Mais do que interpretar alguém, um ator precisa observar pessoas. Estudar pessoas talvez seja a maior faceta de Marcos Caruso. Um cara que sempre nos dá orgulho de entrevistar por conta de sua visão geral de seu ofício de ator. Acima de tudo, de sua humildade em se mostrar um grande ator. Caruso transita entre o bem e o mal de seus personagens, de forma sedutora. Ele sempre nos convence de quem está ali contando aquela história de forma muito natural. Ao longo de seus vários anos de carreira, nos palcos ou em frente às câmeras – e por trás delas também, afinal ele também é diretor – está um cara dedicado e totalmente entregue àquela personagem da vez, como atualmente o vemos com seu Sérgio Aranha, na novela Elas Por Elas (Globo). Marcos Caruso, na verdade, é uma caixinha de surpresa de onde sempre sai um novo tipo que nos encanta. Assim como essa entrevista exclusiva para a MENSCH.
Marcos, desde sua estreia na TV até hoje, praticamente todos os anos você marcou presença com alguma novela ou seriado. Um privilégio para poucos. Ainda mais hoje em dia. A que se deve isso? Eu praticamente não saí do ar nos últimos 20 anos porque sempre fui um homem que disse sim, curioso, muito obstinado. A minha curiosidade me leva a fazer o personagem que eu não conheço. Mesmo que eu tenha feito três médicos seguidos, coisa que eu fiz em novela, cada um é um médico diferente do outro. Cada personagem é diferente do outro. E quanto mais eu faço, mais exercito as minhas ferramentas. É um privilégio porque, evidentemente, fazendo, e fazendo bem, eu sou chamado para um próximo trabalho. Isso me deixa orgulhoso e ao mesmo tempo mais responsável, porque cada vez que me chamam, eu vejo que tenho que continuar fazendo bem pra continuar sendo chamado.
Você é um ator e diretor, que já fez muita coisa tanto na TV quanto no teatro e cinema. Como escolhe seus projetos e se divide entre essas três vertentes? Eu não escolho os meus projetos em televisão. Eu brinco que, na televisão, eu sou um projétil, eu sou atirado num determinado trabalho que, muitas vezes, eu não escolho, e vou abrindo picadas pra encontrar a melhor forma de fazê-lo. No cinema, eu tenho pouca atuação – muito pouca diante do teatro, principalmente, e da televisão. Mas no teatro, eu venho conseguindo escolher os meus trabalhos a partir da metade da minha carreira. Eu escolho por uma razão: escolho uma frase de uma peça e digo, “isto é preciso dizer, isto o público precisa ouvir, eu preciso fazer o público se emocionar, rir ou refletir sobre a sua realidade”. Eu me divido entre essas três vertentes – teatro, cinema e televisão – com muita facilidade porque sempre brinco que sou uma pessoa que não faz duas coisas ao mesmo tempo, eu tenho que fazer três, quatro ou cinco. Eu sempre encontro tempo para realizar trabalhos em cima de um prazer imenso, que é representar.
O que cada um te encanta e te desafia? É praticamente a mesma resposta da segunda pergunta. O que me encanta é estar no palco, é estar diante da tela, estar, principalmente, contracenando com um colega e sendo dirigido por um diretor. E falando o texto de um autor que tem o que dizer. Isso me encanta. E o que me desafia é fazer personagens que não conheço. É fazer coisas que não sei. Eu gosto do que não sei porque procuro saber para fazer bem feito.
Quando o bichinho da dramaturgia lhe picou e você percebeu que era isso que queria para a vida? Eu queria isso para minha vida, e esse bichinho me picou no dia em que assisti teatro adulto. Vinha vendo muito teatro infantil, e me encantava com teatro infantil quando criança, mas, aos 10 anos, quando vi minha primeira peça de teatro adulto – com Paulo Autran e Bibi Ferreira, a peça My Fair Lady -, minha tia-avó que me levou ao teatro, me contou que eu teria dito, no intervalo da sessão, apontando o palco: “é ali que eu quero estar“.
