ARTE: O FANTÁSTICO MUNDO DOS GÊMEOS

Por Ivan Reis

Não é de hoje que a arte dos irmãos nascidos em São Paulo faz parte do nosso cotidiano. Laterais de prédios em grandes metrópoles, aviões ou dentro e fora de museus do Brasil e do mundo já foram ocupados pelos personagens criados pelos gêmeos. Em traços bastante reconhecíveis, a arte se integra à cidade grande com referências da cultura do hip-hop e da linguagem do grafite. Misturando diferentes técnicas de pintura e desenho, Gustavo e Otávio Pandolfo retornam ao circuito de exposições com Osgemeos: nosso segredo. A mostra reúne quase mil itens – entre pinturas, instalações e animações – que revelam diferentes fases da vida e obra dos artistas. Com curadoria dos próprios irmãos, a exposição foi escolhida para celebrar os 33 anos do Centro Cultural Banco do Brasil na capital carioca até 23 de janeiro de 2023.

IMAGINAÇÃO BATE À PORTA

Não é a primeira vez que os artistas ocupam o espaço no Rio de Janeiro. Há 12 anos, Vertigem marcava a estreia em mostra individual e inédita. Dessa vez, a inspiração vem da exposição Osgemeos: Segredos, apresentada na Pinacoteca de São Paulo e no Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, no Paraná, entre 2020 e 2022. A nova reunião dos trabalhos de Gustavo e Otávio Pandolfo apresenta a trajetória dos artistas e uma visão generosa de Tritrez, universo lúdico e partilhado pelos irmãos desde a infância. “A gente convida todo mundo a ter essa experiência imersiva dentro da nossa cabeça, do nosso universo, do nosso mundo que a gente acredita e gosta de dividir com as pessoas”, comenta Gustavo.

Das fendas e das entradas secretas para o mundo imaginado, origina-se boa parte dos personagens que povoam painéis, muros e outras intervenções de arte urbana. Nesta mostra, as peças foram organizadas para transmitir informações e sensações sobre uma produção artística bastante peculiar. “Se depender de nós, ocupamos todo o espaço possível do museu”, brinca Otávio sobre a montagem da exposição imersiva. São janelas abertas para outros mundos em telas, esculturas e murais em espaços urbanos e que brincam com a imaginação dos visitantes inevitavelmente. Uma das novas atrações dialoga com experiências caligráficas em versão 3D. Trata-se de uma estante em formato de letras que compõem o nome da dupla em escala humana.

Gustavo Pandolfo acredita que expor processos criativos é uma forma de caracterizar o estilo e as obras. “Um desenho num papel pode virar um avião inteiro, pintado com muitas tintas e sobre um fundo totalmente diferente”, explica. Otávio detalha as peculiaridades do trabalho ao longo da carreira. “Nossa caligrafia e nossos desenhos contam a história de nossos lugares – de onde viemos e como nos formamos”, afirma. Para o artista, muitos dos desenhos apresentados funcionam como um templo. “É onde a gente se encontra em paz, em harmonia, vinculados à família e aos amigos, e, sobretudo, ao que a gente mais acredita. Esse é o alicerce do nosso trabalho”, afirma. 

TEMPO, TRABALHO E TRAJETÓRIA

Gustavo e Otávio Pandolfo atuam juntos desde a infância, nos anos 1980. Nascidos em 1974 na região do Cambuci, na capital paulista, os gêmeos univitelinos pertencem a uma família que valoriza a ida a exposições e o contato com a arte. No início da década de 1990, começam a ganhar destaque pela produção de diversos tipos de arte, especialmente os grafites pintados nas laterais de edifícios. 

O domínio de diferentes técnicas de pintura e desenho veio da necessidade de trabalhar, da diversidade de suportes e, muitas vezes, da escassez de recursos. Frequentemente, os irmãos, descobrindo-se artistas, precisavam combinar o uso de tintas à base de água com spray, por exemplo. Nesse estilo de experimentação, um desenho poderia ter uma parte pintada sobre madeira e outra sobre uma parede de alvenaria ou, ainda, poderia incorporar um resto de lona de feira ou outro material. A técnica de contorno de traço fino com spray é um detalhe que materializa ideias e conceitos, tornando-se uma característica bem peculiar de seus trabalhos.

Os irmãos carregam influências de diferentes contextos e culturas com os quais tiveram contato. Eles oram fortemente influenciados pelas séries japonesas para a TV, como Ultraman, por animações, como as de The Wall, do Pink Floyd, ou as do filme Heavy Metal, pelas músicas eruditas que ouviam com o avô, pelos desenhos que faziam com o irmão mais velho, Arnaldo. A partir das ruas do Cambuci, um dos berços da cultura hip-hop nos anos 1980 em São Paulo, eles ainda conviveram com o grafite, o rap e o break, ou seja, com a força da estética visual, da poesia, da música e da dança de rua que foram elementos fundamentais para a formação artística da dupla. Essas influências deram origem tanto a personagens peculiares  que habitam as ruas em forma de grafite em pinturas, desenhos em papel e madeira, como a infinidade de objetos planos e tridimensionais que ganharam vida e cores em estilo diverso, agregando o popular e o sofisticado ao mesmo tempo.

