CAPA: JONATHAN AZEVEDO, UMA CONQUISTA ATRÁS DE OUTRA

Fazer uma entrevista de capa antes de mais nada é contar um pouco a história daquela pessoa. Cada um à sua maneira, cada um com sua trajetória e projetos. Contar mais uma vez um pouco da vida do ator Jonathan Azevedo é sempre uma felicidade. Primeiro que o cara se joga de cabeça e se dana a falar (o que pra nós é ótimo), segundo que ele sabe do que fala e terceiro eles nos deixa sempre querendo mais. Prova disso está aqui nesta segunda entrevista de capa, a 1ª foi em outubro de 2017 logo após o sucesso de Sabiá na novela “A Força do Querer”. Três anos depois encontramos um Jonathan que encarou uma plataforma de petróleo na série “Ilha de Ferro”, cantou no “Popstar”, dançou muuuuito na “Dança dos Famosos” e que agora exerce seu maior papel, o de pai! Com garra, determinação e muito talento, Jonathan virou uma referência para muitas pessoas e um cara que admiramos ainda mais por sua simpatia, simplicidade e carisma. Que venha muito mais! 

Pelo que temos observado nesta pandemia você soube bem pegar os limões e fazer uma bela limonada. Ou seja, soube contornar um momento crítico e tornar algo agradável. Situações difíceis sempre foi um desafio positivo para você? Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade por estar falando com vocês mais uma vez. Eu me lembro novamente de como tudo começou! E começou com uma oportunidade neste mesmo lugar, neste lugar de informação e que faz brilhar de uma maneira tão linda a história de cada um que passa por vocês. Enfim, a minha vida sempre foi assim né!? A partir do primeiro momento que eu cheguei no mundo, foi em uma situação delicada e, mesmo assim, a vida me apresentou muito afeto e compaixão a partir do momento da minha adoção. E eu acho que é isso que eu carrego comigo. E quando eu me deparo com a arte e com a situação que o mundo está vivendo, eu acho que a minha reflexão é a mesma da minha infância, de querer sempre transformar em algo positivo. Foi isso que meus pais me ensinaram. Tem uma frase que minha mãe sempre falava “Não há nada ruim que não possa piorar. E não há nada de bom que não possa melhorar”, então eu acho que se a gente em meio de coisas ruins, pensa em ter um coração bom. Eu acho que isso pode melhorar também. Então é isso que eu vou transformando. Transformo meu coração e a minha paz, cada vez mais, em algo melhor, positivo ao mundo.

E por falar nisso, só tem dado Jonathan nas redes sociais nesta pandemia heim? Como foram surgindo as ideias? A vida do artista é isso né? Pelo menos pra mim. Falando de mim, Jonathan Azevedo, tudo sempre me inspirou. Até mesmo em situações difíceis me inspiram. Eu convivo muito com minha madrinha pelo fato dela me ajudar muito nos cuidados com minha casa. Até que, um dia, ela começou a me contar as histórias do trabalho dela. Isso pra mim foi muito inspirador. Foi a partir daí que surgiu essa ideia do improviso e dos personagens.

Se reinventar e descobrir novas atividades tem sido seu foco nesse período? Como tem encarado tudo isso? A partir do momento que eu fui pai, eu tive que me reinventar, e pude aprender isso com meu filho, toda essa paciência, calma, que uma criança tem. Poder estar do lado dele, me deu força para poder voar. E eu fui sem medo como uma criança, eu acho que eu voltei a ser criança, alimentei muito o Jonathan e isso tá sendo muito encantador pra mim. Eu tô cada vez procurando alimentar mais o Jonathan e me reinventar isso a partir do momento que trago informação e tudo que o Jonathan precisa para sobreviver em paz.

Como surgiu a Kraudinha e as lives “Neg Desenrola”? A “Kraudinha” surgiu através de um bate-papo com a minha madrinha que trabalhava na casa de muitas madames. Como ela vem muito aqui para me ajudar na casa, um dia ela começou a me contar as histórias delas, horários de trabalho, a forma que ela era tratada e a naturalidade que as pessoas tinham este desafeto e ao mesmo tempo a naturalidade que ela aprendeu a lidar com isso. Isso pra mim ficou como uma coisa estranha que acaba ficando engraçada, mas é um engraçado que te dói, de certa forma isso é uma comédia muito boa que a gente ri de algo que nos afeta. Então foi a madrinha Elizabeth que a gente sempre brinca falando que é Elizabeth II (segunda) porque teve a Elizabeth I (primeira) que era uma outra tia que tive. E fora isso tem as histórias das senhoras aqui do beco que no início da pandemia, muitas pegaram covid 19 por trabalhar em casa de madame e acabaram se infectando ou no trajeto ou, propriamente, na casa da patroa.

