ENTREVISTA: FERNANDO RUBRO E O PROTAGONISMO EM “3%”

Se você ainda não viu ou não perdeu um episódio da série 3% da Netflix aproveita para maratonar. A série ganhou a sua quarta e última temporada na plataforma de streaming, colocando um ponto final nessa era tão importante para as produções nacionais. A MENSCH conversou com o jovem ator Fernando Rubro, protagonista dessa 4a temporada, formado em publicidade e um artista completo. Indo da música à dança, Fernando um eterno inquieto, não se deixou abalar com a pandemia e usou para se aperfeiçoar e descobrir novas inspirações. Inspirações e criações que você confere aqui.

Fernando quando se descobriu ator? Como isso te tocou? Acho que me descobri ator através da música. Aos 12 anos meus pais me matricularam na minha primeira escola de música, passei a estudar canto coral e canto popular. Foram alguns anos cantando em apresentações de escola, festas da cidade e, ao longo desse processo, acho que senti essa necessidade de me expressar para além do canto. A princípio comecei a fazer teatro por hobby e cada vez mais me via envolvido com a coisa. Passei por companhias de teatro da minha cidade, viajei realizando apresentações e, finalmente, um dia a ficha caiu que seria essa minha profissão. Mudei pra São Paulo para estudar e estou aqui desde então. 

Formado em Publicidade você chegou a trabalhar na área? Como foi a transição para a vida de ator? Acho que, assim como muitos, escolhi Publicidade e Propaganda porque é um curso que “não precisa fazer conta” (risos)! Ilusão minha. Foram quatro anos estudando Publicidade e, ao mesmo tempo, fazendo teatro aos finais de semana. Durante todos esses anos, fiz estágios em agências de marketing, fazia freelas… E até mesmo quando cheguei em São Paulo usei essa formação pra poder me sustentar. Inclusive, quando recebi a resposta positiva pra série, estava trabalhando em um escritório como analista de marketing. Eu sabia que uma hora teria que escolher e que a atuação era/é o meu foco e o que me trouxe até aqui, então foi uma decisão fácil de ser tomada. Hoje em dia não me vejo seguindo como publicitário, mas é um curso que amei fazer e que uso muito na minha carreira, mesmo indiretamente. 

Além disso a música também faz parte da sua vida não é isso? Como é sua ligação com ela hoje em dia? Sim, eu comecei na música e esta é uma paixão muito forte em mim. Já me perguntaram o que eu gosto mais, e eu digo que não sei dizer, pois pra mim não tem um motivo para fazer juízo de valor, quero unir teatro/música/dança cada vez mais e sei que nós, brasileiros, temos competência para isso. E, mesmo no meu dia a dia, a música está presente em várias partes, seja cantando no chuveiro, estudando violão, escutando no fone…  

Um de seus primeiros trabalhos foi no “Castelo Rá-Tim-Bum”, que você chegou a falar que não era tão simples assim. Como foi essa experiência? O Castelo foi porta de entrada para este universo dos musicais. Eu me sinto muito privilegiado de tê-lo como meu primeiro musical, um projeto brasileiro e tão icônico que é o “Castelo Rá-Tim-Bum”. Desde as audições até a última apresentação, foram muitas sensações de nostalgia e felicidade, ver aqueles personagens que eu assistia quando era criança ganhando vida através de artistas incríveis… Sem dúvida foi meu maior presente. Os ensaios eram todos os dias, durante oito horas, com uma rotina muito intensa de canto, dança, cenas e exercícios, e com o tempo isso foi se intensificando à medida que acrescentamos elementos, cenário, figurino, perucas…

Acho que a maior dificuldade durante os ensaios era estar 100% presente e atento, pois, com o passar das horas, o corpo vai pedindo socorro (risos)! Mas como era um processo muito colaborativo, todo mundo se ajudou e aprendeu junto. Com isso minha rotina mudou, aprendi a cuidar mais da minha voz, mudar hábitos alimentares, estabelecer um tempo de repouso para voz e entender o meu corpo de uma maneira diferente. É preciso muito condicionamento físico, nem precisa de academia (risos). 

Atualmente você está como protagonista da série “3%”, na Netflix. Como esse papel chegou até você e o que tem sido mais desafiador nesse trabalho? No primeiro semestre de 2018 eu recebi um e-mail para fazer uma self-tape (vídeo teste caseiro) para uma série, que eu ainda não sabia qual era. Realizei o teste e passei pra segunda fase, que foi então quando descobri que seria pra “3%”, e a ansiedade aumentou. Ao todo foram quatro testes, e o último foi feito no próprio set. Saí de lá com um sentimento muito bom e, dois dias depois, recebi a resposta positiva. O Xavier é intenso em suas emoções, seus sentimentos ficam bem visíveis. O que eu mais gosto nele é a capacidade de sempre acreditar no melhor das pessoas e confiar que elas podem mudar. Na preparação eu ficava me perguntando como seria explorar essa alegria, ingenuidade e brilho nos olhos que ele tem na 3ª temporada, e como seria construída essa relação Xavier – Michele. Lembro que os preparadores colocaram a Bianca Comparato em uma cadeira e eu tinha que correr em volta da quadra e toda vez que completasse uma volta, eu tinha que parar e contar uma história pra Bianca, com o objetivo de fazê-la rir. Foi bem divertido. Os preparadores me deixaram bem à vontade pra criar. Na 4ª temporada o Xavier tem uma virada, então trabalhamos bastante uma força, a coragem e essa sede de vingança que ele traz quando se vê sem nada, quando a única pessoa que ele se apoia, se vai. Foi um processo muito rico, e com certeza vou levar todos os exercícios e experiências pra vida. 

