ENTREVISTA: Nando Parrado, o sobrevivente do acidente aéreo de 1972 nos Andes e sua vida hoje em dia

Por Nadezhda Bezerra

Em 13 de outubro de 1972 jogadores uruguaios de rúgbi estavam a caminho de Santiago, no Chile, para disputar um amistoso. A bordo do bimotor da Força Aérea uruguaia estavam militares e também outros membros da delegação e alguns familiares. O avião caiu nos Andes e por 72 dias em temperaturas altíssimas abaixo de zero, os sobreviventes, uma maioria de jovens na faixa de 18 anos, lutaram pela vida tomando muitas vezes decisões extremas e corajosas. Conversamos com Nando Parrado, que perdeu a mãe a irmã na tragédia, além de grandes amigos. Ele nos dá uma lição de esperança e coragem que nascem do medo e da vontade de viver. Durante anos, Parrado dá palestras, escreveu um livro e fez da sua experiência uma história que até hoje emociona e marca muita gente. Definitivamente Nando é um homem MENSCH e tê-lo em nossa revista é mais que uma honra é um presente para nós e para vocês, nossos leitores.

No momento da queda do avião quais foram os seus primeiros pensamentos? Tudo aconteceu muito rápido. Não tive tempo sequer de ter medo. Desde o momento em que pressenti que havia algo errado no voo até o impacto com a montanha em si se passaram menos de cinco segundos. Por conta do impacto perdi a consciência por quatro dias.

No acidente você perdeu sua mãe e irmã, ainda assim o que se pode tirar de bom dessa experiência? Se eu quisesse esquecer a dor e os maus momentos do passado, também teria de esquecer os bons momentos do presente. É difícil explicar e não gosto de viver do passado… Mas se o acidente não tivesse acontecido, não teria a família que tenho agora. Então é inútil tentar dizer qual família tem mais valor, é mais importante e querida… Se a anterior ou a de agora. Por isso creio que o lado bom foi a experiência que me deixou, a possibilidade de viver um presente com intensidade. Claro que recordo com muito carinho e amor todos que se foram… Mas não estão mais aqui.

72 dias nos Andes com temperaturas abaixo de zero. No que acreditava para se manter vivo e lutando? Amava a vida e pensei em meu pai que havia perdido a sua família. Queria voltar para ele e também queria ter uma vida… Não queria morrer tão jovem sem experimentar tantas coisas, principalmente o amor de uma família.

Como mantiveram a coesão do grupo? Com amizade, espírito de equipe e solidariedade. Creio que nunca fomos tão bons seres humanos como nessa tragédia. Por sorte nos conhecíamos de antes, se isto tivesse acontecido com um avião comercial teria sido muito difícil a convivência com tantas diferenças em relação a idades educação, idioma, raças, religiões e pessoas viajando só ou com familiares. Também teria sido difícil encontrar líderes. Nós tínhamos nosso capitão Marcelo (Marcelo Perez) já liderando cinco minutos depois da queda.

Qual o momento mais difícil? A confirmação pelo rádio de que as buscas haviam terminado foi nossa condenação à morte, e teve outros tantos todos os dias… É difícil explicar como se sente uma pessoa quando sabe que vai morrer. Tínhamos esperança… Mas a esperança só prolongava a agonia. A notícia sobre as buscas me deu medo, desolação, mas por outro lado me deu a convicção de que agora a sobrevivência só dependia de mim.

A saída para buscar ajuda foi a última esperança de sobreviver: Como tomou a decisão? Desde o momento que escutei no rádio que as buscas haviam terminado tomei a decisão de que iria tentar sair dali pelos meus próprios meios. Era uma missão impossível, mas era melhor tentar do que esperar pela morte sentado, fitando os olhos de meus amigos. Quem queria vir comigo era bem vindo, quem quisesse ficar no avião era por decisão própria. Como havia alguns em condições físicas melhores e outros piores, isso acabou sendo determinante.

A volta pra casa, a mídia, a curiosidade das pessoas, como lidou com tudo isso e o que fez primeiro quando chegou em casa? Foi tudo tranquilo. No dia seguinte a minha volta fui à praia. Estava tão feliz de estar vivo que todo o resto não me importava tanto. Me senti ressuscitado e esse sentimento só tem aqueles que sobreviveram a situações limites de acidentes ou doenças. Já com meu pai em casa a primeira coisa que fiz foi abraçar meu cachorro da raça boxer Jim. Sobre a mídia, sou produtor de TV e revistas, então sei que a imprensa busca notícias impactantes, fazem as entrevistas e muitas vezes escrevem o que querem nas edições. Então nunca me preocupei muito com isso.

O que te levou a escrever o livro Milagre nos Andes e dar palestras por todo o mundo? O livro eu escrevi 36 anos depois da tragédia como homenagem aos 90 anos do meu pai. Queria presenteá-lo com algo importante e fiquei pensando o que seria… Um carro? Uma casa? Uma obra de arte? Roupa… Escrevi durante 03 anos o livro que fala com as dezenas de ensinamentos de um pai puderam salvar a vida do seu filho. Que melhor homenagem? Durante 26 anos não dei conferências, palestrar e as pessoas me perguntaram se estava muito traumatizado pela experiência. Não era nada disso é que ninguém tinha me chamado ou pedido por isso em 26 anos! Logo que fiz a primeira foi como uma avalanche e hoje recebo mais de 300 pedidos anuais em todo o mundo… Empresas multinacionais, universidades, ONGs, escola de negócios etc. Mas somente faço 12 a cada ano pois minhas outras responsabilidade não me permitem mais que isso. Graças às conferências tenho conhecido muitos personagens interessantes no mundo além de lugares fantásticos.

Quem é Nando Parrado antes e depois do acidente? Uma pessoa muitas vezes não é o que ela crer que é, mas o que os outros creem que ela seja. A mim parece que sou muito parecido com meus sentimentos de antes e como sempre via as coisas da vida, só que agora com mais experiência. Assusta-me quando as pessoas me chamam de herói ou que tive muita coragem… Gostaria de explicar a elas que talvez essa coragem tenha surgido do medo permanente que sentia.

O que diria a quem passa por momentos difíceis? É difícil de falar. Seria muito fácil dizer que tudo depende do que se tem dentro de si, que com esforço, determinação e resiliência se pode superar tudo, mas não é assim que sempre acontece. Há coisas na vida que são tão duras que me pergunto muitas vezes se Deus existe. Eu pude criar minha própria versão de um milagre e quem passa por uma determinada situação difícil da vida, seja financeira, econômica de relacionamento ou de enfermidade, escutando e lendo a minha história talvez possa passar por essa noite escura e criar seu próprio milagre.

Site oficial: www.nandoparrado.com