Por um lado isso também foi bom para você poder curtir seu filho Matheus. Como tem sido esse novo papel de pai? Ser pai foi o maior presente que eu pude ter na vida. Matheus é o melhor professor que eu tive, eu acho que agora eu posso ser pós graduado em ser feliz. Por que quando você acompanha o desenvolvimento de uma criança, você vê o quanto uma criação é tão feliz por tão pouca coisa. Este momento está sendo muito especial, poder aprender com Matheus é uma alegria. Estou tendo aulas incríveis nesta pandemia. Estou fazendo um curso incrível com meu filhão.

Como pai o que pretende passar para seu filho? Como deseja a criação dele que já nasce numa condição melhor do que a sua quando bebê? Com certeza é uma condição melhor do que eu tive. Por mais que eu tenha sido muito abençoado pelo meus pais e pela família, eu tenho eu foco também no terreno educacional e estrutural de desenvolvimento, então eu foco muito para que ele possa ter a oportunidade de viajar, estudar e de ter a sua opção própria do que ele queira da vida. Que ele não viva tempos que eu vivi onde as pessoas tentam te doutrinar. O próprio sistema te arma algumas armadilhas. Ainda mais ele sendo um jovem preto, vindo de um pai preto, então é olhar pro mundo com esperança e sabedoria. Eu acho que essa união que fortalece o elo do ser humano.

Hoje você diria que virou uma referência para pessoas negras, que moram no morro e desejam um futuro melhor? Sente isso? Na verdade, eles são a maior referência pra mim. O lugar de onde eu vim, foi a maior referência pra mim, minha maior fonte de tudo que levo na minha arte. Eu acho que assim construímos essa relação de referência pra referência. A nossa troca é generosa, verdadeira, ela desmistifica muitas coisas. Nossa luta, nossa história é linda. A história da minha avó é linda, então nessa cumplicidade de contar história e não abaixar a cabeça com muita das coisas que se apresentam contra o lugar de onde a gente vem, faz com que torne muito forte o elo com o lugar de onde eu vim. Nosso foco maior é a união e o poder de solidariedade um com outro. Tudo que eu aprendo eu quero levar de volta para minha comunidade. Eu vou pra vida, para poder retornar com mais sabedoria para minha comunidade.

Estamos num momento onde o racismo está sendo amplamente combatido no mundo. Como manter esse discurso além desse momento, além de ser “legal publicar no insta um post preto” e se mostrar solidário realmente? Sobre o racismo tem aquela frase famosa que está circulando “Não basta você não ser racista. Você tem que ser antirracista”. O racismo é uma coisa absurda, e uma das maiores provas do racismo é o sistema educacional brasileiro. As narrativas que são contadas na histórias deste país. Então tem vários fatores que tem que ser discutidos, até propriamente a legislação, tudo que foi construído. Apesar deste país não ser nem do preto, nem do branco, e sim dos índios. A gente vê o que fizeram com os índios, imagina o que fariam com os pretos. Quando você, realmente, estuda toda a história do país, você estuda boa parte do que foi ensinado na escola, faculdade não é 100% verdadeiro. Então é muito bom ter estes debates e também é ótimo aparecer cada vez mais intelectuais negros que consigam passar uma visão mais ampla da história deste país. É muito triste você ver um jornal que não tem gente preta e que vai falar de uma fatalidade com pessoas pretas de uma forma fútil. Então sempre neste contexto eu foco na educação. Trabalhando com educação fica bem pra todo mundo.

O que de fato as pessoas podem fazer para mudar essa mentalidade que gera o racismo? O primeiro lugar para a gente tentar mudar essa mentalidade, é mudar o sistema educacional, mentiroso e negacionista. Que nega a história do seu próprio povo. Eu acho que isso é um bom princípio. Temos de mudar a legislação também. É de fato precisamos de mais pretos envolvidos na política. De fato, fica difícil defender os nossos desejos, vontades e desenvolvimento, deixando o poder na mão de pessoas que de fato não sabem o que passamos na nossa trajetória.

