No ar em Amor à Vida, na pele de um advogado ético e que se envolve com uma garota autista, Rainer Cadete tem muito do seu personagem, é sereno, poético e vive o Bem. A arte não entrou na sua vida em um determinado ponto, ele já veio pro mundo com ela e através dela vive intensamente seus personagens e a si mesmo. Sem medo do novo e do desafio Rainer vai em busca da realização dos seus sonhos com afinco e verdade. Consciente do papel social dos seus personagens ele tem no advogado Rafael um presente.
Como surgiu a vontade de ser ator? Eu não me lembro bem de como iniciei minha carreira artística, pra mim sempre fui artista, não sabia como era ser artista, muito menos que tipo de artista eu poderia ser, mas achava a palavra arte mágica, no sentido poético e transformador. Quando criança fazia aula de dança cigana, piano e música, na adolescência ia pra igreja com a minha irmã e cantava louvores com ela, chegamos a fazer duetos em casamentos. Até festas infantis animei vestido de palhaço. Passei uma temporada em Roma na Itália. Fiz um curso de modelo porque achava que ia ser bonitão e alto, só que não rolou (risos). Voltei pra Brasília com 15 anos e entrei pra uma companhia de teatro experimental em que desenvolvia um trabalho de ator criador, tínhamos experiências no fazer teatral não só atuando, mas construindo texto, cenário, figurino, opinando nas cenas dos colegas etc. Tudo aos cuidados da diretora Adriana Lodi. A primeira vez que pisei em um teatro já foi para atuar e não para assistir a uma peça, tudo aconteceu no teatro Galpão no Espaço Cultural Renato Russo em Brasília, com a peça Revolução na América do Sul de Augusto Boal.
E a infância em Brasília? Guarda boas lembranças? Na cidade satélite de Samambaia, uma jovem cidade de Brasília, tive uma infância humilde materialmente, mas rica criativa e espiritualmente. A minha casa era de alvenaria igual a todas as outras da cidade. A rua não sabia o que o era asfalto. Eu tinha bronquite asmática, por isso tive uma infância mais reclusa, meu mundo era o meu quarto onde imaginava verdadeiras guerras medievais com os meus bonecos, brincava com os cristais místicos da minha mãe e gostava de me vestir de bruxo com direito a capa e chapéu. Inventava propagandas de produtos que havia dentro de casa e apresentava pra minha família. Todos riam bastante e hoje me contam o que guardaram na lembrança.
Como as oficinas da Globo auxiliaram na sua formação como ator? E a CAL? Me mudei para o Rio de Janeiro quando completei 18 anos com uma mala cheia de sonhos. Transferi minha faculdade de psicologia que comecei a fazer em Brasília e me inscrevi na Casa de Artes de Laranjeiras. Os muros do PROJAC eram altos, mas eu sempre quis ser convidado pra fazer o cadastro como ator, por isso preferia fazer montagens teatrais e convida-los para assistir esperando que esse convite viesse. Só que me chamaram pra fazer o teste da oficina de atores e consequentemente fazer o cadastro através de uma foto que deixei em uma agência de modelos e que nunca mais ouvi falar. Foi quando Priscila Lobo me ligou falando que eu tinha passado nos testes. Fiquei muito entusiasmado. Com excelentes mestres artistas e uma turma virtuosa tive aulas de muitas coisas que iam de interpretação, passando por mitologia grega até teatro de bonecos e corpo entre outras.
Você participou de vários espetáculos, como “O castigo”, de Sergio Menezes, “Mar Morto”, de Jefferson Almeida, “O Muro” e “Revolução na América do Sul”, de Adriana Lodi, para citar alguns. Fala sobre alguns dos seus personagens e como os construiu. Muita vida pra escrever. Muita coisa! É onde eu vivi, matei, morri e ressuscitei de novo e outra vez, só que diferente. Cada peça, um universo, cada diretor um provocador e cada personagem, mais um que vou carregar em mim. São várias as vivências, no Castigo interpretei o inconsciente personificado de uma mulher, pra isso mergulhei na obra de Freud aproveitando a faculdade de psicologia. Mar Morto foi um musical baseado na obra do Jorge Amado, onde interpretei o Velho Francisco, me preparei por um ano com intensas aulas de canto e também ouvindo bastante Dorival Caymmi, Maria Bethânia, Rita Ribeiro e várias outras delícias da MPB que retratavam o universo do pescador e costuravam nossa história.
No “O Muro” me debrucei sobre a obra The Wall do Pink Floyd por um ano e com o coletivo de colegas virtuoso surgiram os textos e cenas. Fiz um musical infantil “Zé Vagão da roda fina e sua mãe Leopoldina”, um texto da Sylvia Orthof em que eu interpretava um vagão de trem criança e me inspirei no meu filho Pietro e no meu sobrinho Luigi. Meu espetáculo mais recente foi Dorotéia de Nelson Rodrigues, minha estreia como produtor, escolhi a equipe e dei vida a personagem Dona Flávia, para isso raspei o cabelo. Pude viver a emoção de ser aplaudido em cena aberta no Teatro Nacional da Capital Federal. Para mim o teatro é uma fresta que me deixa perceber quem eu sou de verdade no mundo em que sou só mais um. Para povoar minhas cidades, compor uma música, restaurar meus caminhos.
