nus que ela conhecia eram o dele e o de seu filho. Toledo se perguntava por que não poderia ela, como mulher, conhecer os corpos de outros homens, constituindo assim uma igualdade de desejo para ambos os gêneros. Já que não havia muitas publicações nacionais com homens nus, ela fez a sua própria. Dessa forma, aconteceu o trabalho, que é obra referencial na fotografia brasileira, uma compilação de retratos que mostram como o homem lidava com seu próprio corpo nas décadas de setenta e oitenta. Nos anos setenta, havia um espírito maior de liberdade, como conta Vania na mesma entrevista: “Eu pertenci, felizmente, a uma época onde a liberdade do pensar, do agir, do tirar a roupa, era uma atitude libertária e normal.” Os movimentos de contracultura dos anos sessenta e setenta discutiam a liberdade sexual, e nesse período os estudos de gênero se fortificaram e começaram a discutir a imagem do corpo feminino e do corpo masculino, e a questionar o sistema vigente. As fotografias de Toledo foram feitas nesse momento de efervescência de tais debates.
O livro e a exposição “Personagens Femininos” lhe renderam o Prêmio Excelência Gráfica (concedido pela Associação Brasileira de Técnicos Gráficos) e o Prêmio de Melhor Exposição do Ano de 1993 (concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte). No livro, a fotógrafa pediu para 54 atrizes que vivessem por um dia uma personagem que nunca haviam representado. Produziu a série em dois momentos: em 1984 e 1991. Sobre o trabalho, ela fala: “Todos os meus livros não são feitos só por mim, mas também pelas pessoas que eu escolho pra participar do trabalho. “Personagens Femininos” me ensinou a gostar mais das mulheres. Eu sou muito masculina, gosto muito mais do universo masculino em termos de franqueza, verdade, até de intimidade. […] Claro que eu tenho amigas maravilhosas, mas naquela época nos vivíamos num mundo muito fake, muito montado para as mulheres.
Foi aí que eu me dei conta de que a grande felicidade duma mulher atriz é poder fazer o que ela quiser. Ser quem quiser, se quiser ser mãe, puta; se quiser Nossa Senhora Aparecida: vai ser. O teatro dá a oportunidade pra atriz ter uma liberdade que nós mulheres não temos no palco da vida.” No livro aparecem mulheres famosas nacionalmente, como Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Marieta Severo, Regina Casé (foto acima), Giulia Gam, Vera Fischer, Glória Pires, Nicete Bruno, Zezé Motta, Beatriz Segall, Regina Duarte, Beth Goulart e Cláudia Raia (foto abaixo).
Vania Toledo faleceu nessa quinta-feira, 17/07, deixando um legado de obras incríveis e registros marcantes dentro do universo audiovisual e cultural brasileiro.
LIVROS PUBLICADOS:
HOMENS. São Paulo: Cultura, 1980
PERSONAGENS FEMININOS. Editora Bamerindus, 1991
PANTANAL. São Paulo, 1996
SALOMÉ. São Paulo: Banco Real, 1997
Fonte: Nitida Fotografia (https://nitidafotografia.wordpress.com/)