E aí, o rugby ainda vai ser um esporte popular no Brasil? Passaremos a falar cotidianamente sobre esse esporte como fazemos com o futebol? Talvez você não concorde, mas os anúncios de um fabricante de materiais esportivos garantem que sim. Por mais que a publicidade exagere, a tentativa de popularizar um esporte no Brasil passa por tomar espaço do nosso maior gigante e depositário das nossas glórias desportivas: o futebol. Tarefa nada fácil! E às vésperas da Copa do Mundo isso tudo fica muito mais forte e contagiante.
O football foi inventado na Inglaterra no século 19 e exportado para todo o mundo, num reflexo claro do domínio naval e econômico britânico durante todo o período. Os ingleses que se aventuraram para além dos limites da sua ilha levaram também os seus costumes e esportes para as colônias e países com os quais mantinham relações comerciais. Muito embora o rugby e o críquete sejam esportes muito populares na Inglaterra e tenha ficando fortes raízes na África do Sul, Austrália e Estados Unidos, por exemplo, foi o futebol que caiu no gosto popular e se tornou o esporte mais admirado e consumido no mundo.
Mas o esporte das massas, que hoje movimenta milhões de reais em todo o mundo, um dia já foi marginalizado pelas elites brasileiras. No país, o jogador de futebol não tinha o prestígio de hoje em dia; um rapaz de família jamais poderia pleitear ser um jogador, que passava muito longe dos hábitos e costumes das elites. A contradição é que Charles Miller, o brasileiro que ao voltar de seus estudos em Londres trouxe as primeiras bolas e o livro de regras do esporte jogado com os pés, não representava as classes populares. Mas não teve jeito! O futebol aos poucos foi quebrando barreiras, se tornando conhecido e daí para adentrar nos clubes sociais, ultrapassar o remo — outro esporte inglês — em popularidade e ganhar o gosto do povo foi um pulo. Hoje, o Brasil é conhecido como “o país do futebol” e exporta craques numa proporção jamais igualada por nenhuma outra nação.
Devemos muito dessa história ao rádio, que desde a sua invenção e popularização cuidou de inserir em sua programação os jogos de futebol. A transmissão das partidas estaduais e interestaduais pelas rádios só fez incendiar a rivalidade entre os clubes e colocar definitivamente o assunto futebol na boca do povo. Sem falar nos primeiros feitos da Seleção Brasileira, como o bicampeonato mundial (58/62), cujas imagens só eram vistas semanas depois e no cinema. Sim, o “show de imagens” dos nossos primeiros títulos era a versão dos olhos dos locutores da rádio, que travessavam grandes distâncias para trazer ao Brasil as glórias do futebol canarinho.
Gosto coletivo pelo futebol transformou esse esporte num poderoso instrumento de integração social, definição de identidade e cultura de um povo. Ser brasileiro é gostar de futebol. Embora muitos não concordem com esse atestado, é inegável o peso que esse esporte tem para a autodefinição do nosso povo. Através do futebol, compartilhamos o sentido das coisas, construímos metáforas para explicar o dia-a-dia (o ex-presidente Lula é craque nisso. Ops, “craque” já é uma metáfora emprestada do futebol) e, por que não, exercemos nosso patriotismo ao defendermos com unhas e dentes nossa superioridade técnica nos gramados mundiais.
É evidente também que o futebol não é o único esporte com o qual o brasileiro se identifica e tem orgulho. Temos uma história de sucesso no vôlei (talvez esportivamente até maior do que a do futebol), no iatismo (sim, somos uma potência na vela!), na Fórmula 1 (oito títulos mundiais é para poucos!) e em outros esportes. Mas nenhum outro conseguiu tanto apelo popular quanto o futebol. Nem o “Efeito Guga” e “Efeito Daiane” conseguiram que o tênis e a ginástica artística sequer ameaçassem a hegemonia do futebol no gosto do brasileiro. O que vemos é cada vez mais o futebol feminino ganhar espaço, além dos primos do nosso esporte preferido, como o futsal e o futebol de areia (e o futevôlei — queremos meter o futebol em tudo, não é?).
Na prática, hoje em dia, consumir é participar. O futebol chegou na moda, nos acessórios, no comportamento e cada vez mais invade outras searas do nosso cotidiano. Fugir de sua influência parece às vezes ser impossível. O seu barbeador é o mesmo que Kaká usa, compartilhamos com Neymar o talco antichulé, Ronaldo lhe sugere a operadora de telefonia celular e por aí vai. O futebol, na indústria cultural, ajuda na construção e na regulação do gosto público, tornando uma tarefa árdua tentar eliminar sua influência nas nossas vidas.
A pluralidade de gostos permite que outros esportes tenham sim espaço e vez na preferência popular. Mas se o rugby vai prosperar no Brasil como o futebol, só mesmo uma fé inquebrantável pode garantir. Por enquanto, patrocinadores, empresas de comunicação e o povo vão mesmo é depositar sua atenção no futebol. Afinal, em time que está ganhando não se mexe (só para terminar com mais uma do futebol!).