
Com mais de 20 trabalhos na TV, Guilherme Weber ganhou destaque ao dar vida ao vilão Tony de Da cor do pecado, em 2004. No cinema, o artista contabiliza dezenas de longas, como os aclamados Olga e Árido Movie. Ele ainda assina a direção do filme Deserto, com Lima Duarte no elenco e que venceu diversos prêmios, como o de Melhor Direção no Festival de Cinema Brasileiro em Los Angeles. Nos palcos, ele já esteve em diversos espetáculos, como Fantasmagoria IV, com direção de Felipe Hirsch, em 2024. Prestes a completar 35 anos de carreira com muito trabalho, atualmente ele está na novela Volta por Cima, onde vive o bicheiro Marco, e já se prepara para no segundo semestre estrear de seu quarto monólogo no Teatro Sesi, no Rio, O Corpo Mais Bonito já Visto Nesta Cidade. E para 2026, Guilherme Weber já tem novos projetos engatilhados, ele será o diretor da versão brasileira de Plaza Suíte, um clássico da comédia de Neil Simon, e ainda vai mais longe, em 2027, ele dirigirá a nova montagem de Chanel, com texto de Maria Adelaide Amaral, sobre as memórias da estilista francesa. E nesta entrevista exclusiva para a MENSCH ele faz um apanhado da sua carreira e comenta seus projetos atuais e futuros. Sem dúvida um artista versátil.
Estamos na reta final de Volta por cima. Como foi viver o bicheiro Marco? Foi um prazer que escorreu por muitos lugares. Novamente trabalhar com a autora, no que eu estou chamando de trilogia Claudia Souto (depois de Pega Pega e Cara e Coragem) (risos), encontrar velhos amigos e parceiros de cena como Isabel Teixeira e Milhem Cortas e encarnar um personagem contraditório e carregado de subjetividade. Ele mexe com muita destreza nas expectativas dos espectadores. Chega como um vilão sequestra uma garota, acoberta crime de cárcere privado, ameaça comerciantes idosos, cheira com prazer o dinheiro arrecadado na contravenção. Mas, carrega uma crise de identidade, se mostra um filho amoroso, um homem que sofre por amor. Então, essas facetas juntas complexificaram de maneira positiva o personagem aos olhos dos espectadores, o que é sempre ótimo. É uma delícia poder transitar por diferentes estados emocionais e situações da história. E o público respondeu… começou odiando o ambicioso traidor, mas ele protege a mãe, a abraça, cheira seus cabelos, e todos se derretem, alô, Freud… (risos)…
E qual a sua volta por cima na vida? Nada heróico, claro, mas significativo para o menino que eu era e onde estava, que foi decidir ainda muito jovem frustrar as expectativas do meu pai, encampar brigas homéricas e abraçar sem reservas o meu desejo e vocação – ser ator, viver de arte, cultura e entretenimento, sem plano B. O significado de sucesso para mim sempre foi viver do trabalho que eu amo.

Você acabou de atuar ao lado de nomes como Lucinha Lins, Betty Faria e Zé de Abreu. Como é trocar com esses artistas consagrados? Uma das coisas que eu mais gosto em fazer novela, é a quantidade de atores com quem se contracena a cada projeto, diferentes estilos, muitas histórias. Eu sou ótimo ouvinte e tenho alma de memorialista. Então, um camarim, um set, uma espera, com atores com muito mais tempo de ofício é uma festa sem limites para o meu espírito. Nós atores nos construímos também dos atores que vimos e vemos trabalhar. É fundamental que um ator saiba se manter vivo, curioso e sem reservas de seu lado espectador. Isso alimenta demais um repertório. Lembro sempre da Fernanda Montenegro dizendo “um ator, que viu um ator, que viu um ator…”. Este poema gertrudiano que ela criou e que soa como um mantra sem fim. Betty Faria e suas criações antológicas, a Salomé de Bye Bye Brasil, um dos filmes mais lindos do mundo, Tieta, Lili Carabina… Betty Faria entra no estúdio e parte da nossa história e identidade vem com ela. José de Abreu, o ator realista, sutil e com fôlego de orquestra de O Tempo e o Vento e Anos Dourados minhas séries favoritas, que eu via e imitava quando era garoto em Curitiba. E Lucinha Lins como minha mãe, uma escalação perfeita. É um prazer