CAPA: ANTONIO FAGUNDES CELEBRA 57 ANOS DE CARREIRA

Um de nossos maiores atores, Antonio Fagundes pode ser chamado de “o homem dos sete instrumentos” de sua profissão, uma vez que, além de ser um ator de grande talento, ele é diretor, produtor, roteirista e dublador. Fagundes tem sido referência ao longo de sua carreira na TV, no teatro e no cinema, incluindo também o streaming. E agora tem uma conversa franca com a MENSCH sobre seus 57 anos de carreira.

Fagundes, antes de mais nada gostaríamos de dizer que é um prazer tê-lo aqui na MENSCH. Vamos começar esse papo lhe provocando com uma pergunta básica… Quem é Antônio Fagundes hoje em dia? Acho que a coisa mais difícil que existe no mundo, é uma pessoa se definir. Eu sempre gosto de deixar isso para os outros. Tenho certeza de que a somatória de todas as contradições que eu devo mostrar, vai fazer com que o meu retrato seja mais apurado do que se eu mesmo quiser fazer um.

Celebrando 57 anos de carreira e mais ativo do que nunca, como tem sido isso para você? O que lhe provoca a estar na ativa? Ao longo de todo esse tempo – 57 anos é muito tempo. Teve uma coisa que sempre me motivou, que sempre me empurrou pra frente, e continua me empurrando é a vontade de me comunicar – a vontade de passar para as pessoas aquilo que mexe comigo. Eu acho que, se tem alguma coisa boa em nossa profissão, é a possibilidade de dialogar com um número grande de pessoas sobre aquilo que aflige a todos nós. Então, o teatro, o cinema, a televisão – a arte de um modo geral, batem nessa tecla. É aquela frase linda do Fernando Pessoa “Arte é uma confissão de que a vida não basta”. Acredito plenamente nisso, e é o que me move, essa vontade de ultrapassar vida. Esses 57 anos são nada, perto do que a arte pode oferecer pra gente.

Ao longo dessa extensa carreira de sucesso, inúmeros personagens marcantes na TV, teatro e cinema. Se você fosse começar tudo novamente, que personagens gostaria de fazer novamente? Aqueles que lá no fundo mexeram com você de forma diferente. É difícil para mim destacar um trabalho, principalmente baseado no sucesso. Às vezes, não é o sucesso que faz você mudar a sua cabeça. Às vezes, uma peça que você montou, um filme que você fez ou uma novela da qual você participou não foram bem, ou o público não aceitou, ou que você deixou de comunicar algo por alguma razão. Às vezes, esse trabalho é o que te motiva a continuar. No sentido de que, talvez, no próximo, você possa consertar aquela falha de comunicação. Eu acho que essa tentativa de se reformular a cada trabalho, é o que me faz querer continuar.

Tem uma frase de Henry Ford que diz “Quem para de aprender é velho, quer seja aos 20 anos quer seja aos 80 anos. Qualquer pessoa que continua a aprender contínua jovem”. Você tem aprendido muita coisa ultimamente? O que te move a aprender? Cada peça, cada filme, cada novela, seriado, ou qualquer coisa que se faça, é sempre uma grande novidade. Eu desconfio sempre daquele profissional que diz que já sabe tudo. A gente não sabe não. Os personagens sempre estão à nossa frente, nos desafiando. Temos sempre muita coisa pra aprender, e aprendemos a cada dia. Nós já fizemos mais de 500 representações de Baixa Terapia e eu posso garantir que, a cada uma delas, aprendemos uma coisinha. E às vezes, coisas grandes que não tínhamos percebido antes. A nossa profissão tem essa coisa bonita de ser um eterno aprendizado. Isso faz com que a gente tenha uma posição sempre humilde diante da profissão mas, ao mesmo tempo, muito quente, porque é a curiosidade que nos faz ir para frente.