Frequentemente, os irmãos afirmam que nunca repetem personagens, ainda que existam semelhanças entre as figuras humanas e os ambientes retratados. São sempre únicos, inusitados e cheios de personalidade. Especialmente em esculturas, é possível observar essa diversidade. Esse é o caso de B-girl, personagem do mundo hip-hop, ou de uma mulher de vestido azul ou de uma cabeça de Boombox

Em tons de amarelo e contornados em spray, são personalidades construídas com toque surrealista, incorporam uma estética afinada com o lúdico que faz aflorar a imaginação de muitos ao redor do mundo. Um respiro em meio à vida urbana. “Muita gente se identifica com o nosso trabalho pelo fato de envolver os quatro elementos em que acreditamos: música, dança, pintura, escultura, poesia, vídeo-arte”, comenta Gustavo sobre os elementos que compõem o trabalho da dupla.

OBRA DE GIGANTES

A exposição foi organizada de modo a acompanhar as mudanças e a evolução do estilo dos irmãos. Há o primeiro contato com desenhos mais antigos e rabiscos, embriões de um estilo peculiar. “Desde as primeiras ideias, os primeiros desenhos que fizemos juntos, é possível ver as influências que tivemos e por quantas etapas passamos para chegar no estilo de hoje”, explica Otávio. Em se tratando de influências, existe uma sala que homenageia a mãe dos irmãos artistas. Com trabalhos do final da década de 80 e início de 90, há telas, pinturas e trabalhos com bordados feitos em parceria com os filhos. Logo após o universo Tritrez ocupa boa parte da exposição e do imaginário dos visitantes.

Um dos principais atrativos da exposição também é o trabalho que fez parte de uma intervenção realizada em um dia em Nova York, em parceria com Banksy, outro nome representativo da arte urbana contemporânea. Nele, os irmãos inserem um personagem em uma obra do artista britânico – famoso por seus estênceis, seu ativismo político e anonimato –, e, este inclui um personagem em meio a uma tela dos irmãos. A combinação retrata a mundialização das obras da dupla. No diálogo que trava com outros artistas de vanguarda da arte feita na rua, o debate estético caminha de mãos dadas com a intervenção crítica e política, aspecto tão característico das obras dos artistas.

Outro destaque é a nova configuração de Templo e de Gigante, obras adaptadas especialmente para o espaço do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro. Ambas estarão estruturadas na rotunda, em posição de destaque e com projeção de animações. Telas emprestadas de colecionadores também fazem parte do acervo exposto. A projeção de imagens de obras urbanas, como algumas já apagadas pelo tempo, pelo poder público ou por outras motivações ocupam uma sala dedicada ao tema. No espaço, fotografias da presença efêmera dessas obras em grandes centros urbanos são projetadas para o público.

O registro fotográfico dos irmãos produzindo murais pelo mundo também é uma novidade em relação às recentes exposições de São Paulo e Curitiba. Nesse contexto, estão imagens dos novos murais – um no Queens, em Nova York, produzido em maio deste ano, e outro em agosto, em Ishinomaki, no Japão, para o Reborn Art Festival. Os gêmeos foram os únicos artistas estrangeiros a participar presencialmente do festival neste ano com mural pensado especialmente para a ocasião.

EM BUSCA DE NOVOS SEGREDOS

“A gente precisava de uma ferramenta para poder traduzir o que tem na nossa cabeça desde pequenos. Como traduzir isso de uma forma visual? Desenhando! Mas desenhar com um estilo nosso, e não com um estilo de outros artistas que admiramos”, explica Otávio sobre os sentidos da exposição. Além de serem os curadores dos próprios trabalhos para a mostra, Gustavo e Otávio questionam-se sobre suas construções identitárias em meio ao arsenal de técnicas e artistas. “A exposição trata bastante dessa busca pelo estilo, pela identidade e de que forma nós estudamos para ter uma técnica nossa. Por isso, a exposição se chama Nossos Segredos. São coisas que só a gente sabe o que passamos para poder fazer o que fazemos”, concluiu.

SERVIÇO

OSGEMEOS: NOSSOS SEGREDOS

Quando: de 12 de outubro de 2022 a 23 de janeiro de 2023

Onde: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (Rua Primeiro de Março, 66, Centro – Rio de Janeiro, RJ)

Horários: Segundas: das 9h às 21h, Terças: fechado, Quartas a sábados: das 9h às 21h, Domingos: das 9h às 20h

Ingressos: retirados gratuitamente na bilheteria do CCBB RJ ou em bb.com/cultura

Imagens: Filipe Berndt/ Max Yawney/ Stephanie Bleier/ OSGEMEOS