FOTOGRAFIA: FEITO TATUAGEM

Quando o universo conspira à favor a vida faz as linhas se cruzarem e daí nascem além de ótimas amizades, projetos incríveis. E quando esses projetos ganham a voz de muitos num desejo de gritar para o mundo o que o coração sente e o que a voz não verbalizou, melhor ainda. O resultado é isso, o projeto “Feito Tatuagem” criado pelo fotógrafo Sergio Santoian e pela maquiadora Louise Hélene, que ganhou destaque na redes sociais e na imprensa, e que esta semana vira uma bela exposição no metrô da capital paulista.

Daí você se pergunta, de onde vem essas ideias? Como surge algo assim? “A escrita surgiu da parceria. Já pensávamos há muito tempo em fazer algum projeto artístico e o “Feito Tatuagem” (#feitotatuagem) surgiu de maneira muito orgânica e natural. Não foi algo muito pensado. O Sergio sugeriu que eu escrevesse “Arte” no rosto do Mouhamed Harfouch (foto acima) numa semana em que várias peças e filmes estavam sendo censuradas no país em 2019. Ele estava na minha frente… não tive como recusar. Fiz com medo mesmo porque não sabia se ia ficar bom mas por sorte ficou. (risos).”, comentou Louise em entrevista para MENSCH.

Para Serginho, nosso velho parceiro de batalhas, “Nós já trabalhávamos bastante juntos, fazendo books de atores. Queríamos fazer um projeto que tivesse nossa cara. Um dia, clicando o ator Mouhamed Harfouch, sugeri de fazermos algo mais conceitual. Eu sabia que a Lou mandava muito bem em maquiagens artísticas, mas não sabia do dom dela de escrever em pessoas. Sugeri que ela escrevesse “arte” no rosto do Mouhamed e assim ela fez. Pra minha surpresa, ela não apenas escreveu, mas desenhou várias vezes a palavra “arte”. Quando vi aquilo pronto, achei tão lindo…parecia uma projeção, e naquele momento decidi fotografar em preto e branco. Esse foi o primeiro passo que demos para o “feito tatuagem”. A partir de uma imagem, vimos que tínhamos algo potencialmente artístico nas mãos e aí então, começamos a desenvolver a ideia, que se transformou no projeto que vocês conhecem hoje.”

Na exposição que estreia amanhã (16/09) e segue até meados de outubro, serão 20 imagens de famosos e anônimos que poderão ser vistas decorando a estação Trianon para conscientizar as pessoas sobre a campanha “Setembro Amarelo” que trata da prevenção ao suicídio. Em painéis com dimensões de 1,70mx1m, cada fotografado aparece com o rosto rabiscado com uma palavra que tem um significado relacionada à temática da campanha, como “Ouça”, “coragem’, “abraço”, “amor’ e “dor”.

Como surgiu essa parceria entre eles?

Louise nos contou que surgiu há 8 anos atrás quando foi fazer fotos com um amigo e o fotógrafo era o Sergio. “Falei que era atriz e maquiadora e, por conta disso, ele perguntou se podia me indicar para fazer os books com ele, maquiando, e eu bem feliz, aceitei”. Serginho na ocasião ainda não morava em São Paulo (ele é carioca), mas todas as vezes que ia trabalhar na cidade a indicava Louise como maquiadora. “Aos poucos, essa amizade foi se estreitando e, quando me mudei pra SP, naturalmente começamos a trabalhar ainda mais juntos. O convívio quase que diário, além de nos tornar muito amigos, fez nascer a vontade de criarmos algo juntos também. Ficamos com essa ideia na cabeça durante algum tempo e quando menos esperávamos, tínhamos um projeto nascendo como fruto das nossas angústias!”, comenta Serginho.

“Hoje, as pessoas olham mais do que ouvem e com isso conseguimos fazer com essa comunicação direta na pele dos fotografados. Poder usar uma estação do metrô para uma exposição de arte é um orgulho pra gente, ainda mais num momento em que a cultura não tem sido valorizada no país. Ainda mais podendo fazer as pessoas de todas as classes sociais e idades refletirem sobre um problema tão grave que é a crescente taxa de suicídio”, diz Santoian.

“Queremos que nossa arte faça as pessoas pensarem sobre um assunto tão difícil, mas tão importante de ser abordado. Ainda mais quando uma pandemia tem tido como uma de suas consequências, segundo especialistas, um possível aumento nos índices de suicídio”, lembra Louise.

Como surge a palavra que cada um vai expor no rosto? Muita gente já chega com ela ou vem num papo?

