Milhem Cortaz é cria do teatro. Foi lá que ele se formou como ator e o cinema o trampolim para o universo das artes cênicas em toda sua plenitude. Foi no cinema que descobrimos Milhem, mais especificamente em “Carandiru” com um dos seus personagens mais marcantes, o Peixeira. Dalí em diante uma série de personagens obscuros, durões, brutos, com sangue nos olhos e uma veracidade a atitude que faz dele um dos melhores atores da sua geração. Agora na TV, Milhem tem navegado por águas mais tranquilas, porém com desafios ainda maiores. Ou Joubert de “O Sétimo Guardião” e o Matias de “Amor de Mãe”, seu atual trabalho na TV, trouxeram novas discussões e uma leveza com toques de humor. Milhem é isso, um ator para toda obra, independentemente de ser no teatro, cinema ou TV, ser drama, ação ou humor. Esse cara é foda!!
Milhem, depois de alguns vários personagens durões na TV e cinema, agora personagens mais leves e divertidos. Como tem sido pra você? Alguma preferência? Tem sido um grande aprendizado! Tive sorte de ter tido parceiros nessa jornada, pessoas especiais que me ensinaram bastante sobre televisão e teatro, tendo a possibilidade de poder transitar por todos os universos. Mas, estar agora na televisão é fantástico! Uma novela tem duração de oito meses, né? É bastante tempo para você poder aprender errando ou acertando, amadurecer mais o seu trabalho, entender mais um pouco desse universo que é a teledramaturgia. Tem o fato de lidar com a aceitação do público e mudanças no personagem – essa coisa imprevisível traz um tesão, um frescor a mais. Tô me divertindo muito! E se eu tenho alguma preferência? Estou gostando muito de fazer televisão por ter um lado leve e divertido. Eu durmo melhor e acordo melhor (risos). Mas, eu continuo apaixonado pelos personagens problemáticos e que andam na sombra (risos).
O cinema é onde você se sente mais à vontade como ator? Como se deu essa transição para a TV O lugar que eu me sinto mais à vontade é o teatro. Mas, referente a TV, eu tô começando a me sentir tão à vontade quanto no cinema. É um lugar que me dá prazer! São consequências de um exercício diário num espaço onde te permitem exercitar-se com frequência, fazendo com que a transição para TV acontecesse de maneira natural. O teatro me levou ao cinema e o cinema me levou à TV. Das linguagens, a televisa é a que mais me tira o sono, mas isso me faz acordar com mais sede de aprendizagem.
Falando em cinema, lá você viveu momentos únicos de grande repercussão com seu personagem Peixeira em “Carandiru”, Capitão Fábio em “Tropa de Elite” e Branco em “Alemão”. São marcantes para você também? Se sente privilegiado em ter participado dessas produções? São bem marcantes pra mim! “Carandiru” é o meu primeiro grande filme como protagonista. Com o Babenco que é um grande diretor, uma lenda que eu tenho uma paixão enorme e uma gratidão gigantesca. Sem a oportunidade que ele me deu no “Carandiru”, talvez não estivesse aqui, onde cheguei. Sobre os filmes, são três de uma mesma temática e mesmo tendo sido em épocas diferentes, são tão atuais. O mais legal de tudo isso é perceber a minha evolução e maturidade como ator. E por mais que fossem o mesmo tema, me trouxe o desafio de usar a mesma linguagem, mas de uma forma diferente, de acordo com cada personagem. E não, eu não me sinto privilegiado por ter participado dessas produções. Eu me sinto privilegiado por poder viver fazendo aquilo que eu gosto. São poucas pessoas que conseguem isso. E eu realmente sou muito apaixonado pelo que faço!
Você viveu grandes momentos do cinema nacional. Como avalia o cinema produzido aqui hoje em dia? Se não fosse esse governo desastroso, que tá acabando com a nossa cultura, o cinema estaria de vento e popa. Porque é uma luta cultural, com décadas de evolução. Ele não vai acabar com isso! A gente continua feliz, continua produzindo coisas incríveis. E a minha geração tá muito feliz com a atual, porque eles estão produzindo, conseguindo, indo atrás de melhoras. Então, o cinema está mais vivo do que nunca, e eu tô muito feliz! E nada vai acabar com a gente – estamos de mãos dadas, vamos resistir e vamos até o fim. E viva o cinema nacional. Um viva para nova geração!
Em algum momento seu tipo físico chegou a atrapalhar? Achar que você era ator para filmes de ação, tiro, policial…e difícil se enquadrar num perfil de comédia ou filme romântico? Temos que ter paciência na vida. Eu vim do teatro, antes de começar o cinema – não vou nem falar da TV, que me deu maior liberdade. Mas, eu fiz de tudo no cinema, independente do físico. Fiz muita coisa de ação? Sim! Mas, independentemente do perfil abordado, podemos fazer cada personagem de maneira diferente, trazer uma delicadeza e ter paciência para convencer as pessoas que você pode transitar por diversos gêneros e fazer de tudo. E aos poucos, sem correr, com muita paciência, sendo muito prazeroso, você vai quebrando essas barreiras. Sempre vão te colocar numa caixinha, e isso não é ruim. Pega esses desafios e dificuldades encontradas e aprenda a transformar em algo positivo.
Seus trabalhos mais recentes na TV, o delegado Joubert em “O Sétimo Guardião” e o atual Dr. Matias em “Amor de Mãe” provam sua versatilidade. Como foi e é participar desses trabalhos? O Joubert é um personagem que eu tenho muito amor por ele. Um personagem que é um homem bem “machão”, viril e que tinha um prazer enorme em usar lingerie. Na época que que esse personagem existiu, era uma época de transição de governo. Então, transitar com ele nesse período e fazer as pessoas gostarem, entenderem e admirarem, foi um desafio muito grande, mas, com um prazer enorme no final, de acordo com o retorno do público.