Estamos num momento delicado do Mundo, em especial no Brasil, onde o povo pobre do morro não tem água encanada para lavar as mãos ou internet para estudar online. O que as comunidades tem feito para melhorar a situação? Como a população pode ajudar esse movimento? Esta pergunta é tão interessante que parece que ela vem com a resposta dentro. Uma resposta para esta pergunta é pra você ver como que nela já tem a resposta da desigualdade né!? O quanto a desigualdade neste país é tão grande. Estes dias eu estava falando com a minha mãe que uma sobrinha minha fazia explicadora, que ela não pode continuar pelo fato de não ter telefone, computador e a explicadora não tem internet. Novamente nos deparamos com a educação, com ela nós também mudaríamos a questão da água. A gente não tem, no meio de uma pandemia, o escudo e a espada que é a água e o sabão pra gente poder nos proteger. Então é isso, uma luta cotidiana e o mais louco nessa luta que parece que estamos em uma guerra, em uma luta eterna, não podemos deixar isto virar confortável, isso não é confortável. Isto tem que parar. Esta é a minha reflexão sobre isso tudo. A única melhora para gente desenvolver uma população melhor é a gente pensar em uma população mais unida.

Recentemente em Recife tivemos o caso da morte precoce do menino Miguel (filho de Mirtes, empregada doméstica). Um caso claro de relação abusiva de patroa x empregada. Infelizmente algo muito comum no Brasil. Como combater isso? Uma coisa muito curiosa deste caso é que a gente se depara com essa questão do custo da mão de obra. No Brasil ela é muito desvalorizada, nesse caso a empregada né? Aí eu vejo que seria o caso do Brasil refletir. Estamos vendo bem isso com a “Kraudinha”. É tudo fruto disso. O quanto elas são importante no dia a dia de muitas pessoas bem sucedidas no Brasil e elas não são pagas devidamente pelo fato de termos uma herança escravocrata. O fato já é um pesadelo, mas o que vem após, se torna três pesadelos. E a legislação não defende esta mulher e, sim, protege totalmente a patroa. Então é uma reflexão muito boa para pensarmos num futuro melhor né? Como nós estamos remunerando as pessoas que fazem os trabalhos mais difíceis da nossa vida?

Isso nos lembra sua personagem Kraudinha, que é uma forma de você dar voz à esse perfil de mulher, empregada doméstica que vem da periferia e do morro. Como a personagem tem repercutido? Como faz para construir a personagem? Sim, a “Kraudinha” também me trouxe espaço como artista. Mas sempre respeitando o espaço da mulher. Mas, como artista é preciso questionar a sociedade que talvez não esteja refletindo o que está ocorrendo. Então muitas delas, sim, vêm da comunidade. Eu fiz uma pesquisa esses dias lendo meus livros, e descobri que o termo “Empregada Doméstica” vem dos escravos que trabalhavam desde pequenos nas casas dos barões e das baronesas, e eles eram chamados de empregados domesticados, aqueles que poderiam viver entre as pessoas brancas. Então é até curioso, que eu estou procurando outro termo para usar ao invés de “Empregada Doméstica” por enquanto eu to ficando com “Secretária do Lar” mas é isso, a cultura envolve tudo isso que estamos sofrendo e que nosso povo sofre há mais de 500 anos.

É inegável que você é um cara cheio de estilo. E cada vez mais as grandes marcas investem nisso. O que isso te representa e como você definiria seu estilo? Eu fui descobrindo na minha jornada, formas de conversar com o máximo de público e pessoas que eu pudesse. Fiz música, teatro, poesia e descobri que a moda também fala muito. Então eu me encantei com isso, e a moda também conversa não só no lado da marca, mas do lado da autoestima. Então é isso que eu trabalho em cima da minha moda, a moda negz trabalha com autoestima! E você antes de tudo carrega dentro de você a certeza da sua dignidade, ética e sua história. Você é lindo, maravilhoso, você tem que sorrir sabendo que sua dignidade vem em primeiro lugar e depois vem o que você veste. Se sua dignidade tiver em baixa não tem como você estar lindo.