A sua versatilidade em encarar de forma tão natural tipos tão diferentes que vão do empresário ricaço ao pobretão popular, do mocinho ao vilão, é sua principal característica como ator? Como procura compor personagens? Eu componho os personagens tentando diferenciá-los uns dos outros para que o público não se canse, para que eu também descubra em mim essas possibilidades, já que nasci com o talento de interpretar vidas, e as vidas são diferentes umas das outras. Procuro também, com minha voz e com meu corpo, diferenciar um personagem do outro. Eu vou buscar isso na minha curiosidade, no meu poder de observação. Procuro assistir filmes, ver fotografias, pinturas, tentar descobrir o meu personagem de uma maneira física. E interpretá-lo em cima daquela figura ou daquela pessoa que eu vi, ou que conheci, ou que tenho memória de ter convivido. Eles se diferenciam, obviamente, se utilizando do meu corpo, da minha voz, e de atributos que vêm depois, como a peruca, a barba. Eu não gosto de fazer aquilo que eu já fiz.
Falando sobre seus trabalhos mais recentes… Você saiu do batalhador Dante Barreto em Travessia, para Sérgio Aranha em Elas Por Elas. Dois opostos. Aranha, inclusive, seria um perfil com o qual Dante iria bater muito de frente. Como é para você encarar dois caras de visões e caráter tão opostos? Dante Barreto em Travessia, e Sérgio Aranha em Elas por Elas são dois opostos. Encarar dois caras com ambições e caráter opostos é buscar em mim, essas duas personalidades. Eu tenho a personalidade para o bem do Dante Barreto e tenho alguma coisa do mal para o Sérgio Aranha. Eu não preciso matar alguém para descobrir em mim alguma coisa que existe de ruim. Posso matar uma barata, e ao matar uma barata tenho ódio daquele bicho e transponho aquele ódio para a pessoa que está na minha frente, e dou um tiro nela. Então essas visões de personalidades opostas dos personagens, elas estão em mim. E se não estão em mim, numa memória emotiva, eu vou procurá-las de uma forma concreta, física, mas que seja possível de trabalhar em cima daquela personalidade.
Olhando para trás que personagens lhe marcaram? Aqueles que você se orgulha do seu desempenho? Muitos me marcaram. No teatro, Intimidade Indecente traz um personagem que me marcou muito, porque eu passo a vida inteira – uma hora e meia, envelhecendo em cena sem nenhum tipo de maquiagem ou figurino. Isso faz com que eu tenha muito prazer. É um dos personagens que mais me deram prazer no teatro. Porca Miséria, também – é uma peça que escrevi com Jandira Martini em que fiz um italiano, isso me marcou profundamente. E na televisão, tem dois personagens que tenho muito orgulho de ter feito – um foi em Páginas da Vida – o Alex, era um drama. E Leleco, que era um personagem solar. Eu digo Páginas da Vida porque Alex deu uma virada na minha vida em termos de como as pessoas me viam como ator. Elas me viam apenas como ator de comédia e fiz um drama, isso foi uma virada na minha vida. Eu tenho muito orgulho daquele trabalho, graças a, principalmente, o texto do Manoel Carlos. O Leleco foi o personagem mais popular, que me deu a popularidade, e fez com que eu me aproximasse do público.
Você parece ser um ator / diretor perfeccionista. É isso mesmo? Como isso aparece? Sim, eu sou. Procuro, nos meus trabalhos como ator, produtor e diretor ser perfeccionista, porque acho que nós temos que dar o melhor para o público, sem nenhum ruído nessa comunicação. Como sou também um ator e diretor que senta numa plateia e espera ver a perfeição no palco. E se não a vejo, fico pensando como faria pra que isso fosse perfeito.
Sabemos que a vaidade pode ser uma cilada para o ator, em especial para os mais jovens. Como lida com a sua? Que todos nós somos vaidosos, desde o presidente da república até o cara mais simples, que talvez não tenha nenhum cargo na vida, ele também tem a sua vaidade pessoal, porque somos humanos. Ator tem uma vaidade mais exacerbada, porque é aplaudido, é bem criticado – também pode ser mal criticado e vaiado, isso também atinge a vaidade do ator. Eu lido com responsabilidade. Eu acho que, se nós conseguirmos, e eu conseguir – caso da pergunta – se conseguir me sobressair aos demais, aos meus pares, tenho uma responsabilidade muito grande. Não posso usar a minha vaidade para o mal, não posso usar a minha vaidade somente em meu benefício. Tenho que agradecer os elogios, agradecer os aplausos, agradecer os prêmios, mas tenho que saber que, quanto mais aplauso, quanto mais crítica positiva, mais prêmios, só aumenta a minha responsabilidade para que eu continue fazendo com que aquelas pessoas que me criticaram, me aplaudiram, me premiaram, continuem confiando em mim.