E o Matias, ele fala de uma coisa tão importante nesse momento, que é o machismo. Algo tão vergonhoso, mas que por muito tempo fez parte da nossa educação – lamentável. Tem sido super importante trabalhar o Matias nesse momento. Ele é um cara legal, muito bem casado, protege família, de índole boa, e que por uma besteira que ele coloca na cabeça, mostrou esse lado machista, que vem impregnado na gente. Ele tem sido um personagem vital e muito importante. E o humor tanto no Joubert, quanto nele, é essencial para trazer a proximidade desses assuntos, às pessoas.
Aliás, como foi ter que usar calcinha em pleno horário nobre? Já tinha se imaginado numa situação dessa como ator? Esse foi o menor problema para mim, pois o peso de lidar com a responsabilidade do assunto abordado, foi maior e eu nem parei para pensar na abrangência da cena no horário nobre. Apesar que nunca tive problemas com esse ponto da masculinidade ou ter medo de errar ou me expor no meu trabalho. Então, foi natural para mim, tão desafiador quanto todos os outros trabalhos.
E os amigos, tiraram muita onda com tua cara? (risos) Meus amigos? Não. Pelo contrário, eles ficaram super orgulhosos da maneira como eu me coloquei e como eu conduzir esse assunto. Eu lembro que eu escrevi pro Juliano Cazarré: “Olha, se diverte aí, dá risada”, e mandei a cena para ele, em que eu estava dançando e que a minha mulher me pegava. E ele respondeu: “Cara, eu não dei risada, pois me emocionei muito. Que lindo, que bonito a forma séria e poética como você colocou o desejo desse homem”. Ou seja, qualquer crítica preconceituosa se tornaria pequenas perto da poesia que foi a cena. O público quando ele é tocado, é bonito de se ver e sentir o seu retorno.
Agora com Dr. Matias você vive um dilema conjugal que envolve machismo e lealdade. Como você defenderia e jugaria o Matias? Pela primeira vez na vida eu escolhi não defender um personagem. Eu escolho caminhar com ele e vê até onde ele me levará falando do machismo. Me identifico com alguns dos momentos de machismo, sem defender. Então, a melhor forma que eu tiver para vivê-lo e não defendê-lo, será melhor. O Matias é um cara humano como todos nós. E lidar com o esse dilema do machismo e da lealdade é algo de se discutir pelo resto da vida, pois a nossa educação está muito galgada no machismo. E por mais moderno que eu seja – eu, Milhem – na relação, em quesito lealdade, não tira o machismo que eu tenho impregnado em mim mesmo. O que pode vir a tirar, é minha observação. Em resumo, o Matias é um personagem que está me fazendo muito bem!
Para o ator não existe limite em cena. Como você encara isso? Existe limite? Eu acho que a melhor forma de responder sobre os limites é sobre como eu encaro isso na arte. Eu acredito que para você ser muito louco, você tem que ser muito organizado (risos). Eu me sinto na liberdade de estar livre e me expor no meu trabalho, porque eu tenho técnica, já que é ela que me traz os limites e me faz enxergar, sentir e estar presente, e acabar me encontrando dominado por um pulso só.
Qual o maior desafio que já enfrentou? E o maior desafio que eu enfrentei até hoje, foi a paternidade – ser pai.
Onde homens e mulheres precisam aprender juntos? Acredito que quem mais precisar aprender somos nós, os homens. Principalmente em relação a diferenciar o machismo do feminismo. A gente tem que parar de trabalhar no privilégio e entender que o feminismo está aqui, brigando pela igualdade. E a melhor forma de aprender é se calando e escutando.
Acredita que o machismo atrapalha os homens de serem mais felizes e realizados? Como combater isso? O que você coloca em prática na sua vida? O machismo atrapalha tudo e todos. É demodê – já foi. Não é homem e mulher, somos humanos, iguais. E o jeito de combater isso é aceitar. Aceitar, escutar, aprender. Humildade nesse momento é tudo. Esse é o jeito de combater!
Você está casado há 20 anos com a mesma mulher. Existe “segredo” para um relacionamento dar certo por tanto tempo? Quais a ciladas que deve se evitar? Não existe segredo, existe querer. A gente sempre quis ter uma família e quando você faz isso com muito amor, você entende que as dificuldades, os desafios, os obstáculos, os momentos de dúvidas na relação aparecem. Mas, que você tem tempo para lidar com isso, porque você acredita tanto nesse projeto, e passa a entender que as coisas são pequenas demais, para acabar com tudo. O amor dói. Você tem que aprender a ceder, aprender a passar por cima de diversas situações, tem que aprender a ser humilde, a dividir e entender que não é ser só você… São tantas coisas que você tem que aprender quando se quer ter uma relação, um amor, um casamento duradouro. Dói, mas é gostoso.
O que te diverte? E o que te tira o humor? O que me diverte são os meus momentos com a minha família e os amigos. É muito precioso! E o que me tira o humor? A fome.
Na hora de relaxar o que você procura? Procuro não fazer nada e apenas ficar com a minha família. E nadar. Nossa, como me faz bem nadar!
Se considera um homem vaidoso? Qual o ponto fraco? Me considero um homem vaidoso. Não sou de usar cremes, procedimentos, mas gosto de me vestir bem e de estar bem apresentável. Gosto de uma boa alfaiataria! Eu tenho minhas vaidades, mas nada fora do normal.
Qual seu pecado preferido? Putz, meu pecado preferido? Não dá para falar (risos). Agora, o pecado que eu mais cometo, é a mentira.
Fotos Gabriel Bertoncel
Stylist Sator Endo
Beleza Fabiano Almeida