Essa “liberdade” de não se ter contrato fixo e essa altura da carreira é mais um conforto do que uma insegurança profissional? Sempre tive uma liberdade muito grande nos 44 anos de contratos com a TV Globo. A gente tinha uma cláusula nos contratos em que eu podia escolher o trabalho que eu fizesse lá dentro. Então, liberdade de escolha, digamos assim, eu sempre tive. Não mudou nada pra mim. O que mudou, naturalmente, foi essa relação de estabilidade que um contrato longo te dá, e que um contrato por obra não dá. Você faz aquela obra e “tá livre” para fazer qualquer outra coisa. Você perde a estabilidade. No mais, eu sempre tive a liberdade de escolha.

Já fez muita coisa apenas para cumprir contrato? Ou de certa forma você teve liberdade mesmo com longos contratos? Como falei na resposta anterior, nunca fiz nada para cumprir contrato. Isso é fácil de perceber quando você pega o meu currículo dentro da própria TV Globo – você vê que são novelas que eu não podia ter deixado de escolher fazer.

Que mudanças foram mais marcantes na TV hoje em dia, do que no seu início de carreira? O que é mais fácil e mais difícil hoje para o ator? Talvez os atores mais jovens, ou os atores que já pegaram a televisão com essa proposta de estabilidade, sofram bastante com a mudança. Quando a gente começou, lá atrás, há 50 e poucos anos a fazer televisão e teatro, os contratos eram assim mesmo, por obra. Você era chamado por uma ou por outra emissora, ou para fazer uma peça ou fazer outra, e você vivia essa “instabilidade” porque era assim que funcionava o sistema. Como vai voltar a funcionar agora. Então, para nós que começamos dessa forma, a mudança não é muito grande. Vai ser para aqueles que cresceram e se desenvolveram dentro de um panorama de maior estabilidade. Aí a coisa pode ficar difícil para essas pessoas que nunca tiveram o hábito de correr atrás, como a gente correu no início de nossa carreira.

Por muitos anos você foi considerado galã. Esse “título” em algum momento lhe incomodou ou atrapalhou? Costumo brincar que o título de galã nunca me incomodou porque nunca me considerei o meu tipo de homem (risos). Nunca me enquadrei nesse. Digamos – título, que em alguns casos, era usado de forma pejorativa. Eu nunca me enquadrei nisso porque estava lá fazendo meu trabalho de ator, e nem de uma forma elogiosa, no sentido de que eu seria um homem bonito. Como sempre batalhei muito por meu trabalho de ator e nunca me considerei um homem bonito, nunca me incomodou.

É um desafio maior hoje fazer sucesso na TV, no cinema ou no teatro? O advento do streaming, essa profusão de produtoras e o fato de que você não tem um público assistindo ao programa ao mesmo tempo, fazem com o que o sucesso seja mais demorado. Antigamente, todo mundo assistia àquele capítulo junto. Então, se você fizesse sucesso, seria para aquela massa monstruosa de espectadores. As novelas da TV Globo chegaram a atingir 70, 80 milhões de espectadores num capítulo. Hoje em dia, no streaming, para atingir esse número de espectadores, você tem que ter realmente muita sorte porque a oferta é muito grande. Então, fazer sucesso hoje em dia, como a gente fez nessas décadas anteriores, vai ser sim muito mais difícil.

O que é ter sucesso para você? Sendo coerente com a minha vontade, ter sucesso para mim é conseguir me comunicar com o maior número de pessoas dentro daquilo a que eu me propus comunicar. Sucesso pra mim não é ficar em cartaz por muito tempo, mas que as pessoas saiam modificadas do teatro a ponto de querer que outras pessoas se modifiquem. Baixa Terapia teve 350.000 espectadores até agora, e continua crescendo. Isso pra mim, é sucesso. Que as pessoas saiam do teatro dizendo “puxa, me modifiquei e quero que meus amigos e parentes passem por essa experiência”.

Falando em teatro você voltou aos palcos com a peça Baixa Terapia que estreou em 2017, como um grande sucesso. Como está sendo esse retorno aos palcos e com um sucesso como esse? Baixa Terapia é um exemplo bom de sucesso. Já estamos em cartaz há mais de três anos – com a interrupção da pandemia. são cinco anos. Nós estreamos em 2017. Está sendo maravilhoso fazer no Rio de Janeiro. Era uma coisa que queríamos há muito tempo, mas precisávamos cumprir nossa agenda em São Paulo e as viagens pelo Brasil. Fomos a Portugal com a peça, fomos aos Estados Unidos também. Queríamos ter calma para fazer no Rio de Janeiro. Então, cumprimos todas as nossas agendas antes, para podermos ficar aqui. Estamos lutando diariamente. O público está se divertindo conosco, dando boas gargalhadas a ponto de já estarmos pensando em prorrogar a peça até meados deste ano, talvez. Íamos ficar só até março, mas vamos prorrogar a temporada devido ao sucesso da peça.