L: Ambos. Tem gente que já vem com a palavra muito pensada e tem gente que chega na dúvida e por conta da conversa que temos, se decide ou muda completamente de ideia. Tem gente que escolhe algo mais afetivo, outros algo mais político ou ligado a alguma causa social. É uma escolha muito pessoal.

S: Cada pessoa escolhe a palavra e a gente não repete palavra nenhuma.
Muitas vezes a pessoa já chega com a palavra escolhida, mas já aconteceu também de após conversarmos, antes do ensaio, de q pessoa mudar … Eu acho que a palavra escolhe cada pessoa, na verdade (risos).

Algum critério na escolha de quem vai participar? Alguma surpresa ou decepção durante esse processo?

L: Começamos convidando amigos que foram indicando outros amigos. O projeto acabou virando uma rede, arrisco até dizer: manifesto, onde cada um que vem indica mais pessoas e assim por diante. Nós prezamos muito por diversidade. É algo que estamos sempre buscando. Tornar o projeto o mais plural e diversificado possível. Tivemos que parar por conta da pandemia. Mas assim que voltar a ideia é dar voz e visibilidade para o máximo de pessoas possíveis, quanto mais diversas, amplas e plurais forem essas vozes, melhor. Quanto a decepções, acho que nenhuma. Todos que vieram e fizeram o projeto são pessoas fantásticas.

S: Sim, nós temos um critério que levamos muito a sério: a pluralidade do projeto. O feito tatuagem foi concebido para ser um “grito mudo” de nós dois, mas também de todos que participam. Por isso, a gente faz questão de o projeto ter diversidade, de darmos voz às minorias!

E a ideia da exposição, sempre existiu? Como será a abertura? Ideia de levar para outras cidades?

L: A medida que o projeto foi crescendo a vontade de expor também foi. Tínhamos vontade de expor assim que possível. A oportunidade que surgiu através do metrô foi incrível e nos deixou muito felizes! Muita gente passa por lá todos os dias. Fazer com que o projeto seja visto pelo máximo de pessoas possível é um sonho se realizando. Não sabemos como será a abertura. Vamos estar lá com pessoas nos ajudando a registrar esse momento, provavelmente muito emocionados. Temos muita vontade de expor o “Feito Tatuagem” em todos os lugares que forem possíveis, dentro e fora do País.

S: Desde que começamos a fazer o projeto e conforme ele foi crescendo, essa vontade de expor surgiu muito naturalmente, como resultado de todo esse processo. Não teremos abertura (infelizmente) por conta da pandemia. E a gente quer muito levar a exposição pra muitos lugares do país (Recife, inclusive, está nos nossos planos).

Que palavra cada um de vocês escreveria no próprio rosto? Por qual motivo?

L: Eu já escrevi “Leve” no meu rosto. Em um momento que precisava de mais leveza na vida. Hoje, eu escreveria “Respirar”. Acho que às vezes eu fico tão imersa em mim e nos meus pensamentos que tendo a acelerar tudo e me esqueço de só respirar.

S: Eu escreveria “improviso” porque me remete à minha formação como ator e também muito do ator que levo pra minha fotografia. Eu adoro improvisar com o fotografado(a) e ir criando junto com a pessoa a partir desse improviso. Acho q quem sabe improvisar (em todos os aspectos da vida) leva a vida com mais jogo de cintura.

UMA PERGUNTA PARA LOUISE:

Como surgiu seu trabalho de maquiadora para “desenhista” de palavras? O que te trouxe de novo essa projeto? Surgiu sem querer. Até eu fui pega de surpresa porque não sabia que sabia fazer isso. Mas estou absolutamente apaixonada e quero seguir nesse caminho de maquiadora\pintora\ desenhista pelo resto da vida. Sempre amei artes plásticas. Estudei isso por muito tempo quando mais nova. Tenho certeza que essas memórias, quase que infantis, repercutem em mim e no meu trabalho até hoje.

UMA PERGUNTA PARA SERGINHO:Como fotógrafo que desafios esse novo projeto te trouxe? O “feito tatuagem” fez eu me reinventar dentro de um formato que já faço há bastante tempo: o retrato. Precisei manter a assinatura do que eu já vinha fazendo nos retratos básicos de estúdio, mas também achar uma assinatura para o projeto e assim unir as duas coisas. Acho que deu certo! Quem olha as fotos do “feito tatuagem” vê a estética do retrato que sempre fiz com um olhar ainda mais apurado, enquadramentos diferenciados.