Muito se discute hoje sobre o etarismo. Por que envelhecer parece pecado? Ainda mais para mulheres. Percebe isso de forma diferente para os homens? Acho que, para muitos, pode parecer pecado, para mim é uma benção, porque quanto mais velho fico, mais vivo estou. Eu não tenho problema nenhum com envelhecimento, absolutamente nenhum. Não sou contra plásticas e procedimentos, mas não faço em mim. Nunca fiz, poderei um dia, mas por enquanto não. Tenho 72 anos e muito orgulho de todas as minhas rugas, todas as minhas manchas, por que elas fazem parte de uma vida, elas são um processo normal de quem está vivendo, e vivendo intensamente.
Sem os longos contratos de exclusividade das TVs, em especial, a Globo, tem dado mais espaço para veteranos e gente de teatro que rala para conseguir uma oportunidade? Acho que não é a Globo. Acho que há muito pouco espaço para os veteranos porque tudo está ficando muito jovem, o que é uma pena. Acho que os veteranos, além de terem ferramentas inacreditáveis para utilizar em suas interpretações, têm para ensinar, eles são sábios, eles são necessários. É importante que eles estejam no ar, estejam no palco, para as pessoas verem que se pode trabalhar, se pode emocionar e fazer rir até os 100 anos. E quanto às pessoas que ralam para conseguir uma oportunidade, que têm seus talentos e muitas vezes não estão no grande eixo Rio-São Paulo, no Sudeste, onde se tem mais visibilidade, essas pessoas estão tendo oportunidades na televisão, porque cada vez mais vemos que a Globo não precisa ter o sotaque carioca – ao contrário, tem que ter o sotaque brasileiro. E essas pessoas estão vindo para a televisão. E o teatro, graças a Deus, depois da pandemia, e de todo o processo de desmonte pelo qual a cultura passou, está voltando com muita força e trazendo grandes espetáculos com grandes atores que não são conhecidos e estão acontecendo em vários cantos do país.
Longe das câmeras, como você recarrega suas baterias? Eu recarrego as minhas baterias em viagem e no esporte. Sou um homem que pratica muito esporte. Ando de bicicleta – 10 km por dia, nado, sempre fiz isso na vida. Então, é aí que recarrego as minhas baterias – é na minha energia corporal. E quando falo de viagens, falo, principalmente, para fora do Brasil. Eu conheço o Brasil inteiro, viajei o Brasil inteiro, conheço 22 capitais do país e mais de uma centena de cidades do interior. Mas, quando saio do Brasil, recarrego mais as minhas baterias, porque aqui, quando saio na rua, em qualquer lugar do Brasil, as pessoas me reconhecem, e a minha liberdade de observação fica truncada, porque na hora em que vou olhar uma pessoa no ônibus, na feira – eu frequento feira, frequento ônibus, van, metrô, as pessoas são matéria-prima para o meu trabalho, para eu compor personagens -, ao invés de observá-la, eu passo a observado. As pessoas passam a me observar e eu perco minha liberdade de observação. Então, quando viajo para o exterior, posso ver o ser humano sem que ele me veja ou policie minha visão curiosa e interessada.
O que atualmente costuma ler, ver e ouvir? Atualmente, eu pouco estou lendo, vendo ou ouvindo, porque a minha cabeça é uma sopa de letrinhas. Quando faço um trabalho no teatro e na televisão ao mesmo tempo, deixo um pouco a literatura de lado, o cinema de lado, a série de lado, o que é uma pena. Mas, é humanamente impossível decorar texto para uma novela, ter texto na cabeça para uma peça de teatro e ainda ler. Eu, particularmente, não consigo. Mas estou lendo um livro que se chama Martins e Caetano, sobre quando o teatro começou a ser brasileiro. É um livro do Ivan Fernandes. Neste momento, é o que estou lendo, mas é pouco perto do que eu leio. E ouço músicas, adoro MPB, adoro músicas mais calmas, mais tranquilas. E vejo algumas séries, mas muito pouco neste momento atual, em que estou trabalhando demais.
Quem é Marcos Caruso hoje em dia? Para onde segue? Acho que duas palavras me definem: eu sou um curioso e um obstinado. Eu sigo para o próximo trabalho, não sei qual será, e gosto de não saber porque, volto a dizer, o que me interessa é o que eu não sei.
Fotos Marcio Farias (@marciofariasfoto)
Produção executiva e styling Samantha Szczerb (@samanthaszczerb)
Beleza Graziele Bragança (@grazielebragança)
Agradecimentos Raffer, Breda Uomo, Amil Confecções