CAPA: CARREIRA, SUCESSO E O ESTILO DE VIDA DE CARMO DALLA VECCHIA

Avesso à polêmicas, discreto e centrado, Carmo Dalla Vecchia, um gaúcho nascido na cidade de Carazinho em agosto de 1970, já tem muita história para contar. Começando com uma breve carreira de modelo, passando pela função de assistente de fotografia até descobrir sua real vocação para ator. Carmo estreou na TV em 1995 e de lá até seu atual personagem, Paul em “Órfãos da Terra”, já se vão 24 anos. Entre mocinhos e vilões, não existe papel pequeno quando ele abraça um personagem. “Todos deixaram marcas, algumas alegres e outras que esqueci porque não fico olhando cicatrizes”, comenta ele durante entrevista. Seu apuro técnico e seu olhar apurado se revela também sua segunda paixão, a fotografia. Ali é onde ele deixa sua sensibilidade fluir solta e registra pequenos instantes da vida que tomam outras proporções. Carmo é isso, um homem dedicado onde quer que ele esteja, se na TV, nos palcos, cinema ou apenas direcionando sua câmera fotográfica.

Carmo, desde sua estreia na TV em “Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados” (1995) até hoje já são mais de 20 anos de carreira. Que análise faz de sua trajetória? Dá orgulho ou ainda não sente que chegou lá? Acho uma visão muito poética e fantasiosa olhar para o trabalho de alguém como se estivesse observando com uma luneta o tempo que já passou. Meu oficio é o que estou fazendo no momento, e o que importa é o que dele ficou para hoje. Minha trajetória doeu e me deixou forte e feliz e é assim que vejo meu trabalho. Não me orgulho, apenas fico alegre de continuar exercendo uma profissão tão difícil e que ajudou a me colocar no lugar do outro. Quanto a chegar lá… Esse lá é exatamente onde? Que tortura exercer uma profissão e ficar sempre na expectativa de chegar lá. Cheguei onde minha força e minha sorte me trouxeram e acho que nunca chegarei lá. Estarei sempre realizando a dor e o prazer do que estou fazendo no momento, porque entendi que é assim que tenho a chance de ser melhor e de ajudar outros a tentarem ser também.

Ao longo desse tempo passaram por você os mais diversos e marcantes personagens, mocinhos, bandidos, loucos… Algum (ou mais de um) em especial que tenha marcado e tenha sido difícil se “separar” dele? Todos deixaram marcas, algumas alegres e outras que esqueci porque não fico olhando cicatrizes. Elas estão lá e já fazem parte do que sou. Meu especial, é o que estou fazendo hoje. No caso Jack Elliot, o pai de Billy Elliot e Paul Abbás de “Orfãos da Terra”.

Aliás, como é o processo de desapego de um personagem pra você? Costuma ligar e se desligar fácil deles? Desligo fácil demais. Amo muito começar e amo também terminar, quase um alívio. Apego, só tenho a amigos, família e as minhas coleções. Coleciono quebra cabeças, álbuns de figurinhas, arte popular, anéis, brinquedos.

Algum personagem te trouxe algum ensinamento que você levou para a vida? Se sim, qual? Muitos deles me fizeram viajar e conhecer lugares incríveis que talvez não teria conhecido, como os Lençóis Maranhenses, Marajó, África do Sul, Vale do Loire, Nepal, Buenos Aires, Chile. Mas também quando fiz Oscar de o “Estranho Casal”, voltei a fumar durante cinco anos depois de já ter parado por 12. Dependendo do personagem, ele pode te bater um pouco.

Você costuma viver personagens densos, seja na TV, cinema ou teatro, é uma preferência sua? Quais seus critérios para aceitar ou não um papel? Não tenho tanta autonomia fazendo TV, sou contratado e antes de qualquer coisa, tenho patrão como qualquer outro emprego. Tenho a sorte desse patrão ter sempre me trazido desafios e experiências fascinantes, além de me permitir viver da minha profissão. Já no teatro, atualmente posso escolher o que fazer e tive muita sorte de receber convites maravilhosos nos últimos anos. Mas nem sempre foi assim.

Em trabalhos como “A Cura” e “Amor Eterno Amor” se discutia muito a fé. Religião, fé, espiritualidade, Deus, como você vê tudo isso? Como isso te toca? Sou responsável por um distrito budista há algum tempo. Sou praticante há mais de vinte anos. Consegui, através da minha pratica, ter uma análise muito clara de que sou responsável pela minha vida e se alguma coisa não caminha como eu gostaria, a responsabilidade é só minha. Difícil com uma prática tão moderna e libertadora, ser tocado por outras práticas que geralmente colocam a responsabilidade da vida num ser onipotente e onipresente. Que fique claro que respeito muito a escolha religiosa de qualquer pessoa. Só não gosto nada de sincretismo religioso, que é a cara do nosso pais. O cara se diz católico e joga búzios no final do ano. Se diz umbandista e coloca um buda em cima de moedas. Se diz ateu e vai na cartomante jogar baralho cigano. Acho isso tudo uma fuga de encarar seus próprios problemas e de entender que é ativo e faz parte deles.

Imaginamos que você seja avesso a rótulos, mas como você se definiria como artista e homem? Alguém que quer viver muito e aprender e se questionar sempre.