atuar com ela – uma atriz de muita classe e com grande poder de concentração em cena. Ela parece que freia a velocidade do mundo quando escuta o “ação”, tudo se resume a ela e seu entorno naquele momento mágico. E também o efeito memória, foi forte com ela. Era a atriz de muitas coisas da minha prateleira de favoritos, a Mocinha Abelha de Roque Santeiro, a Gata de Os Saltimbancos Trapalhões. Perdi a conta de quantas vezes vi este filme quando eu era garoto – o meu favorito do grupo. No meu primeiro dia de gravação com ela, enquanto estávamos passando o texto, meus pensamentos intrusivos do bem ficavam cantando na minha cabeça Hollywood é um sonho de cenário, la-la-la-la… a, música do filme…
Guilherme Weber, aliás, está festejando 35 anos de carreira. Já se considera um veterano também? Ainda sente frio na barriga ao entrar em cena? 32 anos profissionais! Mesmo assim, quanta estrada! Me sinto um veterano sim, foram muitas experiências diferentes, vinte anos de Companhia fixa de teatro, filmes, novelas, streaming, prêmios e uma nova “recente” carreira também como diretor. Acho que posso colocar a faixa de veterano sim, (risos)… Ah, sinto frio na barriga sim, claro! A gente não se acostuma nunca – felizmente, a se colocar em lugar de tanta exposição e fragilidade. Existe um cumprimento no teatro japonês clássico em que o espectador, ao falar com o ator depois de uma cena, diz algo que traduzido seria “obrigado por passar por isso por mim”.
Você é de Curitiba, no Paraná, berço de muitos artistas renomados. Como foi sair de lá e conquistar o sucesso? E o que carrega de sua cidade natal? Acho que se passa a vida tentando sair da cidade natal, até entender que carregamos a cidade pelo lado de dentro. Saramago fala lindamente sobre essa sensação em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, um dos meus livros favoritos, é algo como que, em sua aldeia natal, sempre haverá uma velha para te chamar por seu apelido de infância. Curitiba é a responsável por grande parte da minha educação sentimental – forjou o meu humor e me deu os primeiros grandes amigos, presentes na minha vida até hoje! O humor do curitibano é moldado por ironia e profundo senso de auto-paródia e isso também deu uma das chaves de trabalho para a Companhia que fundei na cidade, a Sutil Companhia de Teatro, em parceria com o Felipe Hirsch que, carioca, morava na cidade desde pequeno – meu amigo desde a adolescência. Durante vinte anos, mantivemos a Companhia baseada na cidade, mesmo com sucessivas e cada vez mais longas tournées nacionais e internacionais. Mas toda cidade considerada “fora do eixo”, uma hora tem que ser abandonada para que se expanda suas ambições de carreira. De Curitiba, carrego também minha paixão por sua literatura. Dalton Trevisan, Paulo Leminski, Wilson Bueno, Jamil Snege são alguns dos grandes que admiro cada vez mais. Lembrando um trecho de um poema lindo do Leminski “Adeus cidade/ O erro, claro, não a lei/ Muito me admirastes/ muito te admirei”.

Em agosto, poderemos ver seu trabalho num monólogo no Rio. O que pode contar desse projeto? E como é fazer um projeto solo? Se chama O Corpo Mais Bonito Já Visto Nesta Cidade e tem texto do dramaturgo catalão Joseph Maria Miró e direção do argentino Victor Garcia Peralta. Conta o assassinato de um jovem de 17 anos em uma pequena cidade. Fala de um corpo agredido, um corpo mutilado, um corpo diferente, um corpo que desejaríamos ter. Como se um corpo que se deseja tanto, tivesse que ser punido em algum momento. A libido, a pulsão de vida do garoto incomoda a moral da cidade e, no teatro, o corpo não é apenas matéria é uma convenção, uma ideia, um signo. Eu fiz três espetáculos solos lá atrás, no repertório da Sutil Companhia de Teatro. O último, foi há quinze anos atrás. Então, é um retorno ao formato que está me deixando muito empolgado. Existe uma grande delícia no solo que é a de começar o jogo, a troca com a plateia e não parar até o final da história – o fluxo contínuo da proposta do ator para a plateia.
