Antes de ser considerado um humorista, Luis Lobiando é um artista. Que por acaso faz humor. Mas não se restringe só a isso. Lobianco é na verdade um grande observador, assim como todo grande ator deve ser. Observar pessoas e situações do cotidiano faz parte do exercício diário do ator. Agora imagina isso sem o contato direto com o público, como tem sido nessa quarentena. Mas dentro do que foi possível, Lobianco tirou de letra. Participou de teatro online, se jogou no podcast e criou novas formas de fazer o que gosta e estar em contado com o público, mesmo que de forma remota. Como bom brasileiro, foi se virando no 30 e ocupando seu tempo com coisas de fato produtivas. Como por exemplo, posar para este ensaio feito via facetime e conversado conosco para essa bela matéria de capa.
Lobianco, esse período de quarentena foi um momento difícil para ser criativo ou as situações bizarras que foram surgindo serviram de inspiração? Foi bem difícil. As situações bizarras, revoltantes e assustadoras não me inspiraram, ao contrário. Achei mais generoso comigo me recolher e não me cobrar resultados nesse período.
Aliás, inspiração ou piração? Como tem sido para você? Acho que a palavra seria introspecção. Nos concentramos na rede de apoio, entre os amigos mais próximos, atenção à família, ações objetivas em causas focadas e trabalhos que estavam ao alcance. Não me cobrei ser engraçado ou herói de uma causa pública. Evitei o excesso de presença nas mídias sociais.
Pelo que ficamos sabendo você tem trabalhado muito em projetos online, como “Parece Loucura mas há Método”, que é teatro via web. Como é isso? Fui convidado pelo Armazém Cia de Teatro para essa experiência. O Armazém é uma das companhias mais expressivas que conheço e formou a minha geração com seus espetáculos. Propuseram uma pesquisa sobre Shakespeare para uma peça encenada via zoom com participação da plateia. Foi importante pra minha saúde estudar com o grupo, acolhido num espaço familiar que é o teatro. Estreamos há mais de um mês e o encontro com o público de sexta a domingo tem sido comovente.
E no meio disso tudo sua cia teatral, “Buraco Show”, completou 8 anos em plena pandemia. E com isso tiveram que se reinventar com shows virtuais e lives. Um desafio atrás do outro. Como foi adequar tudo isso para esse novo formato? Fizemos uma apresentação bombadíssima, no fim de fevereiro, no teatro Rival e saímos de lá já com nova data fechada para comemorar os 8 anos. Logo depois começou a quarentena. Adaptamos o espaço online para que nós e o público não nos perdêssemos de vista. São lives toda sexta, às 22h, no nosso perfil @buracoshow. Lá cantamos, nos maquiamos, criamos cenários. É diferente da experiência presencial porque nossos espetáculos são quentes e caóticos como deve ser um cabaré. Mas nesse momento o esforço deve ser para acolher as pessoas e sinalizar que estamos juntos.
O que foi mais difícil e o que te levou a aprender? Afinal a necessidade faz acontecer. Acho difícil lidar com o crescimento do negacionismo. O ataque ao conhecimento, as ciências, ao jornalismo e as artes. Não perceber que países como Brasil, EUA e Rússia se tornaram párias mundiais. E para os números de vidas perdidas não há argumentos. Aprendi que ações objetivas e silenciosas são mais eficientes do que estar nos grupões de salvadores da pátria. Há gente que faz muito barulho nas redes mas só produz cancelamentos e lacrações. Não conseguem organizar uma frente ampla de oposição ao fascismo porque estão fazendo marketing pessoal através de causas importantes. Pessoas silenciosas e menos presentes nas mídias têm sido as melhores e mais inspiradoras companhias.
Passada essa pandemia você tem projetos futuros seguindo esses formatos? Abriu um novo mercado para você? Tivemos a necessidade de criar novos formatos e eles devem permanecer. Acho que nada substitui a experiência teatral presencial, a tela do cinema ou a rotina de uma novela no ar, que é um elemento muito forte da cultura brasileira. As novas plataformas devem coexistir e ter novas opções de arte, é bastante positivo.
Como ator e produtor de conteúdo não ter esse contato direto com o público deve ser meio frustrante não é? Como tem sido o retorno da parte do público agora que estão diretamente conectados? Eu sinto falta de conversar com as pessoas no teatro ao fim de um espetáculo ou na rua enquanto um projeto está no ar na tv. Na rede social (a única que uso é o instagram) tenho um público sensível. Infelizmente esse tipo de relação humana e saudável não é o que sustenta as redes. Percebo que minha turma de seguidores é exceção nesse ambiente tóxico. Estão ali trocando pensamentos fora do senso comum.
Como lida com redes sociais, likes, haters e o que é público ou privado? Minha rede social é o teatro e o set de gravação. É no real que sempre me conectei com as pessoas. Não consigo ser diferente no campo virtual. É estranho porque é o território de efemeridades, não dá pra criar grandes expectativas. Um nude, uma polêmica entre cantoras ou os discursos vazios produzem muito mais engajamento do que as presenças sem filtro.