Com tanta liberdade e informação, parece que estamos regredindo em muitos aspectos como em relação ao respeito pelas escolhas do indivíduo (seja na vida sexual, religiosa ou cultural). Por que isso acontece? Como você enxerga isso? Acho que a humanidade passa por ciclos, não podemos esquecer que na Idade Média a própria escrita foi esquecida, o conhecimento da engenharia dos aquedutos romanos que serviam para o transporte tanto de fossas como de águas com a Idade das trevas, foram perdidos. Mas sou um cara positivo, acho que por mais que existam ciclos na humanidade, eles funcionam em aspirais evolutivos. Infelizmente, às vezes, passamos por retrocessos para a consciência e os saltos qualitativos serem melhores e maiores. Enfim, sou um cara que acredita no ser humano.

Como a fotografia entrou em sua vida? Como virou paixão? Fui um modelo que não deu certo e com isso, me tornei assistente de um fotógrafo. Isso me ajudou a ser mais crítico com a imagem. Com o tempo, tive a chance de viajar de ver muitos museus e de ver o trabalho de outros fotógrafos e isso aliado as grandes esperas entre uma cena gravada e outra, me trouxeram o habito da fotografia.

O que te tira do sério e o que te coloca em sintonia? Falta de Bom dia, Boa tarde, Boa noite, por favor, Obrigado e com licença me tiram do sério. Minha pratica me sintoniza com a minha responsabilidade com o outro, consequentemente comigo mesmo.

Você tem alguma mania que gostaria de perder? E alguma que gostaria de ter? Comer doces, adoraria não gostar deles. Gostaria de ter a mania de memorizar mapas. Sou bem fraco para eles.

Em tempos de discussões de gênero, empoderamento feminino, qual sua visão? Cada um com seu cada qual e todo mundo junto. Cada um tem o direito de ser o que quiser. Acho que sexualidade é um assunto muito mais amplo do que parece ser e quanto ao empoderamento feminino, esse assunto é de extrema importância quando discutido por pessoas serias, depende muito de quem está empunhando essa espada.

Como é sua relação com redes sociais e a super exposição? Comecei, há pouco, a publicar fotos minhas no Imstagram, fiquei muito tempo sem isso e sinceramente não sentia falta. Meus seguidores são muito carinhosos e nunca tive problemas sérios com haters. Ao contrário, respondo todos os meus directs e faço amigos que já pularam da rede para a vida pessoal. Me envolvo com as histórias de muita gente, desde problemas de saúde, depressão, ou até fãs com histórias que se eu contar aqui, vocês não acreditariam. De qualquer forma, nunca contaria numa entrevista, pois jamais revelaria a intimidade que me foi creditada. Mas acredite… histórias do arco da velha. Também já fiquei muito tempo me proibindo de consultar meu nome no Google e quer saber, foi muito bom. Não sou super exposto, acho que o artista que faz isso paga um preço alto. Se você faz um comercial de tintas mostrando o quarto do seu bebê, é normal depois as pessoas quererem a foto do nascimento dele e acompanharem seu crescimento e a vida do casal. Acho que você tem o poder de mostrar aquilo que você bem quiser. Muitas pessoas ganham dinheiro com isso e cada um tem o direito de fazer de sua rede social aquilo que bem entender, mas depois acho hipocrisia reclamar do assédio.

Você é um cara vaidoso? Até que ponto e como isso aflora mais? Já fui mais… fui desencanando com o tempo. Minha fantasia gira mais em torno de fazer as pessoas sonharem com uma história. Se isso acontecer, eu fico vaidoso com esse fenômeno.

O que Paul, seu atual personagem, em “Órfãos da Terra” tem trazido de novo para você? De novo, muitas aulas de prosódia e uma responsabilidade muito grande de agregar com um trabalho tão primoroso tanto de escrita quanto de direção. Além dos meus colegas, que estão maravilhosos. 

Qual a importância para você em trazer para o grande público de TV temas como esse dos refugiados? Importância crucial de fazer as pessoas pensarem que diferenças agregam e não, o contrário.

Cultura em geral, o que nos falta? Base escolar. Escola. Escola. Escola. Educação de base.

Você tem fome de quê hoje em dia? De tempo para minhas aulas de piano, para minhas aulas de canto lírico, de visitar mais meus pais em Santa Maria (RS), de cuidar melhor do meu jardim, de montar meus quebra-cabeça.

Fotos Sérgio Santoian

Styling / Produção de Moda Wesley Madson (@wesleymadson)

Make-up / Hair Louise Heléne (@louisehelene)

Produção e tratamento de imagem Enrique Marinho (@enriquemarinhotratamento)

Agradecimentos: Casa Estúdio, Jéssica, Renata Katz, Isis Pedretis, Flávia Moraes, Henrique Ruccasi.

Carmo veste: Look 1 – Terno, polo e sapatos: Ricardo Almeida, anéis: acervo pessoal; Look 2 – Terno: Merino, camisa: Ricardo Almeida, sapatos: Sapataria Cometa, anéis: acervo pessoal; Look 3 – Blazer, calça, camisa, sapatos: Ricardo Almeida, anéis: acervo pessoal.