Por sinal a série estreou sua 4a temporada, ou seja, sucesso total. A que se deve isso? Acredito que o sucesso da série vem na sua temática. Não temos distopias brasileiras, e este é um gênero muito consumido lá fora. Embora seja uma ficção científica, a série mostra muito da essência do Brasil, suas falhas, suas riquezas, a cultura e a diversidade que temos aqui. A série como um todo é muito viciante e fácil de ser maratona, o roteiro te leva a querer mais e isso faz com que os fãs queiram outras temporadas. “3%” é uma série que vai além do entretenimento, porque é uma crítica, um ensinamento, algo que nos faz questionar como estamos vivendo hoje em dia.   

Ser protagonista é sinal que o mercado está ampliando os horizontes para atores negros terem o devido destaque? Sente que isso está mudando aos poucos? Hoje em dia vemos mais artistas negros em papéis de destaque, e isso é um reflexo de toda uma luta por visibilidade que ainda não terminou – e talvez nunca termine. Mas já temos um grande avanço. E o fato das pessoas falarem sobre isso abertamente é sinal de que algo precisa mudar. O próprio audiovisual tem lutado para que isso mude, e é lindo ver os artistas pretos dominando vários projetos. 

Ainda existe um racismo velado no meio artístico? Já sentiu isso? Com certeza. O racismo hoje está “sofisticado”, percebe-se nos detalhes. Ele está intrínseco numa fala, numa atitude, num olhar de julgamento e também em diversas produções onde não há uma preocupação com essa diversidade. Eu sinto isso todos os dias, em lugares que frequento, nas redes sociais… E sinto que não somos nós, artistas pretos, que precisamos palestrar sobre o assunto. Cabe à sociedade buscar conhecimento por conta própria, realmente querer saber, se preocupar, engajar e apoiar estes profissionais.  

Acha que muito desse racismo reflete o fato da pessoa ser um sucesso e ter alcançado uma posição que muitos não conseguiram? Por isso muitos incomodados com o sucesso alheio procuram atacar de alguma forma? A sociedade não está acostumada a ver artistas pretos em ascensão, acho que muitas pessoas se perguntam: “Como assim? Como ele chegou lá?”. Hoje temos muitas referências negras no mundo, advindas de todas as classes sociais e em áreas diversas, e tem que ser assim mesmo, precisamos ser vistos, notados, receber o devido valor pelo que somos e exercemos. Pretos no topo, como dizem. 

O que seria uma boa resposta para tanto racismo e preconceito (em geral)? É difícil te dar uma resposta, tudo isso está tão presente na sociedade, há anos… Eu acredito que hoje temos excelentes influências negras a serem seguidas, como Djamila Ribeiro, Lazaro Ramos, Sueli Carneiro, Silvio Luiz de Almeida… Sendo artista negro, eu devoro o conteúdo destas pessoas até pra eu entender, cada vez mais, o lugar que ocupo no mundo. A chave está no conhecimento, sabedoria e interesse. 

Onde busca inspiração para criar? O que te inspira de maneira geral? Nas pessoas ao meu redor, família, amigos, personagens… No cinema damos vida a pessoas, então faz todo sentido se inspirar em pessoas. Eu gosto muito de observar, prestar atenção nos detalhes, procurar ver o que quase ninguém vê. Num mundo que nada se cria, tudo se recria, é preciso ser peculiar na hora da construção, porque cada corpo é um corpo, cada vivência é única. 

Essa pandemia limitou muito, mas também deu oportunidade (e tempo) para aprendizado. Como foi isso pra você? Vivendo um dia de cada vez. Alguns dias mais produtivos que outros, e acho importante respeitarmos nossos momentos. Eu relembrei que amo paisagens em P&B, fiz alguns desenhos e em breve vou enquadrá-los. Aproveitei para estudar canto, instrumentos musicais e ler bastante. Chegamos num momento onde temos que nos adaptar a tudo que está acontecendo. Tem pessoas que precisam trabalhar, sair todos os dias, então a questão é como proteger ao máximo essas pessoas e também nos proteger. Acredito que a esperança seja a vacina e, até lá, vamos nos adaptando e nos protegendo o máximo possível.    

Você é um cara/artista vaidoso? Até onde vai sua vaidade? Sou. Gosto de variar de estilos, cabelos, cores… Sou muito vaidoso com meu cabelo, já tive tantos cortes (risos)… Eu me policio muito para essa vaidade não atrapalhar o meu eu-artista, porque é muito fácil cairmos no abismo do ego, coisa que já temos de natureza, enquanto humanos. Então busco sempre manter o pé no chão, fazer o meu melhor e deixar que as consequências venham.

O que curte ler, ver e ouvir? Amo ler e assistir suspenses, ficção, distopias. No momento estou devorando Sidney Sheldon, amo os livros dele. O próprio livro tem uma vibe cinematográfica, então eu leio e já fico imaginando um cenário, os atores, os figurinos, eu vou longe (risos). Minha playlist é muito peculiar, vai desde Caetano Veloso até Barões da Pisadinha. Eu gosto de ouvir tudo!

O que vem por aí ainda este ano? Estreio o meu primeiro longa-metragem, “A sogra perfeita”, produzido pela Paris Filmes e dirigido pela Cris D’Amato. Nele interpreto Paulo Ricardo, um dos filhos da Neide, que é interpretada pela Cacau Protásio, e o meu personagem é um advogado gay que já não mora mais com a família, tem sua própria vida e é independente. Um personagem bem legal, que vem pra poder desmistificar um tabu e com quem várias pessoas poderão se identificar. Uma comédia bem legal, gostosa de ver e que vai garantir boas risadas.

Fotos Jennifer Souza