Além de ator premiado, você é diretor e já tem grandes planos como dirigir novas montagens de Chanel e de Plaza suíte, com os quais fez muito sucesso na Broadway. Como escolhe os projetos que vai assumir? E o que podemos esperar dessas novas montagens? Estes são dois projetos que ainda vão demorar um pouco para estrear, mas que já estão na pauta e me entusiasmam muito! Em meus projetos como ator, tendo a priorizar as parcerias, quem vai estar no mesmo barco na aventura – em novelas especialmente, por se tratar de um projeto aberto e de longa duração. No cinema, no teatro e especialmente como diretor, geralmente meu foco inicial é a dramaturgia. Sou um apaixonado por dramaturgia, tenho vetores específicos de pesquisa de dramaturgia, como a dramaturgia camp, a dramaturgia contemporânea norte-americana e a dramaturgia latino-americana – gosto de descobrir novos autores e torná-los parceiros de trabalho, porque nas minhas ações como diretor, sempre começo fazendo interferências no texto a partir da minha primeira leitura.
Plaza Suíte é um trabalho de relojoaria, clássico absoluto de Neil Simon, um dos dramaturgos da minha preferência, desde muito jovem. São três histórias sobre relações que acontecem na mesma suíte de hotel. Em conjunto, fazem do espetáculo um tratado sobre o casamento. A peça é um banquete para os atores, que se revezam em personagens de temperamentos diferentes e, na minha direção, em estilos de comédia diferentes para cada cena. Já Chanel, tem estatura de mito e todo olhar sobre ela, pode iluminar algo novo. A peça traz uma certa saudade do século vinte e, para mim, a curiosidade de observar como novas gerações, oriundas do Tik Tok e do politicamente correto vão encarar uma mulher tão complexa e contraditória em sua genialidade. Meninas usando a cruz com pérolas, clássico Chanel, achando que foi a criação de alguma cantora… cantora que já estava homenageando… a Madonna, (risos)…

Como descobriu seu interesse pela arte? O resumo de uma biografia – eu era um garoto muito fascinado pelas liturgias católicas, vidas de santos, mártires católicos, fazia muitas promessas, acendia velas… um lado teatral já se formando, acredito. Um dia, com uns doze anos de idade, acho, encontrei um álbum de fotos da época que minha mãe morou em Los Angeles quando era garota – fotos e autógrafos de atores icônicos, Bette Davis, Gregory Peck, Ingrid Bergman e por aí vai… que ela colecionava das estreias que iam na cidade. Ela tinha um tio que trabalhava no departamento de adereços da M.G.M. e ela circulava muito com ele, pelo estúdio e em eventos. Quando ela começou a me contar sobre aqueles atores, fui ficando fascinado e troquei imediatamente os santos pelos atores, (risos)… Decidi que queria ser ator. Mas, queria ser ator de da Hollywood dos anos 30, 40 e 50 (risos)… Vendo meu entusiasmo, minha mãe me colocou na aula de teatro na escola e, então, o teatro veio me salvar do que teria sido a minha primeira grande decepção na vida!
O sonho de muitos artistas é fazer um grande vilão e você ganhou destaque fazendo justamente o vilão Tony de Da cor do pecado. Como esse trabalho mexeu com a sua carreira? E por que todos querem interpretar vilões? Foi minha primeira novela, meu primeiro personagem grande na televisão. Antes, só tinha feito participações. Então, mexeu fazendo minha carreira na televisão começar. O personagem é lembrado até hoje, vinte anos depois, e, por diferentes gerações, em função também de sucessivas reprises e, recentemente, redescoberta pela entrada no catálogo do streaming. Era um personagem muito irônico e tinha embates quase de desenho animado com a Bárbara de Giovanna Antonelli, o que também era uma chave de sucesso, até com as crianças. O bordão do personagem, “calma, coração” é também repetido até hoje e fiz uma auto-citação em Volta Por Cima, falando em uma cena, como parte de uma sequência de homenagens que a Claudia Souto, de maneira muito sutil, fez durante toda a novela.
