ARTE: IMAGINÁRIO DA BRASILIDADE POR JONATHAS DE ANDRADE

Por Ivan Reis

“Nó na garganta”, “cara de pau”, “olho no furação” e “de braços cruzados” são expressões já conhecidas dos brasileiros. Trabalhando na mistura de sentidos, técnicas e linguagens, o artista Jonathas de Andrade se inspira na cultura popular brasileira para produzir obras que entrelaçam ficção, realidade e tradição. Reconhecido dentro e fora do país, o alagoano representa o Brasil com a instalação inédita Com o Coração Saindo pela Boca na 59ª Bienal Internacional de Arte – La Biennale di Venezia, que segue até 27 de novembro.

Preparando-se para mais uma etapa da carreira, o artista está em cartaz com uma exposição panorâmica que revisita aspectos socioculturais que retratam o Brasil, sobretudo a região Nordeste, trazendo à tona questões de gênero, classe e raça. Fotografia, instalação e vídeo retratam situações corriqueiras e se tornam pretexto para confrontar e repensar estruturas históricas da sociedade. A mostra, que foi aberta dia 24 de setembro, ficará em carta até 27 de fevereiro de 2023 na Pinacoteca Estação, em São Paulo.  

ARTE E IDENTIDADE

Jonathas de Andrade é um dos artistas mais representativos de sua geração. O alagoano de 40 anos participou da 32ª Bienal de São Paulo (2016) com a videoinstalação O Peixe (The Fish) que foi exibida, no ano seguinte, no New Museum em Nova Iorque e na 29ª Bienal de São Paulo em 2010. Com currículo extenso, já participou de inúmeras mostras e galerias no país e no exterior.

Para Jacopo Visconti Crivelli, curador geral da 34ª Bienal de São Paulo – Faz escuro mas eu canto, encerrada em 5 de dezembro de 2021, e indicado pelo presidente da Fundação Bienal de São Paulo. A escolha pelo trabalho de Jonathas para representar o Brasil na Bienal de Veneza, se deu pela busca da ideia de cultura autenticamente popular como o elemento mais característico de sua obra. “O corpo, principalmente, o masculino, é o eixo norteador para abordar temas como o universo do trabalho e do trabalhador, e a identidade do sujeito contemporâneo, por meio de metáforas que oscilam entre a nostalgia, o erotismo e a crítica histórica e a política”, afirma o curador do Pavilhão do Brasil sobre o estilo do artista.

Um dos projetos mais emblemáticos é o conjunto de trabalhos que reúne no Museu do Homem do Nordeste, concebido como um possível contraponto ao museu antropológico criado pelo sociólogo Gilberto Freyre, em 1979, existente na cidade do Recife. O museu original revisa a história colonial e a identidade da região a partir de uma reunião de artefatos e objetos históricos. Já o artista premiado por suas fotografias, desloca seu olhar para as pessoas ao deixar transparecer a maneira como as relações de poder e de classe carregam os rastros e as consequências da História. Algumas fotografias já integram o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, ocupando a Sala Corpo – metáfora social, os retratos são de pessoas identificadas pela raça, nacionalidade e grupos sociais. Não sabemos o nome da maioria delas, mas vemos seus corpos representando ideias e valores. É possível reconhecer a volta ao passado e à tradição para reiterar, comentar ou, até mesmo, criticar seu discurso. Percebemos como a arte e suas instituições colecionam e erotizam os corpos, apagando sua história em prol de narrativas hegemônicas.

Outros trabalhos recentes do artista também merecem destaque, como Jogos dirigidos (2019) e Infindável mapa da fome (2019-2020) que nascem de um processo de convivência e troca com comunidades de lugares distintos do Brasil e que carregam as marcas de processos históricos muito específicos, resultando em trabalhos colaborativos. Jonathas também protagonizou mostras individuais, como Jonathas de Andrade: Um pra Um, no Museum of Contemporary ArtChicago (2019); On Fishes, Horses and Man, The Power Plant, Toronto, Canadá (2017); Visões do Nordeste, Museo Jumex, na Cidade do México (2017), além da participação na 16ª Bienal de Istambul.

AO PÉ DA LETRA

”O convite é uma surpresa e uma honra. Entretanto, a ideia de representar o Brasil hoje, seja onde for, é, antes de tudo, um desafio pela responsabilidade diante do quadro de complexidades cruciais que o país enfrenta”, declarou Jonathas de Andrade sobre o convite do curador Visconti Crivelli. As expressões que utilizam o corpo para descrever sentimentos e ações envolvem a literalidade com criatividade, uma forma de encarar a vida. Para o artista, “nó na garganta” e “empurrar com a barriga” são expressões potentes para falar sobre as condições sociais e ideológicas que o brasileiro enfrenta no cenário social hoje.

Ao entrar no pavilhão do Brasil na mostra internacional por uma escultura de orelha gigante, os visitantes se deparam com instalações intrigantes e curiosas do artista alagoano. Impressões fotográficas, algumas esculturas interativas e um vídeo encomendado pela Fondazione in Between Art Film compõem a experiência. 

A instalação está interligada por expressões e ditados populares envolvendo metáforas do corpo humano e uma série de obras que materializam sua extraordinária carga poética, tornando-os tangíveis. Duas enormes orelhas colocadas na entrada e na saída do pavilhão fazem alusão à expressão popular Entrar por um ouvido e sair pelo outro, permitindo aos visitantes “entrar por um ouvido e sair pelo outro” literalmente, enquanto um balão inflável, que invade o espaço em vários momentos do dia, remete à expressão que nomeia a mostra – Coração saindo pela boca. Em seu conjunto, as obras constituem um índice parcial e alusivo – mas poderosamente físico, das sensações experimentadas por um corpo imaginário brasileiro, traduzidas em expressões simples e, por vezes, engraçadas, mas que captam e transmitem o momento histórico em que vivemos com toda a sua complexidade.

A obra também faz referência às feiras de Ciências que Jonathas conheceu quando criança. Em especial, a experiência de visitar Eva, boneca de fibra e espuma de 45 metros que percorreu o Brasil na década de 1980 na qual o público podia entrar para conhecer o funcionamento do corpo humano. “Com esta exposição, reforçamos nossa missão de divulgar a arte brasileira e levar o que há de mais vibrante da produção artística do nosso país para os diversos cantos do mundo”, explica José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Entre esculturas, objetos e representações do imaginário popular, a obra de Jonathas de Andrade toca em questões essencialmente humanas e povoadas pela brasilidade sensível do olhar. Articulando criatividade, vivência e reflexão, a mostra panorâmica inédita em São Paulo retrata a maneira como o artista desenvolve sua temática a partir de convites, provocações e intercâmbio de linguagens em uma perspectiva da problemática social. “Que a arte consiga traduzir o embaraço que é viver nos nossos tempos e que inspire sonhos que permitam desatar esses nós”, declarou o artista.