Falando em haters… essa possibilidade de cada um falar o que quer nas redes sociais criou uma população, em grande parte, sem filtro. Acredita que as pessoas sempre foram assim só não tinham um meio para se expressar ou isso nasceu com essa “terra de ninguém” que as redes sociais trouxeram? Sempre existiu gente intolerante. Mas, agora a antipolítica do governo atual estimula a mentira e o ódio anunciado e impune. O presidente é causa e produto desse ambiente. Com a presença da internet, as pessoas que ainda mantinham algum pudor dos seus atos e palavras agora se expõem. Por outro lado, a gente sabe melhor com que tipo de ser está lidando. Infelizmente essa estrutura se fortalece quando as redes sociais recompensam com números quem consegue movimentar mais absurdos, independente do teor. São corresponsáveis quando, para monetizar, não criam mecanismos de punição aos disseminadores de ódio.
Muito tem se falado sobre os inúmeros tipos de preconceitos hoje em dia. Você mesmo já sentiu na pele? Sofri alguns porque sou gay e não sou magro. Por outro lado, no Brasil eu sou considerado branco e nasci na classe média. Tive menos oportunidades do que uns e muito mais chances que outros. Tenho que ser muito ético e ousado pra conquistar um protagonismo que é negado a pessoas como eu, mas tenho plena consciência de que estou mais perto desses lugares do que a maioria das pessoas desse país. A palavra é essa: consciência – de onde tive oportunidade de chegar e as responsabilidades que vêm com isso.
Ficou mais chato fazer piada e humor hoje em dia por conta do policiamento geral? Ficou difícil pra quem só sabe fazer graça oprimindo e apontando dedo. Esse nunca foi o meu humor, definitivamente. E desconfio de quem sente saudade do humor de 10 anos atrás.
Recentemente você participou da série “Shippados” interpretando um naturista que vivia pelado em casa. Isso gerou algum incômodo da parte do público? E pra você, como foi ser um peladão na TV? Incômodo zero! Não tive sequer um comentário negativo. A nudez é apresentada numa dramaturgia muito sofisticada da Fernanda Young e Alexandre Machado. A direção da Patrícia Pedrosa é de extremo bom gosto. Apresentamos um nu que não passa pelo sexual ou vulgar, estávamos falando da naturalização de corpos e suas diferenças com humor. Uma joia de trabalho que tenho muito orgulho!
Pelo que percebemos você é um cara que não para. Fora os trabalhos que citamos ainda tem o humorístico “Fora de Hora” que esteve em formato podcast nessa quarentena e a segunda temporada de “Férias em Família” no Multishow, lançada, recentemente. Fala um pouco sobre desses trabalho! O “Fora de Hora” foi a convite do núcleo de humor da TV Globo e a oportunidade de trabalhar com colegas incríveis. Minha praia é dramaturgia mas em projetos como esse em que há lugar para o humor crítico, construtivo e engraçado eu me sinto em casa. Foi um experiência tão feliz que migramos para o formato podcast na quarentena e se tornou um oásis de criação no isolamento. O “Férias em Família” foi a oportunidade de contar uma história popular e afetiva, viajando pela Europa. Ideia que tive em parceria com o Multishow e me proporcionou uma das experiências mais intensas de trabalho, até hoje, com equipe e elenco de primeira.
E por falar em férias, o que curte fazer quando tem férias? Amo juntar a família e amigos, em algum lugar que tenha mato, cachoeira, frio à noite e sol de dia! Cozinhar, rir, descansar e não fazer nada! Ou então pegar um avião e conhecer cidades no mundo. Sou daqueles que anda o dia todo pelas ruas. Amo viajar!
Em casa relaxando o que costuma ler, ver e ouvir? Gosto de música baixa ou silêncio. Escuto música clássica, adoro Satie, adoro música islandesa tipo Sigur Rös, amo Caetano, Alcione, Mônica Salmaso… Agora estou lendo o livro “A Casa” do excelente Chico Felitti e assisto séries. Terminando de assistir “Downton Abbey”, finalmente. Adoro os documentários dos canais Curta e Arte1. E adoro, inclusive, não fazer nada, olhar pra parede e cochilar de tarde. Mas isso é um luxo, raramente, estou desocupado ou relaxado suficiente pra isso.
O humor é sempre o melhor caminho em momentos difíceis? Se pensarmos em humor para além do riso, sim. Porque rir de tudo é desespero. Tem uma frase do Rubem Fonseca que eu adoro “Rir é bom, mas pode foder a vida de uma pessoa”. Ter humor vai além da piada, é estar disponível, não se levar tão a sério e buscar saúde emocional para lidar com a glória e o trágico.
O que te tira o humor? E o que te coloca um sorriso no rosto? O governo atual, seus fanáticos e suas práticas suspeitas me tiram o humor. O que me faz sorrir são as pessoas próximas que eu amo e estar envolvido com bons trabalhos!
Para encerrar, passada essa quarentena o que mais deseja fazer? Planos de trabalho ou lazer? Quero ocupar os teatros com peças interessantes. Interpretar boas histórias na TV e cinema. Trabalhar muito até precisar ficar parado de novo e viajar. Mas não vai ser fácil. Vamos precisar reerguer a cultura que foi arrasada pela pandemia e está sob ataque das lideranças.
Fotos Vinicius Mochizuki (@viniciusmochizuki)