Acho que todos querem interpretar vilões porque é divertido e é um ótimo exercício para explorar um lado obscuro de si mesmo – a oportunidade de estar livre da moral civilizatória. Então, é um dos privilégios do trabalho do ator poder visitar esses lugares, mas de maneira controlada, através da ficção. São personagens fascinantes porque não são inibidos por vergonha, ressentimentos, escrúpulos. Têm o caminho livre de constrangimentos morais e podem, simplesmente, te agradar de forma primitiva. E o espectador pode descarregar sua fúria selvagem em odiar o vilão, amar odiá-lo e, assim, reafirmar a qualidade de seus próprios valores. Amamos os vilões também porque eles enobrecem os heróis, afinal esses personagens vem aos pares. Luke Skywalker não seria interessante se não existisse o Darth Vader…

Você é um artista que faz humor às 19h e também trabalhos mais densos no cinema e no teatro. O que lhe move na carreira? E o que falta fazer que ainda não teve oportunidade? Hoje em dia, o que me move são as parcerias, especialmente, no áudio-visual. Também a vontade de fazer personagens diferentes, um mais denso, outro mais engraçado, um mais contido, outro mais expansivo. Muito bom quando pensam em você para diferentes situações. E, especialmente, no teatro o meu amor pela dramaturgia – a qualidade de um texto, como responder a todas as perguntas que um bom texto é capaz de fazer, tanto como ator como diretor. E como diretor, meu amor e admiração pelos atores. O que ainda não fiz e tenho muita vontade, é de dirigir uma ópera.
Que avaliação faz desses 35 anos de profissão? E o que planeja para os próximos 35? Foram 32 anos de carreira profissional até agora, tempo à beça, (risos)… Avaliação positiva. Fundei e mantive uma Companhia estável de teatro por vinte e três anos, criamos uma linguagem própria, uma assinatura de muita potência. Lançamos dramaturgos inéditos no país, trabalhei com alguns dos meus heróis de diferentes áreas, me lancei em novos caminhos da profissão, como diretor de teatro, tradutor, curador e cineasta e, em nenhum momento, perdi a curiosidade, nem o entusiasmo, nem deixei de ser um espectador interessado. Uma trajetória bem bonita. Para os próximos anos planejo mais filmes como diretor! E a tal da ópera (risos).
Como lida com a vaidade? Qual o limite dos seus autocuidados? A vaidade é um veneno, mas como diz a máxima “a diferença entre o veneno e o remédio está na dose”. Eu sou atento à minha vaidade sem me deixar aprisionar. Tenho uma dermatologista incrível e muito cuidadosa, uso protetor solar diariamente porque tenho tendência a fazer manchas na pele e, de vez em quando, faço a “máscara do Pitanguy” uma herança que ele deixou para alguns iniciados (mentira, tem a receita na Internet), barata e bastante eficiente. Musculação para segurar o máximo de musculatura que depois dos cinquenta anos vão embora sem nem dizer adeus e algum foco nos joelhos, para mantê-los fortes para os próximos trinta e dois anos de carreira. Os chineses falam que a velhice começa pelas pernas, então vamos ter pernas fortes para poder dar rasteiras nessa danada. O limite é o do equilíbrio entre satisfação e a necessidade. E lembrando o que dizia o sábio Millôr Fernandes, “Não ter vaidades é a maior de todas”.
Onde podemos encontrar Guilherme Weber quando não está trabalhando? Em uma roda de samba, em uma livraria, em uma pista de música eletrônica, no aeroporto, em restaurantes, na praia no verão, caminhando nas ruas (sou flâneur em qualquer cidade), andando de bicicleta na orla ou em casa. Me tornei mais caseiro nos últimos tempos, às vezes, quase um antissocial clandestino, (risos).
Você é uma pessoa muito discreta e usa suas redes sociais da mesma forma. Como é sua relação com os seguidores? O que pensa sobre essa nova perspectiva do mercado de valorizar número de seguidores para escalar? Pois, atualmente, uso apenas uma rede social. Faço, com certa regularidade, postagens sobre os livros que leio e acho estimulante trocar com os seguidores sobre literatura, todo um universo de ideias, dicas e celebrações acontece a partir dali. Também quando o assunto é viagens, a troca acontece de maneira muito orgânica, dicas, impressões e memórias… e tenho amizades nascidas e mantidas na rede social, em trocas cinéfilas. Já o “escalar elenco por redes sociais” me parece de uma ingenuidade atroz e de falta de sensibilidade sobre seu próprio tempo. Parece conversa/pensamentos/paradigmas de alguém que ainda não entendeu como funcionam as redes sociais!

Assessoria @natashasteinassessoria