Já faz um bom tempo que o Brasil vive momentos tensos e difíceis. Rir um pouco é um bom remédio para isso. E rir com textos leves e provocativos como o dessa peça, faz toda a diferença nesse momento. Ou seja, rir é o melhor remédio mesmo? A coisa mais difícil que tem é você achar uma boa comédia, que faça a plateia dar boas gargalhadas, mas ainda assim faça você sair pensando do teatro, e modificado/a em algum sentido. Eu acho que Baixa Terapia consegue contemplar todas essas necessidades. A plateia gargalha durante uma hora e meia e ainda sai movida pelo que a peça, no seu final – ela tem um final surpreendente, entrega. E a gente ainda faz um bate-papo com a plateia depois do espetáculo e também abrimos os bastidores para os espectadores que queiram conhecê-los – é uma espécie de um tour com o público antes do espetáculo. Eu posso dizer que temos aí um teatro total, para quem quiser se envolver com Baixa Terapia.

Na peça, você contracena com sua ex-mulher Mara Carvalho e sua atual esposa Alexandra Martins em perfeita harmonia. Como chegaram a essa liberdade e estabilidade? Essa harmonia, essa liberdade, essa estabilidade não dependem de uma pessoa só, dependem de todos os envolvidos. Tem resultado bem porque todos os envolvidos se empenharam para isso. E estamos juntos há muito tempo, por isso.

Seu filho, juntamente com Mara, Bruno Fagundes, deu uma entrevista para a MENSCH em junho do ano passado e declarou sobre trabalhar em família “Ambos têm um olhar muito apurado e refinado. Eu amo escutá-los, trocar uma ideia com eles. Amamos falar sobre nosso trabalho. Mas cada um traça seu caminho, na sua intuição, suas escolhas individuais”. O quanto essa troca com ele é importante para você? Se vê muito nele nessa idade? Quando Bruno resolveu que ia mesmo ser ator, a gente sentou e combinou de fazer pelo menos três espetáculos juntos, pra gente se curtir e que, depois, cada um segue o seu caminho. Podemos nos juntar ocasionalmente, mas essas três eu fiz questão de fazer. Nós fizemos Vermelho, que foi um espetáculo lindíssimo. Só eu e ele em cena. Depois, nós fizemos Tribos, que também foi maravilhoso e o Bruno fez Baixa Terapia. Ele saiu do espetáculo exatamente porque já tinha outros projetos em andamento, e quis dar continuidade. Ele estreia agora em março um espetáculo lindíssimo, Herança. Estamos torcendo.

Qual o poder da arte? Como ela lhe move no ofício de ator? Através da arte é que você se projeta no futuro, que você entende o passado, que você se coloca no presente. Através da arte é que você se modifica, que você ousa, que erra tranquilamente porque sabe que pode consertar no dia seguinte. É através da arte que você vive outras vidas, que você cresce, que enxerga o outro. O poder da arte é fabuloso, e é isso que deve mover aqueles que trabalham com ela. Eu acho que, no dia em que a população do mundo se voltar mais para a arte do que para outras coisas, nós vamos resolver muito mais os nossos problemas.

Daqui pra frente, o que deseja realizar? Quais os seus maiores sonhos como ator e como homem? Continuamos produzindo. Baixa Terapia está em cartaz e ainda vai ficar por mais um tempo, mas já estamos pensando no próximo espetáculo para logo depois. Talvez, ao mesmo tempo, se ousarmos tanto. Temos projetos para cinema e alguns projetos também para televisão que, infelizmente, ainda não podemos adiantar, porque estão em processo de elaboração. Mas tem muita, muita coisa pela frente. Aguardem.