Como foi a primeira experiência na TV? Fiz o Gabriel na fase jovem, vivido por Malvino Salvador em fase adulta na novela do Walcyr Carrasco, Caras & Bocas. Me lembro que tinham muitas cenas no primeiro capítulo que é assistido por todos da novela juntos, a direção cuidadosa e generosa do Jorge Fernando me deu gosto de querer mais. As cenas tiveram uma ótima repercussão e o autor reprisava durante a novela.
2009 foi um ano agitado, você integrou o elenco de “Caras e Bocas” da Globo e depois veio “Cama de Gato”. Qual o saldo? Fui indicado ao prêmio de melhor ator revelação ao lado do Matheus Solano e Marcos Pigossi pela minha participação em Cama de Gato. Foi uma novela que me ensinou muita coisa.
Atualmente você está no ar em Amor à Vida com o personagem Rafael, um advogado de boa índole que está interessado em uma moça autista. Algo seu que emprestou ao personagem? Emprestei minha vida pra ele, mudei minha rotina, sai de perto da minha família e tranquei mais um semestre de faculdade. Muita dedicação pra dar vida a uma personagem do bem como pouco se vê hoje em dia. Fazer um homem da lei me fez mergulhar nesse universo através de conversas com advogados, filmes, séries, livros e muita música. Estudava escutando Billie Holiday e o mais interessante é que recebi uma mensagem de uma pessoa que acompanha o meu trabalho, mas que eu ainda não conheço, dizendo que imagina o Dr. Rafael escutando Billie em casa. Achei fantástico.
Como vê a relação do Rafael como a Linda? Liderar o que parece ser deficiência, transformando potencial sofrimento em superação será cada vez mais o desafio humano no futuro. Iremos compreendendo que cada aparente ponto fraco costuma oferecer em contrapartida ângulos exclusivos e fortes em compensação. Sabemos do fortalecimento dos demais sentidos em deficientes visuais, das canalizações de força nos atletas paraolímpicos, e em formas de inteligência superior nas pessoas que seriam tidas como mentalmente inadequadas em outros tempos. A história de amor desses dois, abordada pelo criativo Walcyr Carrasco de uma forma lúdica e poética me remete aquelas lindas histórias de amor, de encontros de alma. Um conto de fadas. Valorizando algo que acredito na importância da inclusão e da preparação da sociedade pra isso. Utopia ou não, acho que o debate foi poeticamente aberto e que todos nós, seres humanos, podemos e merecemos nos superar e amar e ser amados. Me emociono por ser um mediador disso.
Amor à vida mostra muito das maldades humanas nas ações de vários personagens. Como vê as relações humanas nos tempos atuais? Acordo todos os dias e peço pra Deus mais amor.
Precisou estudar sobre o autismo para lidar com a personagem Linda? Frequentei a faculdade de psicologia por quatro anos, através do meio acadêmico pude ter acesso aos estudos de transtornos mentais e pude acompanhar projetos de inclusão de pessoas especiais de todas as formas. Isso me ajudou a me situar quando soube do possível romance. Mas a ajuda do preparador de elenco Sergio Penna e da Psicóloga Laura Sarmento foram uma verdadeira preciosidade que nos ajudou a construir esse trabalho que envolve também a direção, arte, e vários outros profissionais que nos ajudam a contar essa história com amor e emoção.
E quando não está gravando, qual seu ideal de lazer? Acho precioso o tempo que passo com meu filho, o Pietro, descobrir o mundo com ele é sempre mágico. Me alegro em ler peças de teatro ou assistir colegas talentosos. Gosto muito de música, muito mesmo. Gosto de desbravar matas e cachoeiras, nadar, cozinhar e comer. Vejo beleza nas coisas simples da vida, amo viajar, trocar ideia.
O que é fama pra você? Algo que você busca? A fama é uma consequência, efêmera e frágil. Sobre a fama me lembro de um pensamento do Dalai Lama: “Não precisamos de mais dinheiro, não precisamos de mais sucesso ou fama, não precisamos do corpo perfeito, nem mesmo do parceiro perfeito, agora mesmo, neste momento exato, dispomos da mente, que é todo o equipamento básico de que precisamos para alcançar a plena felicidade.”
Já tem planos para o fim da novela, ou é do tipo que vive um dia por vez? Sou uma criatura inquieta, instintiva e sensível. Uma alma artística! Sei bem de meus defeitos… Mas, por que deveria confessá-los aqui… Nesse universo paralelo? Venham comigo e aos poucos irão me perceber. Iremos… à todos!”
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