E falando em estilo, lembramos do clássico personagem Sabiá, da novela “A Força do Querer”, que em breve estará de volta na reprise em horário nobre. Dessa vez você vai poder acompanhar de perto a trajetória do personagem. Que recordações guarda desse personagem que foi um verdadeiro divisor de águas na sua carreira? Sabiá não só foi um divisor de águas mas foi a ponte para conhecer pessoas muito especiais na minha vida. Foi como conheci a Juliana Paes, a Glória Perez e pude me apresentar para o Brasil também né!? Sem falar na forma que o Brasil me recebeu, foi algo que não me esqueço nunca. O Sabiá chegou como um bandido que colocava muitas questões éticas na linguagem da comunidade para serem refletidas para o Brasil inteiro e isso foi uma coisa que me surpreendeu muito, com uma resposta bem positiva. A coisa que mais me marca foi o fato de poder ter ajudado meus pais a partir daí. Isso é a coisa que mais toca meu coração, poder ajudar minha comunidade e muitas pessoas com essa visibilidade que o Sabiá me deu. Eu sempre gostei de falar de amor de afeto e poder trocar isso com o Brasil foi a coisa mais importante que o Sabiá me deu.

E como foi filmar numa plataforma de petróleo para viver Fiapo na série “Ilha de Ferro”? Qual foi o momento mais punk? O processo de criação da vida de um artista é uma coisa linda né!? Aí eu saio do “Sabiá” e vou pro “Fiapo”. O bacana desta transição é que eu saio do roteiro de Glória Perez, e vou para direção do meu irmão Afonso Poyart, que me dava uma liberdade incrível, assim como eu tinha com “Sabiá”, para poder criar com o “Fiapo”. Então eu acho que ali dentro da plataforma foi muito aprendizado até por que eu tinha que ser uma pessoa mais contida, ligada em tudo. Isso foi uma coisa muito marcante pra mim. Tivemos muitos cursos para poder adentrar a plataforma, todo este aparato que a gente tinha que ter e não se machucar e não machucar nossos companheiros de trabalho né? Então todo esse cuidado que a gente tinha que ter para trabalhar na plataforma, foram importantes para construir o “Fiapo”. Foi um processo muito em conjunto com a Kizi Vaz que fazia a “Suelen”, nossa primeira cena eu descobria que iria ser pai e depois de duas semanas eu descobri que iria ser pai na vida real. Então eu acho que a plataforma de petróleo, a “Ilha de Ferro”, foi me preparando pro que a vida iria me dar de melhor que foi o Matheus Gabriel.

Falando nos trabalhos mais recentes, você cantou (no “popStar”) e dançou muito na “Dança dos Famosos”. Como foi isso? O que foi mais desafiador que te tirou da famosa zona de conforto? “Popstar” e Dança foram muito incríveis na minha vida!!! Dois programas muito desafiadores, mas muito felizes. Foi muito crescimento e o contato com o público foi mais incrível ainda!!!

Antes da pandemia você estava pra gravar uma nova série no GNT. Pode nos adiantar algo? O que vem por aí? Sim, a série se chama “Casais Inteligentes”. A única coisa que posso adiantar para vocês é que é uma série muito incrível, com direção do Pedro Vasconcelos e que eu vou fazer um personagem que vai dar o que falar que se chama “Jorginho”. Já já o Brasil vai estar falando de Jonathan Azevedo novamente.

E para relaxar disso tudo, o que faz sua cabeça? Para relaxar, eu leio meus livros, me apego muito a eles. Me apaixono pelos personagens quando eu leio e fico construindo roteiro com meus amigos. Eu fico também muito com meu filho, eu acho que o melhor momento para relaxar é quando estou com Matheus. Minha atenção é só para aprender com ele, tudo faz mais sentido na minha vida no momento que estou com ele.

Jonathan, passado tudo isso o que você mais deseja fazer? O que mais desejo é juntar minha família toda. Levar meu filho para praia, parque, viajar, jogar bola, fazer tudo que essa pandemia não me permitiu fazer.

Desde já, muito obrigado pela oportunidade e pela luz que vocês emanam. Beijo, beijo e luz na caminhada.

Fotos Guto Costa

Styling Samantha Szczerb

Agradecimentos: Amil Confecções, King & Joe, Club Melissa Ipanema, Plástico Bolha Store